De acordo com o site do governo britânico, Carlos III, com o nome completo Charles Philip Arthur George, sucedeu ao trono imediatamente a seguir à morte da mãe, Isabel II. Na altura tinha 73 anos, e é o monarca britânico a herdar o trono mais tarde.
À boa moda britânica, cada monarca costuma corresponder a uma era distinta. Assim, e segundo a imprensa britânica, após o fim do reinado de Isabel II, iniciou-se “a nova era Caroliana” (“the new Carolean age”, de acordo com a revista Tatler).
O anúncio da morte de Isabel II foi feito na altura nas redes sociais da Casa Real britânica, com uma publicação que dizia simplesmente: "A Rainha morreu pacificamente em Balmoral esta tarde. O Rei e a Rainha Consorte vão ficar em Balmoral esta noite e retornarão a Londres amanhã".
E assim o fizeram. No dia seguinte, as televisões de todo o mundo e restantes meios de comunicação acompanharam, pela primeira vez, o novo Rei e Rainha a entrarem pelas portas do Palácio de Buckingham, em Londres. Esta foi a primeira vez que o, até ao dia anterior, príncipe se apresentou como Rei, recebido por milhares de pessoas que o queriam ver em frente à sua residência oficial.
Seguir-se-ia depois o funeral da antiga monarca, as lágrimas em público, as irritações com canetas de tinta permanente, para sempre eternizadas na internet, e no dia 6 de maio deste ano a Coroação, com a Coroa de Santo Eduardo. De acordo com a BBC, foi vista por 18,8 milhões de telespectadores apenas no Reino Unido, e contou com a presença de centenas de figuras relevantes no panorama internacional.
Entre os 2.300 convidados naquele dia na Abadia de Westminster para ver o Rei e a Rainha Camila a serem coroados, estavam o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e o seu homólogo brasileiro, Lula da Silva, vários membros de famílias reais, como é o caso de Felipe VI e Letizia de Espanha, e primeiras-damas, como a americana Jill Biden, acompanhada da neta.
Além destes, esteve também presente o músico Nick Cave, amigo pessoal dos monarcas, e ainda outros artistas, como Katy Perry e Lionel Richie, que animariam o concerto comemorativo do evento ocorrido no dia seguinte em Windsor.
Os grandes rostos do cinema britânico Emma Thompson, Judi Dench e Maggie Smith também marcarm presença na Abadia.
Neste dia, depois do momento solene da Coroação, os recém coroados fizeram um longo desfile até ao Palácio de Buckingham, acompanhados pela família, e acenaram pela primeira vez na conhecida varanda, que já assistiu a comemorações de casamentos, celebrações de fim de guerra e, pouco tempo antes, à celebração do Jubileu de Platina de Isabel II.
Quem é Carlos III?
Ao contrário da mãe, que sempre foi uma figura relativamente consensual entre os britânicos e uma chefe de Estado respeitada na maior parte do mundo, Carlos herdou não apenas um legado com sete décadas, mas também a responsabilidade de garantir a relevância do papel da monarquia no país, uma missão bastante mais complicada neste século do que no pós-guerra de Isabel II.
Nascido a 14 de novembro de 1948, Carlos III torna-se herdeiro ao trono do Reino Unido com apenas quatro anos, assumindo o título de príncipe de Gales. Depois disso, segue-se uma educação rigorosa em duas reconhecidas escolas do Reino Unido: Cheam, em Londres, e Gordonstoun, em Elgin, na Escócia.
Mais tarde, passaria um ano na Geelong Grammar School, em Victoria, na Austrália, e acabaria por se formar em Artes, pela Universidade de Cambridge, e servir vários anos na Força Aérea e na Marinha britânica, de 1971 a 1976.
Em 1981, casou-se com Diana Frances Spencer, com quem teve dois filhos: William, o atual príncipe de Gales, e Henry, conhecido como Harry, atualmente afastado dos deveres reais por opção própria, com o título nobiliárquico Duque de Sussex e a viver na Califórnia, nos Estados Unidos (EUA).
Em 1996, o casal divorciou-se após casos extraconjugais bastante divulgados por ambas as partes, e Diana acabaria por morrer como resultado de um acidente de viação em Paris no ano seguinte.
Em 2005, Carlos casou-se com a sua companheira de longa data Camilla Parker Bowles, a atual Rainha do Reino Unido.
Ao contrário da mãe, Carlos III teve oportunidade ao longo do seu percurso de levar a cabo uma vida pública, dando opinião sobre inúmeros assuntos, nomeadamente aqueles que mais o apaixonavam. Foi um dos primeiros ativistas ambientais do nosso tempo, falando sobre o ambiente desde os anos 70, quando fez o seu primeiro discurso sobre o tema e alertou sobre os efeitos perigosos da poluição causada pelos plásticos. Este momento foi recordado no canal de Youtube da família nos 50 anos deste mesmo discurso.
A defesa do ambiente marcaria imensamente toda a vida do herdeiro ao trono, sendo por vezes considerado um ’meddling monarch' ('monarca intrometido', em tradução livre), tendo em conta os seus comentários sobre as alterações políticas necessárias para reverter a situação climática, e inclusivamente conversas privadas com governantes sobre o tema.
No seu primeiro discurso como Rei, afirmou uma clara mudança de paradigma: “É claro que a minha vida mudará à medida que eu assumir as minhas novas responsabilidades. Não será mais possível dedicar tanto do meu tempo e energia às instituições de caridade e às questões pelas quais me preocupo tão profundamente".
Como elogio à sua paixão pelo clima, nos dias que se seguiram à sua ascensão ao trono a revista internacional Forbes propunha que marcasse o mundo como "A Climate Monarch" ("O Rei do clima", em tradução livre), algo que referiam como sendo uma necessidade "bem-vinda" nos dias de hoje.
No ano passado, na cimeira COP 26 de Glasgow, onde proferiu o discurso de abertura, Carlos (então príncipe de Gales) observou que “a pandemia da COVID-19 mostrou-nos quão devastadora pode ser uma ameaça transfronteiriça global. As alterações climáticas e a perda de biodiversidade não são diferentes. Na verdade, elas representam uma ameaça existencial ainda maior, na medida em que temos de nos colocar no que pode ser chamado uma situação de guerra”.
Além do ambiente, o novo Rei do Reino Unido é ainda um apaixonado pela arquitetura, em especial no que diz respeito à conservação de edifícios históricos e a técnicas tradicionais de construção.
Dois dos locais onde teve a oportunidade de explorar estas facetas, a paixão pelo ambiente e arquitetura, foram as suas residências privadas, em Highgrove, em Gloucestershire, e na Dumfries House, em East Ayrshire, na Escócia, um palácio degradado que comprou para alojar uma das suas fundações, a Prince's Foundation. Esta última é uma organização criada pelo próprio, em 1986, e oferece programas de educação e formação inovadores e inspiradores para todas as idades e origens, desde artes tradicionais e competências artesanais, até arquitetura e design, ciência, engenharia, horticultura, bem-estar e hospitalidade.
Já Highgrove é uma residência privada, ainda hoje utilizada pelo monarca, que o próprio renovou em 1987, como casa de férias para a sua família. No local, cultivou um jardim aberto ao público, bem como uma quinta totalmente orgânica, que já foi protagonista de inúmeros documentários televisivos e onde se destacam os métodos inovadores e amigos do ambiente utilizados nas diversas atividades agrícolas.
Segundo o Rei, citado no site dos jardins de Highgrove, hoje em dia uma atração turística aberta entre abril e outubro, estes foram criados para “agradar aos olhos e estar em harmonia com a natureza”.
Além destas causas, o atual Rei é conhecido por apoiar a homeopatia e em 2019, segundo a revista Tatler, foi criticado por se tornar patrono de uma organização dedicada a promovê-la. A Faculdade de Homeopatia descreveu o seu patrocínio como uma “enorme honra”, sendo que o comité de ciência e tecnologia da Câmara dos Comuns descartou a prática da terapia alternativa como “cientificamente implausível”.
Além destas paixões, talvez o feito que mais o orgulhe seja a criação da instituição de caridade Prince's Trust, que tem sido um marco na cultura britânica desde a sua criação, em 1976, e já ajudou mais de um milhão de jovens desfavorecidos a encontrar uma vocação.
A instituição apoia jovens entre os 11 e os 30 anos a desenvolver habilitações essenciais para a vida, a preparar-se para o trabalho e a ter acesso a oportunidades de emprego. Segundo o site da organização, três em cada quatro jovens apoiados conseguiu ingressar em formações superiores, ser formador ou arranjar ocupação profissional, quer seja por conta de outrem ou num negócio próprio. Aqui são contadas algumas das histórias de sucesso da instituição.
Recorde-se que, além de Rei do Reino Unido, Carlos é ainda monarca de mais 14 Estados soberanos e independentes, como o Canadá, a Austrália ou a Nova Zelândia. É também o líder da Commonwealth, uma organização intergovernamental composta por 56 países independentes, na sua maioria antigas colónias britânicas.
Quais as dificuldades do primeiro ano e que perspetivas para o futuro?
Se inicialmente se pensou que o fantasma da morte da princesa Diana iria assombrar a coroação, os familiares do Rei fizeram questão de encher a imprensa intencional de histórias que marcaram este último ano.
Um dos seus irmãos mais novos, o príncipe Andrew, foi forçado a deixar todos os cargos oficiais devido à sua amizade com o falecido Jeffrey Epstein, um criminoso sexual condenado, e devido a uma alegação de abuso sexual relacionada, que nega até hoje. Nos últimos meses, o fantasma do príncipe afastado tem surgido várias vezes, nomeadamente em aparições públicas nos diferentes momentos da coroação, como este verão em Balmoral, acompanhado do príncipe de Gales. De acordo com a agência Reuters, o também conhecido como Duque de York estará interessado em regressar aos deveres reais.
Existe ainda a sempre presente rivalidade familiar com o filho mais novo do monarca, o príncipe Harry, e a sua mulher americana, Meghan Markle.
Nos meses que se seguiram à morte da Rainha, o casal protagonizou uma série documental na Netflix (Harry & Meghan), em que expunham os seus problemas com a família, inclusivamente algumas histórias intímas.
"Do namoro até a saída da vida real, Harry e Meghan partilham a sua complexa jornada nas suas próprias palavras nesta série documental", refere a plataforma na sinopse do decumentário.
Seguiu-se o livro de memórias de Harry, 'Spare', que vendeu mais de 1,43 milhões de cópias nos diversos formatos nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, incluindo pré-encomendas, segundo a editora. Este número traduziu-se no recorde de vendas no primeiro dia de qualquer livro de não-ficção publicado pela Penguin Random House, a maior editora do mundo, segundo o New York Times.
Vieram depois as entrevistas na televisão, nas quais o príncipe lançou vários ataques à sua família, nomeadamente ao pai e ao irmão, bem como aos trabalhadores do Palácio de Buckingham, acusando-os de conluio em reportagens negativas nos media britânicos, entre outras acusações.
Entretanto, vieram a público vários processos de Harry contra a imprensa britânica nos tribunais, mantendo este assunto sempre na esfera mediática.
No que diz respeito ao entusiasmo do povo pelo novo monarca, embora enormes multidões entusiasmadas tenham estado presentes nos seus eventos oficiais, o mesmo aconteceu com os republicanos, que aproveitaram vários eventos para protestar contra a monarquia e atirar ovos ao novo Rei.
Vários membros do grupo republicano 'Republic' foram detidos antes da coroação, o que não só levantou preocupações sobre as liberdades básicas no país, mas também reforçou a sua visibilidade, tendo este grupo já um protesto planeado na abertura oficial do parlamento em novembro deste ano, segundo a Reuters.
Entretanto, sondagens recentes sugerem que a popularidade de Carlos III está em crescimento, tendo regressado aos níveis registados após a sua ascensão ao trono, ainda assim abaixo dos da mãe. Uma sondagem do YouGov, divulgada esta semana, concluiu que 60% dos entrevistados têm uma visão favorável do Rei, contrastando com 32% que têm uma visão negativa.
Há, no entanto, uma divisão geracional, com os jovens menos preocupados em geral com a família real. Ao todo, seis em cada 10 pessoas querem manter a monarquia, e pouco mais de um quarto quer um chefe de Estado eleito. Contudo, apenas 37% das pessoas com idades entre os 18 e os 24 anos pretendem manter este sistema.
É ainda interessante constatar que no primeiro ano de reinado, o novo Rei trabalhou mais dias do que a sua mãe no mesmo período.
Segundo o jornal britânco The Telegraph, nos primeiros 12 meses como Rei, Carlos acumulou um total de 161 dias de trabalho, durante os quais assumiu compromissos oficiais, o que representa mais quatro dias quando comparado com o total de Isabel II durante o seu primeiro ano no trono.
Além disso, desde que se tornou Rei em setembro do ano passado, viajou também pelos quatro países que constituem o Reino Unido e participou em dezenas de eventos oficiais.
A antiga Rainha quase se igualou a Carlos, tendo assumido 157 dias de compromissos nos seus primeiros 12 meses após a ascenção ao trono, embora tivesse uma carga de trabalho mais leve e menos visitas.
Num outro contraste, Carlos fez duas viagens ao estrangeiro desde que se tornou Rei: uma visita de Estado à Alemanha, em março deste ano, e uma visita privada à Roménia, em junho deste ano.
Tanto Jorge VI (avô de Carlos III) como a sua filha, Isabel II, passaram o seu primeiro ano como monarcas no Reino Unido sem compromissos oficiais no estrangeiro – embora esta última, então ainda princesa, estivesse no Quénia quando se tornou Rainha a 6 de fevereiro de 1952.
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