“Ferreira de Castro, uma biografia” é da autoria de Ricardo António Alves, estudioso de Ferreira de Castro, que há anos se dedica à obra e vida do autor de “A Selva” e que, neste primeiro volume, desvela os primeiros 21 anos daquele que se tornaria um precursor do neorrealismo e um anarcossindicalista.
A obra é uma edição do Centro de Estudos Ferreira de Castro (CEFC) e será apresentado no sábado, na Biblioteca Municipal de Oliveira de Azeméis.
“Será a primeira biografia completa de Ferreira de Castro, uma vez que nas anteriores, como a de Jaime Brasil, saída em 1961, era Ferreira de Castro ainda vivo”, disse à Lusa Carlos Oliveira Castro, presidente do CEFC.
De acordo com o responsável, este primeiro volume, de 288 páginas, cobre os primeiros 21 anos da vida de Ferreira de Castro (1898-1974), desde a sua infância na freguesia de Ossela (até 1911) até uma “tumultuosa estada de seis meses no Rio de Janeiro, antes do regresso a Portugal, em 1919”.
Pelo meio, é relatada a sua emigração solitária para o Brasil aos 12 anos, o fim da infância e a adolescência a trabalhar num seringal da Amazónia (1911-1914), a entrada na idade adulta e o despontar da escrita, no jornalismo e na literatura, em Belém do Pará, onde publicou os dois primeiros livros.
Da sua experiência de quatro anos a trabalhar no seringal Paraíso, em plena floresta amazónica, Ferreira de Castro extraiu o tema para aquela que ficaria conhecida como a sua obra mais emblemática, “A Selva” (1930).
Este romance foi adaptado ao cinema em 2003 pelo realizador Leonel Vieira, numa das mais caras produções da cinematografia portuguesa da altura.
O segundo volume da biografia, que se prevê ser publicado no final de 2025, cobre o período que vai desde o regresso a Portugal até à publicação de “Emigrantes” (1928), “livro que desbloqueia então o romance português”, considerou Carlos Oliveira Castro.
“O volume III irá desde a publicação de ‘A Selva’ (1930), até à edição comemorativa dos 25 anos do romance, com as ilustrações de Portinari; o IV volume terminará em 1975, um ano após a sua morte, com a trasladação dos restos mortais para a Serra de Sintra”, acrescentou.
O presidente do CEFC lembra que Ferreira de Castro “não apenas renovou o romance português, até aí num beco sem saída, com ‘Emigrantes’ e ‘A Selva’, como se constituiu como um dos mais importantes escritores portugueses da primeira metade do século XX”, com outros romances marcantes, como “Eternidade” (1933), “Terra Fria” (1934) ou “A Lã e a Neve” (1947).
“A sua originalidade e uma escrita com forte poder evocativo fizeram dele, durante décadas, o escritor mais traduzido de Portugal, tendo sido proposto por duas vezes ao prémio Nobel de Literatura”, destacou o responsável.
A publicação desta biografia surge agora como o cumprimento de uma ambição já antiga do CEFC, que desde o início da sua fundação, em 2001, pretendia publicar uma biografia completa de Ferreira de Castro, agora materializada através de Ricardo António Alves, diretor do periódico Castriana – Estudos sobre Ferreira de Castro e a sua Geração, e de vários artigos e livros, entre os quais “100 Cartas a Ferreira de Castro” (1992), “Anarquismo e Neo-Realismo ─ Ferreira de Castro nas Encruzilhadas do Século” (2002) e “Viajar com Ferreira de Castro” (2004).
Segundo Carlos Oliveira Castro, esta biografia “reúne informação e iconografia inédita e dispersa sobre esse período, recuperando, atualizando ou corrigindo o que autores coevos escreveram” sobre Ferreira de Castro.
De Jaime Brasil a Alexandre Cabral, passando por Judite Navarro, Alberto Moreira e Álvaro Salema, bem como autores contemporâneos, como o investigador francês Bernard Emery, “autor da monumental tese de doutoramento (1.196 páginas) ‘José Maria Ferreira de Castro et le Brésil’” (1981), esta nova biografia passa tudo em revista, “num trabalho que tem também uma marca autoral própria”, destacou.
No seu regresso a Portugal, aos 21 anos, Ferreira de Castro passou dificuldades e demorou algum tempo até que o seu trabalho fosse reconhecido, tendo publicado em 1922 “Carne Faminta” e em 1923 “O Êxito Fácil”, obras que o notabilizaram.
Como jornalista, trabalhou no jornal O Século e A Batalha, dirigiu o jornal O Diabo e colaborou com as revistas O Domingo Ilustrado, Renovação e Ilustração.
Enquanto jornalista de O Século, assinou crónicas que se destacaram, como o relato do dia em que se deixou prender no Limoeiro para testemunhar a vida dos reclusos nas cadeias portuguesas ou a entrevista exclusiva feita em 1930 em Dublin a Eamon de Valera, líder republicano irlandês.
No entanto, em 1934, abandonaria o jornalismo, por causa da censura prévia do período de ditadura que se instalou em Portugal.
Ferreira de Castro casou-se em 1927 com a escritora Diana de Liz, defensora da emancipação feminina, de quem enviuvou três anos depois, voltando a casar-se em 1938 com a pintora espanhola Eleana Muriel, de quem teve uma filha e com quem viveu até ao fim da vida.
Contudo, o escritor manteve, entre 1930 e 1973 (um ano antes da sua morte) uma relação de amizade amorosa com a escritora e jornalista Maria Lamas, que ficou registada em inúmeras cartas, postais e telegramas.
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