“Morro da Pena Ventosa” é publicado dois anos depois da sua estreia literária, "Baiôa sem data para morrer", o que se deve ao facto de ser “muito disciplinado”, apesar de se considerar “um escritor de fim de semana”.

“Este é um livro em grande medida sobre a imaginação, sobre a fantasia, e como estas conseguem ser formas de defesa do ser humano contra as agruras da vida”, realçou o escritor, referindo que “esta foi uma das ideias iniciais e iniciáticas do livro - ser capaz de explorar a ideia de que a solução para os problemas ou a forma de lidar com eles pode estar dentro de nós".

“Morro da Pena Ventosa” é apresentado na próxima terça-feira, às 18:30, no jardim do Solar dos Presuntos, em Lisboa, pelo escritor Miguel Esteves Cardoso, com moderação da jornalista Conceição Lino, e leitura de excertos da obra pela escritora Sofia Fraga. A cantora Dela Marmy encerra a sessão.

“O livro faz do Porto, mais que um cenário, quase uma espécie de personagem coletiva”, o que se vai ver no final, que o autor garante ser “surpreendente”, “porque é a própria cidade em conjunto que encontra a solução para um trágico problema social”.

Esta era uma questão que a Rui Couceiro lhe interessava "muito abordar", “perceber de que maneira o Porto, que foi sempre, historicamente, uma cidade inviolável, invicta, uma cidade fechada sobre si própria, de repente se transforma numa cidade aberta aos que vêm de fora, aos turistas, ao processo de gentrificação”.

Por outro lado, prosseguiu, “em que medida é que ela própria consegue, ainda hoje, lidar com as tais tragédias, como foi fazendo ao longo da sua história”, como quando, em agosto de 1832, o futuro rei Pedro IV e as suas tropas liberais a protegeram do avanço dos apoiantes absolutistas do infante Miguel.

Ao longo da narrativa, a cidade do Porto agiganta-se e torna-se ela própria uma personagem, reconheceu o autor. “E é isso que depois se encontra no final [do romance], porque há uma movimentação coletiva. O Porto foi sempre isso, foi sempre uma cidade, como diz a Agustina [Bessa-Luís], de alma funda e profética, e essa alma funda e profética alicerçada - no dizer de Eugénio de Andrade, o Porto é um lugar de sólidas convicções forjadas ao longo de séculos, e isso percebe-se - queria que fosse um dos elementos centrais do livro, não só o pano de fundo, mas também quase que a força motriz do livro”.

Couceiro afirmou que o romance tem duas dimensões, expressas através da dimensão pessoal da protagonista, "que vive ela própria uma tragédia", e da tragédia social que atravessa a cidade.

Ela "é uma guia turística que muito rapidamente se apercebe que a circunstância que lhe dá o pão, ou seja o turismo, também lhe está a roubar a vida tal qual ela a conhecia, pois obriga-a a sair do barro típico onde mora, o bairro da Sé, pela pressão imobiliária e turística. Portanto é a mesma circunstância que a alimenta e que lhe bate”.

A par deste drama pessoal, "acontece uma tragédia social, coletiva, à qual tem de ser a própria cidade a dar uma resposta”.

A trama envolve "uma série de assuntos” que interessam a Rui Couceiro abordar, desde logo a gentrificação, “as alterações climáticas [que] têm um peso muito grande neste livro”, além de “temas clássicos de sempre, como a perda e o amor”, que são “os dois temas que mais ocupam esta história”.

Retomando a ideia de que a imaginação e a fantasia conseguem ser formas de defesa do ser humano”, Couceiro disse: “O problema pessoal da protagonista tem na imaginação uma forma de resposta, o problema coletivo tem na união de toda a cidade a resposta coletiva”.

Rui Couceiro assume-se como “um escritor de fim de semana”, já que o seu dia-a-dia é "trabalhar nos livros dos outros”, referindo-se às suas funções como editor da Bertrand, tendo a seu cargo a chancela Contraponto.

“Durante a semana, todas as ocorrências anoto-as no telemóvel. Também tenho uns bloquinhos, e escrevo longas horas aos fins de semana, organizando o material que recolhi durante a semana, ou em alguns feriados e às vezes à noite", apesar do cansaço. Gosta de escrever de manhã cedo, contou.

O autor referiu que às vezes está num consultório médico e escreve parágrafos ou até partes de capítulos, mas realçou que “é muito constante no trabalho [literário], na dedicação”.

“A questão é que eu estou sempre a ter ideias, surgem-me ideias em quaisquer circunstâncias e eu tenho de as anotar logo”, disse, reconhecendo que uma das suas características é ser “muito disciplinado”.

O autor disse à agência Lusa que não sentiu qualquer angústia do segundo romance, depois da sua estreia literária com “Baiôa sem Data Para Morrer”, com o qual venceu, no ano passado, o Prémio Literário Manuel de Boaventura, tanto mais que iniciou a escrita deste novo livro, antes de acabar o anterior.

“Não senti nada aquela questão do segundo romance, a pressão de que falam, não senti nada disso. E terminada a fase da promoção do primeiro romance, eu queria simplesmente escrever e contar esta história, utilizando o mesmo critério que utilizei no primeiro livro, que foi o seguinte: eu quis fazer um livro para me agradar a mim, enquanto leitor, foi esse o único critério de qualidade, se assim puder dizer”.

“Como fui bem sucedido no primeiro livro apliquei-o neste segundo, o ‘Morro da Pena Ventosa’, e acho que funcionou”.

A narração desta história está entregue a uma voz feminina, um risco que o autor disse querer correr, acrescentando: “Eu tenho muito interesse, no futuro, em não estar a fazer sempre a mesma coisa, quero fazer coisas diferentes e gosto da sensação de me perigar e de me sentir fora de pé. Não quero nadar numa piscina baixinha, quero nadar na 'piscina dos grandes', na piscina funda, e foi isso que tentei fazer, em certa medida neste livro, e quero fazer mais ainda no próximo”, já em andamento e que será “muito mais exigente” para si, como disse à Lusa.

O escritor já iniciou “os trabalhos" do seu próximo título, que será o terceiro da sua ainda curta carreira literária.

“Tenho muitas anotações, algumas no telemóvel, tenho excertos de capítulos ou passagens já escritos, mas ainda não o estou a escrever a sério”, adiantou à Lusa, referindo que, para já, quer fazer uma pausa, que será importante para o seu amadurecimento.

“Mas é difícil resistir, estou sempre a ter ideias, estão sempre a surgir-me as vozes das personagens, e pequenos episódios dentro da história. Vamos lá ver até quando consigo resistir”, concluiu, entre sorrisos.

*Por Nuno Lopes, da agência Lusa