Partimos à descoberta do distrito de Braga com a certeza de que não queríamos deixar «p’ra amanhã» — como cantava António Variações, natural de Amares —, este encontro com o berço de Portugal. A cidade que dá nome ao distrito, é apresentada pela voz rouca e embargada de Rita Colaço, 80 anos, que quando veio de África, aí se fixou, onde vive há mais de 40 anos. Quando vamos caminhando as duas de braço dado ao telefone, tudo respira poesia e história. É uma verdadeira contadora de histórias. Sentimos que as tradições dos lenços dos namorados de noivas prometidas que suspiravam a intimidade em poemas, não poderiam ter nascido noutro local. O distrito foi “casa” de um dos escritores do século XVI mais lido depois de Luís de Camões, Sá de Miranda, e percebemos o encanto do poema «O Sol é grande, caem co'a calma as aves». A cada curva, a cada município que palmilhamos, há mais algum poema, mais alguma lenda, mais algum sonho por contar.
Para Rita «é fundamental visitar Braga, Bracara Augusta na Roma Antiga, em homenagem ao imperador romano Augusto, sendo a cidade mais antiga de Portugal». Com mais de 2.000 anos de história comprovada por exemplo pela Fonte do Ídolo, são os mais novos e o espírito jovem, os “ídolos” que convivem nesta «aldeia grande», que distingue a capital de distrito como «a cidade da juventude».
Já foi considerada a «Roma Portuguesa», pois em cada esquina, em cada praça, as igrejas marcam o passo. «Rondam as 25», refere a nossa guia, que palmilhou estes percursos, não só pela sua religiosidade, mas igualmente vaidosa pela cidade que a acolheu, diz que «a beleza dos trabalhos em mármore e de talha dourada e a arquitetura imponente não deixa indiferente os não religiosos». Desafio-a a destacar a que a encanta, exclama prontamente a Igreja do Hospital (São Marcos), «a sua imponência arquitetónica acompanhada pela acústica singular, não deixa dúvidas». Quando se fala de Braga, não se pode esquecer Carlos Amarante, o arquiteto responsável por muitas obras na cidade e pelo monumento nacional e declarado Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, o Bom Jesus de Braga. Situado numa moldura montanhosa, sobe-se ao santuário, através de um escadório com um desnível de 116 metros, carregado de um simbolismo virtuoso e onde se despertam os cinco sentidos que não dão apenas nome a alguns lances ou optamos como os senhores do XIX pelo funicular movido a água. Alcançado o objetivo, a nossa contadora refere que se avista a cidade de Braga expressa “por um canudo” e conseguimos sentir a arte de bem preservar. O património cultural é vasto, que semeia no espírito de quem visita, uma ponte de convívio entre o passado, presente e futuro, recordando José Eduardo Agualusa e o seu livro «O Lugar do Morto», que fala com várias personalidades já falecidas revelando as suas opiniões sobre temas do quotidiano.
«Pelos frutos se conhecem as árvores…», um dos provérbios preferidos de Alberto Brito. E é com esse propósito que viajamos até Guimarães, para compreender “onde nasce Portugal” e a importância definitiva da Batalha de São Mamede para a formação da nossa nacionalidade, travada na periferia da cidade a 24 de junho de 1128 entre D. Afonso Henriques contra as tropas do Conde galego Fernão Peres de Trava, que tentava dominar o governo do Condado Portucalense, apoiado pela mãe D. Teresa. Através do romance «Assim Nasceu Portugal», de Domingos Amaral entramos num filme destes anos turbulentos e sentimos que «Portugal começa como o fruto de uma promessa infantil.» Provavelmente, para a mãe e o filho, no lápis da contemporaneidade, a prosa de Patrícia Reis no livro «contracorpo» seria atual, «uma mãe nunca é o que se espera. Um filho é sempre uma surpresa». Surpresas, carregadas de lendas e de mistérios, que ficaram nos segredos das pedras, como no Castelo de Lanhoso, onde se murmura que D. Afonso Henriques terá aprisionado a sua mãe. Tricas, que teriam deleitado Gil Vicente, dramaturgo do distrito, que logo arranjaria maneira de tornar farsante a seriedade do momento como «a revolução da Maria da Fonte» no século XIX, sorri Rita.
Revela que Lanhoso é a terra da filigrana, onde a tradição familiar de ourives ainda permanece, «criando verdadeiros museus vivos desta arte delicada e ancestral», onde a freguesia de Travassos se destaca. Refere também que o ouro, também popularizou a zona de Esposende, «conhecida pela antiga colónia romana de extração do ouro». Além disso, a nossa guia recomenda «as suas praias magníficas, conhecidas pelo seu iodo, pelos seus passeios pedestres que não esquecem a história, desde os moinhos de vento da Apúlia, ao Lugar-das-pedrinhas, onde se encontram as casas-barco mais antigas do museu ocidental e ainda alguns castros».
Percebe-se que em cada município o passado não se encontra, vive-se, pelas marcas do tempo, até na personalidade, como a estátua “O Basto”, que simboliza o guerreiro lusitano, livre, lutador, honrado e corajoso. Os tempos da Lusitânia convivem com as terras senhoriais de Cabeceiras e Celorico de Basto aromatizadas pelo Vinho Verde, com região demarcada, que se individualiza pelo sabor e aroma únicos.
Nessa individualidade, no distrito de Braga «temos a liberdade ir», lembrando as palavras de Raquel Ochoa, e chegamos às Terras do Bouro, que acolhe o Parque Nacional da Peneda-Gerês, natureza no estado mais genuíno, onde a frase de Camilo Castelo Branco, que tem casa-museu da autoria de Álvaro Siza Vieira, situada em Vila Nova de Famalicão, ganha um especial sentido: «o silêncio é uma confissão». Um património natural onde se desfruta da natureza, como escreveu Miguel Torga, onde: «tudo se conjuga para que nada falte à sua grandeza e perfeição" (Diário VII). O deslumbramento da montanha remonta à Idade do Bronze e ao tempo dos Romanos, por isso a conjugação da história e da natureza é algo que se sente, vive e trilha. Sim, esta generosidade com profundas marcas rurais, Miguel Torga imortalizou no poema Nirvana, escrito no Gerês, no dia 1 de agosto de 1953:
«Paz nas montanhas, meu alívio certo.
O girassol do mundo, aberto,
E o coração a vê-lo, sossegado.
Fresco e purificado.
O ar que se respira.
Os acordes da lira
Audíveis no silêncio do cenário.
A bem-aventurança sem mentira:
Asas nos pés e o céu desnecessário.»
Explorar e admirar este paraíso pode passar pela rede de trilhos pedestres, designados “Na senda de Miguel Torga”, que envolve várias temáticas e vários níveis de dificuldade, para que ninguém fique de fora. O silêncio ou melhor, o som absoluto do cenário no seu estado mais original, pode levar miúdos e graúdos a “cientistar” o que os rodeia, como aproveitaria Ondjaki e o seu «Convidador de Pirilampos». Não faltam paisagens, não faltam motivos culturais, históricos, religiosos e termais.
Prezando a sua religiosidade, a nossa contadora de histórias aconselha a visita ao Santuário de Nossa Senhora da Abadia, situado na encosta da montanha, «local único e bonito», onde impera o esplendor de uma natureza florescente e um silêncio que pede o recato da oração, parece que «estamos sempre à conversa com deus. A solidão não existe.», acrescentaria Valter Hugo Mãe. A solenidade das celebrações marianas ganha ainda uma maior beleza dia 15 de agosto, onde se celebra a “Festa das Sete Senhoras” por estes mosteiros, refere Rita. Alguns mosteiros, como o Antigo Mosteiro de Santa Maria de Bouro, foram transformados em unidades hoteleiras e muitos não esquecem que este estado virgem vive e respira saúde e bem-estar, refletido na Estância Termal do Gerês ou como lembra a nossa guia, «as termas de Caldelas, um selo da região».
Vivemos a experiência onde os cinco sentidos são estimulados, não esquecendo a rica gastronomia, que passa a quem vive no distrito. Esta cidadã minhota recorda a receita das papas de serrabulho lembrando a «Teleculinária» do Chef Silva (natural do distrito) e o delicioso bacalhau à narcisa. Já diz a canção que «numa casa portuguesa fica bem», uma lembrança da capital de artesanato, o popular Galo de Barcelos, que como explica Rita «muitos não sabem a sua origem», conta-se que surge «quando um prisioneiro que dizia estar a ser condenado injustamente, referiu que o galo cozinhado, cantaria, se ele fosse inocente. E, o que aconteceu, foi que o galo cantou». A nossa poetisa fala também dos lenços dos namorados de Vila Verde, onde as noivas bordavam os seus poemas para os seus namorados que iam para a guerra, chegando a declamar, sublinhando os «erros de ortografia» propositadamente: «Primeiro deite os meus olhos, em doce contem-plação, entreguei-te a vida e com ela o curação».
E, é no coração da cidade de Braga que voltamos para viver a Feira do Livro, considerada um dos mais importantes certames do género em Portugal. Tendo habitualmente uma programação vigorosa, associada também ao Grande Prémio de Literatura DST, um dos mais destacados a nível nacional, sendo «uma marca de aproximação contínua com os bracarenses e um testemunho de revitalização da cidade, que procura melhorar e diversificar a programação», como sublinha Lídia Dias, vereadora da Cultura e da Educação da Câmara Municipal de Braga. A pandemia apenas mudou o meio de chegar ao público, este ano a Feira optou pelo formato digital. Nada foi deixado ao acaso neste evento, que decorrerá de 3 de julho até 3 de setembro, tendo a particularidade de extravasar as fronteiras da cidade e do distrito: «sendo virtual permitirá que mais pessoas possam aceder ao seu conteúdo onde quer que estejam e andarem pelo nosso centro histórico percorrendo os diferentes stands. O visitante será convidado a viajar pelas ruas da cidade de Braga e poderá selecionar o stand que pretende visitar. Ao fazê-lo, será enviado para a loja virtual da plataforma, onde pode escolher e comprar os artigos que pretende, sendo estes entregues depois em sua casa. Esta será a marca mais evidente de Braga». Também decorrerão diversas iniciativas editoriais, onde os autores, locais e não locais dinamizam ações culturais de proximidade.
A nossa contadora de histórias, Rita Colaço, lembra jocosamente que quem é de Braga nunca «fecha a porta» (expressão que deriva do arco de porta de entrada da cidade não ter porta). E confirma as palavras da vereadora da cultura: «É uma cidade que gosta de acolher quem a visita, celebrando a vida na comunhão entre as suas gentes e o seu património material e imaterial. Nós acrescentaríamos que o património do distrito é o acolhimento.
Ler à Portuguesa – Volta a Portugal em português | Com autores portugueses
Alice Vieira: Nasceu em 1943 em Lisboa é uma das mais importantes escritoras portuguesas para jovens, tendo sido distinguida com vários prémios, entre eles: o Prémio de Literatura Infantil Ano Internacional da Criança, com "Rosa, Minha Irmã Rosa", e o Grande Prémio Gulbenkian, pelo conjunto da sua obra. Alice Vieira.
Ana Maria Magalhães: Nasceu em 14 de abril de 1946, no seio de uma enorme família onde as crianças ocupavam o primeiro lugar, onde os contadores de histórias tinham espaço e tempo. Não admira, por isso, a sua vasta obra dedicada à literatura infantil.
Isabel Alçada: Nasceu em Lisboa a 29 de maio de 1950, tem uma vasta obra na área da literatura infantil, em conjunto com Ana Maria Magalhães. A sua casa da família era uma casa cheia e onde a figura do pai foi marcante como inventor de jogos, histórias e desafios.
Domingos Amaral: Nasceu em Lisboa, onde se formou em Economia, foi jornalista e é autor de vários livros, onde a tónica histórica nunca é esquecida.
Francisco de Sá de Miranda: Natural de Coimbra, morreu em Amares. Foi um poeta português, introdutor do soneto e é o escritor do século XVI mais lido depois de Camões.
Gil Vicente: É a maior figura maior do teatro português e ocupa um lugar de destaque na dramaturgia. A atividade dramatúrgica de Gil Vicente foi desenvolvida no âmbito da corte portuguesa, abrangendo os reinados de D. Manuel I e D. João III.
Isabel Stilwell: Jornalista e escritora, Isabel Stilwell é a autora de romances históricos mais lida em Portugal, começou com o bestseller "D. Filipa de Lencastre" e depois deste já se seguiram muitos outros. Para além das suas crónicas e romances, escreve também livros para crianças.
José Eduardo Agualusa: José Eduardo Agualusa nasceu na cidade do Huambo, em Angola, em dezembro de 1960. Estudou Agronomia e Silvicultura. Já viveu em Lisboa, Luanda, Rio de Janeiro, Berlim — e, atualmente, divide o seu tempo entre Lisboa e a Ilha de Moçambique. É romancista, contista, cronista e autor de literatura infantil. Os seus romances têm sido distinguidos com os mais prestigiados prémios nacionais e estrangeiros.
José Guimarães: É considerado um dos principais artistas plásticos portugueses de Arte Contemporânea, tendo uma vasta obra na pintura, escultura e outras atividades criativas, sendo um dos mais distintos e galardoados artistas plásticos Portugueses.
Laurinda Alves: Jornalista, autora e apresentadora de programas de televisão, foi distinguida com o Prémio do Clube dos Jornalistas pelo seu trabalho de investigação sobre a morte do general Humberto Delgado. Publicou os livros "XIS Ideias Para Pensar", "Um Dia Atrás do Outro" e "Ideias XIS". Em 2000, foi distinguida com o grau de Comendador da Ordem do Mérito pelo debate e defesa das questões educativas.
Manuela Gonzaga: Escritora e historiadora, tem uma relevância e marca no campo das biografias e na literatura juvenil. Também tem obra no romance, nos contos e no jornalismo.
Miguel Torga: Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, nasceu em S. Martinho de Anta em 1907 e faleceu em Coimbra, onde viveu. É autor de uma vasta produção literária e frequentou o curso de Medicina, em Coimbra. Tem vários livros de poemas nos dezasseis volumes do seu Diário; na ficção destacamos "Bichos" e os "Novos Contos da Montanha". Foi distinguido com vários prémios: o Prémio Montaigne, em 1981, o Prémio Camões, em 1989 e, o Prémio Vida Literária (atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores), em 1992.
Ondjaki: O escritor angolano destaca-se com as suas prosas e poesia. Licenciou-se em Sociologia e é membro da União dos Escritores Angolanos. Em 2013, com "Os Transparentes", ganhou o Prémio José Saramago, e em 2016, com o mesmo livro, o Prix Littérature-Monde 2016, em França.
Patrícia Reis: Patrícia Reis nasceu em 1970, em Lisboa. Começou a sua carreira de jornalista, assumindo edição da revista Egoísta. Tem vários livros de ficção e também é autora de biografias, de um romance fotográfico e de livros infantojuvenis. A sua novela «O que nos separa dos outros por causa de um copo de whisky» (2014) ganhou por unanimidade o Prémio Nacional de Literatura da Fundação Lions.
Raquel Ochoa: Nasceu em Lisboa e é uma amante de viagens. Após uma delas, de vários meses pela América Central e do Sul, publicou "O Vento dos Outros", em 2008. Venceu o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís, com o romance "A Casa- Comboio", a saga de uma família indo-portuguesa ao longo de quatro gerações.
Valter Hugo Mãe: Destaca-se pela sua singularidade e é um dos mais importantes autores portugueses da atualidade. A sua escrita é sublime e rasga a prosa poética pejada de encanto e de intimidade.
Este é um artigo da autoria de Rita França Ferreira do projeto Desculpas para Ler.
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