A primeira edição do Big Brother em Portugal começou em setembro de 2000 e estendeu-se até à noite de passagem de ano. Na "casa mais vigiada do país" estiveram 14 concorrentes sob o escrutínio de uma nação durante 120 dias seguidos. Cada movimento, cada discussão, cada trica que acontecia n"'A Casa" dava azo a conversa de café ou discussão no sofá de casa com a família. Hoje parece uma realidade distante, mas na altura foi um formato que arrebatou a curiosidade até daqueles que atualmente optam por ignorar por completo a "cultura da partilha", onde cada passo é comunicado com o resto do mundo.

Não existiam redes socais como as conhecemos hoje (o Hi5, Fotolog e afins só vieram depois), a velocidade de Internet não era nada do que se assemelha à realidade de 2020 e a difusão de pirataria também era ligeiramente mais complicada. E ninguém estava muito bem preparado para o que aí vinha. Se a expressão reality show faz parte do nosso glossário atual, ao viral do milénio, tudo o que dela advém não passava de uma miragem.

O Big Brother original nasceu nos Países Baixos — vamos lá fazer a vontade ao Governo holandês que assim quer que se designe o país doravante — pelas mãos do magnata da indústria do entretenimento no país das tulipas, John de Mol Jr. — que já figurou a lista da Forbes como um dos homens mais ricos do mundo, muito por culpa da Endemol, a produtora de programas que fundou e que, para além do Big Brother, criou produtos televisivos o como o The Voice.

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O nome do reality show — e todo o conceito, na verdade — vem do livro de George Orwell, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, ou mais commumente conhecido simplesmente por "1984". Escrito em 1948 e publicado no ano seguinte, o romance de Eric Arthur Blair (Orwell era o seu pseudónimo) descreve um futuro distópico, num local chamado Oceânia, um super Estado no qual o "Partido" lidera um país totalitário sob o olhar inquisidor do "Big Brother" [Grande Irmão]. O passado é reescrito, a história recontada e não há qualquer pensamento crítico.

1984 de George Orwell
créditos: 2017 Getty Images

Ora, no concurso (original), o formato é simples: os participantes vivem em conjunto numa casa isolada "do resto do mundo". Não têm acesso a qualquer informação do exterior e estão a ser "vigiados" por câmaras e "escutados" por microfones 24 horas por dia. No entanto, estar na casa mais vigiada do país não é estar de férias; é que o "Grande Irmão" está atento a qualquer movimento. Além disso, há tarefas e "ordens" que têm de ser desempenhadas a mando de uma voz que ecoa nas colunas espalhadas pela casa. O concorrente, se não o fizer, terá problemas. Porque pode ficar nomeado ou ficar na lista negra de outro membro da "família BB" e a coisa pode dar para torto. E isso ninguém quer.

As nomeações criam tensões ao longo do tempo e alimentam as idas ao "Confessionário", uma sala onde individualmente os concorrentes vão expor os seus males enquanto olham diretamente para uma câmara. Durante a competição, os moradores da casa vão a votação (por norma todas as semanas) e estão à mercê do público até sobrar apenas um — e aquele que ganha o prémio chorudo no fim (na altura o equivalente a 20 mil contos, atualmente 100 mil euros). Muito sumariamente, o Big Brother, o original, foi isto. Desconhecidos numa casa, sem informação do exterior, sem saber como reagir. Parte da "magia" e do interesse gerado pelo programa partiu desse facto: de assistirmos à vida em clausura de pessoas comuns que não sabiam muito bem o que lá andavam a fazer e, nalguns casos, com rasgos de personalidade com que nos identificávamos.

Em Portugal, o sucesso foi imediato. No entanto, o fenómeno é realmente global. A fazer jus à informação do Wikipedia, até setembro de 2019, existiram 448 (!) temporadas em 54 países e regiões deste programa que, na maioria das nações, é conhecido simplesmente por "BB". (Em Espanha, porém, a coisa é diferente e é tradução direta para castelhano; isto é, vamos esquecer o o BB e dar lugar ao GH, de "Gran Hermano").

Dizer "não" ao fenómeno original

No site da TVI, a estação de Queluz de Baixo recorda que o "Big Brother mudou a história da televisão no mundo". De facto é inegável a sua influência e em Portugal foi um verdadeiro terramoto. É de recordar que o programa não foi "oferecido" ao antigo "Canal Quatro", aliás, bastou um "não" para abalar o todo o espectro televisivo.

Nos anos 90, a dona e rainha das audiências era a SIC, que tinha terminado com a hegemonia da RTP. E, ao virar do milénio, as coisas pareciam que se iriam manter assim — até o então director-geral do canal de Carnaxide, Emílio Rangel, "dispensar" o "Big Brother".

Na altura, a SIC rondava os 50 por cento de share em Portugal, ou seja, reunia metade dos espetadores portugueses. E a produtora holandesa Endemol, que no passado tinha fornecido outros programas bem conhecidos que tinham ajudado a estação líder a chegar ao estatuto que ocupava ("Chuva de Estrelas", "Perdoa-me" ou "All You Need Is Love"), propôs o formato do polémico concurso (no estrangeiro). Rangel não quis, mas José Eduardo Moniz, então diretor da TVI, não se fez de rogado. Resultado? O ano de 2001 foi o pior que a SIC viveu desde 1993, perdendo praticamente toda a vantagem que tinha em termos de audiências. Mas, se é um facto que o Big Brother ajudou a TVI a destronar a SIC, esta não ficou impávida a ver o fenómeno crescer em Queluz e não se ficou atrás neste tipo de conteúdos.

Se hoje há quem abane a cabeça quando a Netflix oferece aos seus subscritores séries como "Too Hot To Handle" ou "Love is Blind", a realidade é que este tipo de formato já vem de outras Eras. É que a resposta da SIC ao Big Brother veio ao jeito dos programas "Confiança Cega", "Acorrentados" e "O Bar da TV". A diferença parece estar na geração que é público alvo e na qualidade de produção. Se os últimos programas não chegaram ao coração dos portugueses (e as audiências da SIC não foram famosas), já os exemplos da plataforma de streaming parecem ter lugar cativo do TOP 10 dos programas mais vistos.

Mas nem tudo foram rosas para o Big Brother. O programa foi alvo de inúmeras críticas. Psicólogos, comentadores, jornalistas —  o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas chegou mesmo a marcar um debate com o tema Big Brother: Onde está a notícia? — e outros que tais. Mas as audiências falavam por si. Na altura, José Eduardo Moniz, o diretor da TVI, quando questionado sobre as críticas ao programa, citando o arquivo da agência Lusa, afirmou que não eram para ele "um pesadelo". "A televisão é a coisa mais democrática do mundo: quem não quer ver pode mudar de canal", rematou.

Porém, a verdade é que nem tudo dura para sempre. Talvez o amor de Romeu e Julieta, mas não o interesse por parte do público para consumir vários "Big Brothers" seguidos. O primeiro foi um mega sucesso, mas a segunda vaga de concorrentes entrou pela casa adentro dos portugueses meras três semanas depois da primeira edição terminar. 120 dias depois, o Big Brother 2 acabaria em maio de 2001; contudo, o Big Brother 3 começou logo em setembro seguinte e terminou na passagem de ano (à semelhança da primeira edição). Ou seja, as três primeiras edições seguiram em catadupa. Dizer que ninguém se lembra dos concorrentes das duas edições que se seguiram é exagero, mas não se foge à verdade se se disser que os concorrentes estiveram longe de ter a popularidade dos pioneiros.

Após os Big Brother ditos "normais", surgiram ainda o Big Brother Famosos 1 e 2, sem conseguir o mesmo espaço no imaginário coletivo de todos nós. Depois disto, a TVI deixou o formato de lado durante uns anos até chegar um tal de Secret Story - Casa dos Segredos em 2010. Mas isso é outra história...

As estrelas da 1.ª edição e algumas histórias

Não havia BB2020 sem o Big Brother original. E este não existia (ou atingia as dimensões que atingiu) se não fosse pelos seus participantes. Teresa Guilherme estava ao leme, era o rosto, e estava escudada por um Pedro Miguel Ramos bem novinho. Já quanto à geolocalização da "casa mais vigiada do país", as coordenadas indicavam que esta se encontrava para os lados da Venda do Pinheiro. De resto, diga-se que a casa das primeiras edições não tinha grande luxo. Um sofá, um pequeno jardim com uma piscina e pouco mais.

Na primeira edição entraram 12 concorrentes: Célia, Marco, Maria João, Mário, Marta, Ricardo A. Ricardo V., Maria da Conceição (ou Riquita), Sónia, Susana, Telmo e Zé Maria. Porém, devido à ordem de saída dos concorrentes e do tempo que foram ficando na casa, o público foi criando mais afinidades com uns do que com outros. Os Ricardos e as Marias, por exemplo, não estão tanto na memória dos portugueses como estão os restantes. (Se quiser recordar e refrescar a memória, a TVI Reality já está a transmitir os episódios desta jornada gloriosa desde o dia 2 de março.)

Marco Borges foi um dos concorrentes em destaque e por vários motivos. Por um lado, por ter iniciado na casa uma relação com Marta Cardoso - permaneceram juntos vários anos e tiveram um filho - e de ter consumado esse amor em televisão, provocando o choque na nação de brandos costumes; por outro, este menos feliz, por ter dado um pontapé a Sónia — que abriu o noticiário da TVI e tudo —, outra das concorrentes no programa, facto que lhe valeu a expulsão da "casa mais vigiada do país". (Entrariam dois concorrentes para o seu lugar.) Ainda assim, foi devido à sua personalidade frontal, por dizer aquilo que lhe ia na alma, que soltou uma das frases mais conhecidas de toda a edição numa ida ao confessionário: "palhaços pá, que falam, falam, falam, mas não os vejo a fazer nada" — frase que serviu de inspiração a um dos mais conhecidos (e virais) sketches dos Gato Fedorento (e do humor nacional, já agora).

Marco acabou depois por ir para a China ensinar treinos de defesa, participou no programa Último a Sair da RTP (versão satírica do BB) e chegou a beber leite de cabra no Fear Factory. Durante algum tempo fez várias coisas que alimentaram a imprensa cor de rosa, mas há que destacar um facto que parece ter ficado esquecido: o ex-fuzileiro abraçou a música e lançou um single após ter sido expulso do programa — com bastante sucesso.

Quanto sucesso? O suficiente para ficar à frente de nomes como Lenny Kravitz ou U2. O tema rei das tabelas naquela altura pertencia ao duo francês Modjo, que ocupava a primeira posição com o single "Lady (Hear Me Tonight)". Assim, os dez singles mais vendidos em dezembro de 2000, em Portugal, segundo a compilação semanal da Associação Fonográfica Portuguesa (AFP), disponível no arquivo da agência Lusa, seguiam da seguinte forma: (entre parênteses está a posição na semana anterior à conquista do trono por parte de Marco Borges):

  • (-) "Encontrei", Marco.
  • (1) "Lady (Hear Me Tonight)", Modjo.
  • (2) "Again", Lenny Kravitz.
  • (5) "Shape Of My Heart", Backstreet Boys.
  • (3) "Beautiful Day", U2.
  • (4) "My Generation", Limp Bizkit.
  • (13) "It Feels So Good", Sonique.
  • (9) "By Your Side", Sade.
  • (11) "One More Time", Daft Punk.
  • (20) "Say It Isn't So", Bon Jovi.

O amor — ou cúpido — não atacou somente Marco e Marta. A relação do ex-paraquedista Telmo com a jovem (na altura tinha apenas 18 anos) Célia, também alimentou de ternura o programa. É certo que discutiam algumas vezes, mas quem nunca, não é? Contudo, a autenticidade dos provenientes — recorde-se que na primeira edição os participantes não faziam ideia daquilo que passava ou deixava de passar cá para fora — deixou algumas pessoas indignadas, nomeadamente devido à  "linguagem obscena", como é possível atestar pelas notícias da altura que indicavam que as queixas chegavam à Alta Autoridade para a Comunicação Social. A amiúde houve ainda espaço para a entrada da cadelinha Big.

Há quase duas décadas, o primeiro vencedor foi Zé Maria, de Barrancos, levando para casa o prémio de 20 mil contos (100 mil euros). Além de passar muito tempo a alimentar as galinhas que conviviam com os concorrentes na casa, andava numa relação platónica com outra concorrente, Susana, conhecida por "Cabeça Amarela", visto que — surpreenda-se —, era loira. Teresa Guilherme bem que insistia, bem que perguntava, mas nunca aconteceu nada, só "amor de irmãos".

O BB2020 que virou BB Zoom durante uma pandemia

Volvidos 20 anos, a TVI regressa ao programa, mas, segundo o seu site, "de forma histórica, inovadora e surpreendente". Como assim? "Com a inocência do primeiro dia, e a essência dos dias de hoje", conta. Para tal, houve mexida no mercado de transferências televisivo: o apresentador Cláudio Ramos, de 46 anos, trocou as manhãs da SIC e a companhia de Cristina Ferreira e mudou-se de malas e bagagens para a TVI, a fim de "mudar o rumo" da sua história. Teresa Guilherme apresentou todos os Big Brother, mas o apresentador é o novo rosto do programa.

Mas Cláudio Ramos não vai estar sozinho: vai contar com a ajuda de Maria Botelho Moniz (começou como atriz, mas agora tem ganho tração enquanto apresentadora), Mafalda Castro (fazia o segmento Reporter X no The Voice Portugal e participou na série It Girls da MTV Portugal, para além de ser uma das animadoras das manhãs da Mega Hits) e Ana Garcia Martins (autora do conhecido blog "A Pipoca Mais Doce"). Esta parece ser a equipa — ou parte dela, pelo menos — que vai acompanhar os portugueses na "casa onde todos vão querer estar, assim que o BB2020 estrear", segundo o apresentador.

Antes da pandemia de covid-19, na rede social Instagram oficial do programa, a produtora fez saber que "nada vai passar despercebido aos olhos do Big Brother" e que aquela que será novamente a "casa mais vigiada do país": terá "56 câmaras que vão registar tudo o que lá acontece 24h por dia". Nuno Santos, diretor da TVI, é da opinião de que será "o programa mais marcante do ano" e acredita que este é o momento certo de arrancar com a nova edição — uma que ficará para a história e que terá "duas faces".

Através de um comunicado no site da TVI é possível perceber melhor o que quis dizer Nuno Santos. Ou seja, antes do BB2020 propriamente dito, haverá a versão "BB Zoom" — que terá uma dinâmica diferente e em que os concorrentes vão cumprir um período de quarentena de 14 dias de isolamento e só depois é que vão para a "casa mais tecnológica de sempre".

"Nessas duas semanas, os participantes estarão limitados a um apartamento que estará vigiado por câmaras para que todos os que estão a assistir comecem a conhecê-los. A diferença do formato para o anterior é o contacto físico, ou seja, não haverá interação. Toda e qualquer comunicação só poderá ser feita com o apresentador de serviço, Cláudio Ramos", explica a TVI. Portanto, algo muito semelhante ao programa "The Circle", da Netflix.

Segundo o site Holofote, haverá três galas antes do arranque propriamente dito na nova edição. A primeira, já a 28 de abril, em que "Cláudio Ramos vai apresentar aos portugueses os concorrentes". A segunda, a 3 de maio, onde os "concorrentes terão conversas entre si, moderadas pelo apresentador e serão realizadas as primeiras nomeações". Por fim, a terceira, a 10 de maio, onde será dado o arranque "oficial" da segunda fase da competição — e aquela onde os concorrentes "serão submetidos ao derradeiro teste de despiste à covid-19 e caso dê negativo" é que poderão entrar na casa.

A casa na Venda do Pinheiro parece já ter cumprido o seu propósito, pelo que os novos concorrentes vão estar instalados numa nova residência, junto ao mar, na Ericeira. Segundo consta, trata-se de uma casa inteligente e ultra moderna como a de Tony Stark, no filme "Homem-de-Ferro". Resta saber se há um mordomo virtual tão perspicaz quanto Jarvis.

Há 20 anos o fenómeno de audiências trouxe a linha "palhaços pá, que falam, falam, falam, mas não os vejo a fazer nada" para jargão comum — ou terão sido os Gato Fedorento? — e apanhou o mundo de surpresa. Agora, sobra a questão: como será recebido o novo Big Brother? Será diferente de uma casa de youtubers? Terá a mesma popularidade do que o original? Fará sentido, sequer, numa altura em que o mundo está ligado 24 horas por dia? Depois de tantas versões (BB1, BB2, BB Famosos, BB Famosos 2, etc), será que vai ter o mesmo fado que CSI: Cyber — que depois das versões Nova Iorque e Miami metade das pessoas nem sequer sabe que existe? Ou será algo mais na linha do sucesso de "Revenge of the 90's", qual fénix da cultura pop do início do milénio?

É aguardar pela "super gala" que acontece a 28 de abril e ver o que acontece: se há Big Brother: Cyber ou se há Big Brother: Phoenix.

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