“Gostava de agradecer à MTV pelas minhas três casas, pelos meus cinco carros e por ter como namorada uma super-modelo. Vivam o sonho». Foi com estas palavras que, a 16 de novembro de 2000, Robbie Williams aceitou o prémio para Melhor Canção ('Rock DJ') na edição desse ano dos MTV Europe Music Awards, o único que receberia em toda a noite, apesar de estar nomeado em três outras categorias. A frase criou eco e ficou para sempre associada ao lado mais egocêntrico de Williams, homem que dominou a pop durante quase toda a década de 90, primeiro com os Take That, depois a solo. Convenhamos que, com a chegada do sucesso, não é difícil a uma pessoa ser egocêntrica – basta perguntar a dois dos seus maiores conterrâneos, os irmãos Gallagher, com quem começou por travar uma relação de amizade até Noel se referir ao cantor como “o dançarino gordo dos Take That”, dando início a um longo feudo entre os dois campos.
Porém, apesar de toda essa gloriosa auto-estima exteriorizada, nem tudo soava bem na sua própria cabeça. Ao longo dos anos seguintes, Robbie Williams dispôs-se a falar abertamente dos seus problemas de saúde mental, revelando ter lutado contra uma depressão ainda nos Take That, tendo procurado resolvê-la através daquilo que mais se encontra à mão das grandes estrelas: drogas e álcool. “Conseguem imaginar o Robbie Williams a consumir heroína?”, perguntou, perto do final do concerto na Altice Arena, durante um monólogo que, mais que um momento terapêutico, dirigido não só a ele mesmo como a qualquer pessoa que, na audiência, pudesse estar a passar pelos mesmos problemas, foi uma forma de salientar a importância que os seus fãs tiveram na sua vida. Incomensurável, já que o cantor alega que, sem o apoio destes e o da sua esposa, ter-se-ia suicidado.
Podíamos passar horas a escrever teses de mestrado sobre o impacto da fama na saúde mental, sobre a pressão que é exercida nos artistas – sobretudo nos grandes artistas, que “alimentam” mais bolsos que não o seu – para que entreguem um bom produto e mantenham o sorriso mesmo quando, lá dentro, só lhes apetece chorar. Ao longo de quase duas horas, Robbie Williams fê-lo por nós, com muito humor (e amor) à mistura. Foi quase como se os temas tivessem ficado para segundo plano: o foco maior esteve no seu trajeto, nos seus altos e baixos, sem que pouco tenha ficado por dizer (o próprio assumiu que só tem dois tipos de canções: “aquelas em que digo que sou incrível, e aquelas em que estou deprimido”). Williams deixou de beber há 23 anos, deixou de consumir drogas, encontrou na família um porto seguro. E as nuvens negras podem ter passado, mas ainda rondam. O que explica a necessidade de as expôr ao mundo, para que lhe ofereçam guarda-chuvas.
Este era o último concerto da sua “XXV Tour”, de celebração dos seus 25 anos de carreira a solo, mas a Altice Arena não deixou de relembrar momentos anteriores a essa efeméride. Como o próprio bem o disse, juntando os Take That e a sua própria carreira, Williams está nas nossas vidas há 31 anos. Recuando até 1992, o cantor recuperou o primeiro videoclip da sua antiga boys band, de 'Do What You Like', canção que os seus autores hoje em dia maldizem mas que acaba por ser um belo exemplo da pop do período, quando todos queriam usar aqueles pianinhos house. Habilmente, parou-o assim que é visível o seu traseiro desnudo, atirando: «Quando começámos, tivemos de fazer pornografia gay»...
Foi um dos muitos momentos em que Williams fez rir a bom rir, mesmo quando contava histórias que não eram – do seu próprio ponto de vista, quiçá do dos fãs – assaz divertidas. “Eles não gostavam de mim”, disse imediatamente a seguir, depois de narrar a sua história nos Take That. “Era novo, e era irritante”. Gary Barlow foi o mais visado pelo seu fel: “Ele cantava as canções todas”, e um jovem com a ambição de Williams não queria, naturalmente, ficar para segundo plano. Daí a sua saída do grupo, ao qual regressaria durante um breve período entre 2010 e 2014. “Eles venderam 250 mil bilhetes num dia e eu pensei: se não podes vencê-los, junta-te a eles”.
No entanto, saímos da Altice Arena a pensar que Robbie Williams é de facto um vencedor, tanto na sua carreira, como na sua vida pessoal. “O homem que veem diante de vós nunca sentiu tanta felicidade”, garantiria a meio do concerto. Ao início, um pensador ao estilo de Rodin, imóvel e sereno, começou por tomar o seu lugar no centro do palco. Vinte minutos depois da hora marcada, um pulsar azul introduziu os elementos da banda de Williams, com o próprio a surgir pouco depois de uma contagem decrescente, microfone na mão e a melhor das poses, dando voz ao rock assaz garageiro de 'Hey Wow Yeah Yeah'. Num dos versos dessa canção está o mote que é dado em cada um dos seus espetáculos: everybody knows that we only got tonight. Para um entertainer nato, cada noite é a mais importante, para ele, para os fãs. O passado fica onde ele pertence e o amanhã nem sequer existe. Existe, isso sim, o pedido sincero: 'Let Me Entertain You', sob ecrãs de televisão com imagens de outros tempos e o grito de guerra: “o meu nome é Robin [palavrão] Williams!”.
Como orgulhoso homem do norte (de Inglaterra), o [palavrão] saía-lhe da boca como quem coloca um ponto final numa frase, servindo para dar ênfase a uma qualquer ideia ou para colocar mais uma camada de humor sobre a sua bem conhecida wit britânica. Pouco depois de iniciar 'Monsoon', Williams mandou parar a banda, com os bofes de fora depois de três canções enérgicas. A culpa, garantiu, foi da Covid longa “e não da idade, seus c...”. Mas da sua língua brotou também o português, primeiro com um “boa noite, amigos!”, mais tarde com pedidos de traduções para as palavras “sexo”, “drogas” ou “escândalo”. “'Sexo' soa tão melhor em português”, brincou, e o nosso patriotismo impele-nos a concordar. Antes, tinha aproveitado para descer até junto do público, cumprimentando à vez quem estava do seu lado esquerdo (“aqui quiseram apaparicar-me”) e do seu lado direito (“aqui apertaram-me o mamilo”). Nada comparado, no entanto, com o que aconteceu em Hamburgo, nesta mesma digressão: “houve duas pessoas a apalpar-me o pénis”.
O falocentrismo ficou à porta quando era hora de falar sobre saúde mental. “Estou num lugar seguro? Posso partilhar e mostrar-me vulnerável convosco?”, perguntou à audiência, recebendo um rotundo sim. Com a bandeira nacional ao ombro, passou pelo quasi-karaoke de 'Strong', com os presentes a interpretar o refrão seguindo as indicações no ecrã, e que serviu para convidar duas fãs, situadas numa das laterais, a verem o concerto na frente do palco. A justificação? “Estão em lugares de m...”. A bem recebida 'Come Undone', com uma menção ao “sensual” Luís Figo, antecipou uma versão de 'Could It Be Magic', de Barry Manilow, e outra de 'Don't Look Back In Anger', clássico dos Oasis: apesar do mauvais sang, o cantor não esconde ser fã da banda de Manchester.
Até final, homenagearia a amiga Geri Halliwell com 'Eternity', canção que lhe escreveu em 2001, encetaria uma espécie de concurso para os fãs se habilitarem a ganhar uma t-shirt sua (“quem me chamar à atenção enquanto dança, ganha”) e levou toda a Altice Arena a levantar-se para entoar 'Feel', um dos seus dois grandes êxitos. O outro, 'Angels', só surgiria no encore, já depois da disco moderna de 'Rock DJ', de uma 'No Regrets' intimista e de um momento de comunhão com uma fã, Filipa, 24 anos, de Leiria. Williams dedicou-lhe 'She's The One', mas não escondeu o choque quando a jovem lhe disse a idade: “P... que pariu”, soltou. “Tenho idade para ser o teu amigo velho. Dá-me um abraço, mas não desmaies, não pareceria bem na internet. Como raio é que ouviste falar de mim? Sabes que existe um tipo chamado Harry Styles?...”. Agradecendo à banda e pedindo para ver as luzes dos telemóveis dos presentes em 'Angels', Williams despediu-se com um medley à cappella, cantado mais pelo público que por ele próprio, e com a pergunta: “Ainda sou a tua canção, Portugal?”. Sim, ainda é, e como se pôde ver, não obstante as tiradas auto-depreciativas com a sua própria idade, a sua é uma canção que atravessa gerações. Enquanto Robbie Williams precisar, os fãs continuarão cá por ele.
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