Escrito e encenado em conjunto pelo francês Cédric Orain e pelo português Guilherme Gomes, “Silêncio” resulta de vários encontros entre os dois artistas, desde 2018, e conta com o apoio da iniciativa Temporada Cruzada Portugal-França.
O espetáculo tem estreia mundial no Teatro Nacional D. Maria II, onde vai estar em cena até 10 de outubro, seguindo depois numa digressão internacional, que se inicia em Paris.
Ao palco da Sala Estúdio sobem os atores Guilherme Gomes, João Lagarto, Marcello Urgeghe, Tânia Alves e Teresa Coutinho, que dão vida a várias personagens, cujo caminho é profundamente marcado pelo silêncio: pelo desejo de silêncio, ou pela ausência de uma resposta.
São várias pequenas histórias, sem ligação entre si, que compõem um conjunto, “em que o silêncio que se transporta de uma personagem para outra é o protagonista de um conflito entre personagens”, explicou à Lusa Guilherme Gomes.
“O que [vemos] são cenas em que as pessoas lidam com o silêncio, o seu próprio silêncio, o silêncio de alguém, o silêncio no seu contexto ou a ausência do silêncio”.
O espetáculo abre com um monólogo de João Lagarto, num crescendo de fúria, sobre a necessidade de fuga dos vários ruídos perturbadores da cidade, que levam a personagem até ao campo, onde o aparente tão almejado silêncio é quebrado pelos sons da natureza.
Várias outras cenas se seguem, como a de uma mãe e um filho que não fala com ela, a de um casal que quer ter um filho e encontra no silêncio a solução para engravidar, a de uma família que vê no silêncio a forma de evitar conflitos com um dos elementos de quem sentem medo, ou a de um animador com um rádio a tocar fanfarra.
Guilherme Gomes descreve esta composição como uma “espécie de tapete de retalhos feito por duas pessoas”.
Isto porque todo o espetáculo foi escrito a quatro mãos, em duas línguas e à distância de dois países, e foi precisamente desta dificuldade que nasceu o conceito do silêncio.
“Quando nos conhecemos e começámos a trocar ideias sobre teatro, fomos reparando que havia qualquer coisa em comum entre os dois, que era a presença e a importância do silêncio nos espetáculos”, contou o encenador.
À medida que se aperceberam disso, surgiu uma tendência para fazer do silêncio tema “de reflexão e material de trabalho”.
Esse foi o “primeiro impulso” deste trabalho, e não fazer um “manifesto sobre o silêncio”, foi uma “afinidade muito pessoal”, que se foi desenvolvendo para um conjunto de cenas em que se aborda o silêncio sob vários pontos de vista.
Mas na origem deste espetáculo esteve também um outro contributo, um artigo escrito por um psicólogo russo, que falava sobre o “protopensamento, o pensamento que vem antes de haver palavras para o definir, uma intuição quase”.
“Dar as palavras a essa intuição é um processo criativo. Quando lemos um poema ou ouvimos alguém dizer uma coisa e dizemos ‘era isto que eu pensava, já tinha pensado isto’, mas não tínhamos era ainda as palavras para aquela ideia”, explicou Guilherme Gomes.
Por isso mesmo, apesar de o tema ser o silêncio, este é um espetáculo “muito palavroso, fala-se muito no espetáculo, e a palavra surge também como uma espécie de posicionamento em relação ao outro”.
Com um escritor a viver em Lisboa e o outro em Paris, “o processo de trabalho passou por uma espécie de troca epistolar de ideias para cenas”.
“Íamos construindo, quase como um cadáver esquisito, as cenas ou elenco de cenas. Algumas caíram por terra, outras foram-se transformando, outras ficaram de início”.
Guilherme Gomes conta que “o texto foi escrito numa base de provocação de um para o outro: um escrevia, o outro respondia, às vezes só a dizer que estava bem, ou com a cena rescrita, ou então enviava-se só a ideia e o outro respondia com a cena”.
Há ainda cenas que foram escritas numa fase tardia do processo para “compreender o próprio espetáculo”.
“Tínhamos um conjunto de cenas, mas era uma espécie de sopa sem grande definição e às tantas, para unir a sopa, precisámos de escrever determinadas cenas. Esta é a explicação da variedade”, acrescentou.
O cenário é todo preto e branco e as roupas das personagens oscilam entre estas duas cores e os tons que as entremeiam. Há uma cortina branca transparente fechada sobre uma das cenas iniciais e a luz é branca e difusa.
“O branco é uma espécie de cor do silêncio, é uma cor silenciosa. As luzes também contribuem para uma espécie de união das próprias cenas”, explicou Gulherme Gomes, afirmando que esta foi uma escolha particular de Bertrand Couderc, responsável pelo desenho de luz.
A figurinista Ângela Rocha quis brincar com as propostas de Bertrand Couderc e escolheu “tudo monocromático, para não haver saltos inexplicáveis de cor, exceto nas cenas que correspondem a um discurso sobre o ruído mais diretamente, que são as cenas da fanfarra”, em que a personagem surge vestida com um fato vermelho.
“É uma espécie de metáfora para o próprio ruído: é muito tentador e tem potencial distrativo. Vermelho é como uma pequena chama que se acende no palco, pequenos momentos de euforia, de festa”.
O espetáculo é falado em português e francês e tem legendas nas duas línguas.
De Lisboa, parte em digressão para França, primeiro para Paris, onde estará em cena de 14 a 24, e depois para Valenciennes, onde ficará entre 22 e 25 de fevereiro de 2022.
Em março regressa a Portugal para uma apresentação única, no dia 26, no Convento São Francisco, em Coimbra.
Volta novamente para França, onde estará em cena na cidade de Amiens, nos dias 05 e 06 de abril.
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