Depois de meses de obras, o Teatro do Bairro Alto (TBA), estrutura gerida pela Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) e que funciona no espaço que anteriormente acolheu o Teatro da Cornucópia, aposta em “várias declarações de intenções”, em vez de um espetáculo de abertura, segundo a organização.
Inclui-se aqui a ideia de fazer do TBA um teatro verde, inclusivo e acessível, tendo sido criados, para isso, duas casas de banho “sem género”, um fraldário numa zona neutra, acessível tanto aos pais como às mães, zonas de acesso para cadeiras de rodas, ou cadeiras adaptáveis para bebés e crianças de várias idades.
As diferenças começam logo na entrada, com o espaço da antiga bilheteira concebido para um elevador – que chegará em dezembro – e que neste momento está tapado por uma porta falsa, na qual se lê “este teatro terá este elevador”.
A bilheteira foi deslocada mais para a frente, para o local onde anteriormente ficavam as casas de banho da entrada.
Um dos destaques do TBA está no andar de baixo: é a cenografia do 'foyer', onde funcionará o bar, e da sala contígua, separada por portas deslizantes espelhadas, onde decorrerão pequenos espetáculos, conferências, debates ou concertos.
Concebida pelo arquiteto e cenógrafo José Capela, esta instalação na Sala Manuela Porto, nome herdado do Teatro da Cornucópia, consiste “na deslocação do terreno baldio existente ao fundo da rua e que é usado como parque de estacionamento para o interior do teatro”, explicou à Lusa o diretor artístico, Francisco Frazão, durante uma visita guiada ao teatro.
O chão e as paredes das duas salas estão forradas com “fotos hiper-realistas” do solo em terra batida, com as suas marcas, lixos e plantas rasteiras secas, e da vegetação circundante.
“A ideia é trazer o exterior para o interior. Encontrar no teatro a cidade, um momento da cidade, misturar o urbano e o natural, com algumas preocupações: a cidade dentro do teatro e a cidade passa a ter este teatro”, afirmou o diretor.
Quanto às portas-espelho deslizantes, que ampliam o espaço e confundem o olhar, trazem uma “ideia forte sobre ilusão, sobre o que é o pensamento e a representação”, acrescentou.
Também as mesas e os pufes são forrados com chão do baldio, compondo um puzzle que reproduz parte do chão.
Neste mesmo piso, que dá acesso às casas de banho e aos cacifos – em vez dos bengaleiros, que requerem mais espaço e um conceito de teatro mais clássico – está a sala de espetáculos, que manteve a estrutura, e se apresenta como “muito flexível”, permitindo montar dois espetáculos em simultâneo (em horas diferentes).
Neste espaço, as alterações foram essencialmente técnicas, como a troca das vigas manuais por automáticas ou com motores, que ajudam à movimentação, para permitir adaptar rapidamente o cenário ao espetáculo que vai ser montado, já que este é um teatro só de acolhimento, que não tem produção própria.
Aqui se manteve, numa das paredes, o relógio antigo criado por Cristina Reis para o Teatro da Cornucópia.
O som do gongo, que anuncia o início dos espetáculos, é da autoria de Margarida Magalhães, a quem foi encomendado que fizesse todos os sons do TBA.
Também a régie teve alterações: de fechada passou a aberta, como uma grande varanda sobre o palco.
Em termos de programação, já neste fim-de-semana, apresentam-se dois espetáculos de dança, de Josefa Pereira, “Hidebehind”, e de Alessandro Sciarroni, "CHROMA_don’t be frightened of turning the page”, que podem ser vistos um a seguir ao outro, e uma conferência de Franco “Bifo” Berardi, sobre “Poetry and Chaos”.
Até ao fim do mês, haverá ainda dois espetáculos musicais, da autoria de Von Calhau ("Partido/Pantundo"), projeto artístico que resulta do encontro entre João Alves e Marta Ângela, e de Félicie D’Estienne d’Orves/Eliane Radigue ("Continuum"), um espetáculo de artes performativas de Joana Braga ("A cada passo, uma constelação"), a conferência/discurso "Usos da arte, usos da cidade: gentrificação e cultura", numa coorganização do projeto de pesquisa e criação artística Matéria para Escavação Futura, de Joana Braga e Ana Jara, e da Traça - Mostra de filmes de arquivo familiares, do Arquivo Municipal de Lisboa – Videoteca.
Em novembro, há o teatro do projeto anglo-alemão Gob Squad, com "Super Night Shot", que no início é um filme para vários ecrãs, projetado apenas uma vez, cuja "rodagem começa exatamente uma hora antes da chegada do público ao teatro, quando os Gob Squad partem cidade fora de câmaras na mão".
Há também o trabalho do dramaturgo e encenador argentino Federico León, um dos destaques da programação de novembro, que se estende para para dezembro, com o espetáculo "Yo Escribo. Vos Dibujás", um “ecossistema caótico”, mistura de feira de rua e quermesse, onde convivem múltiplas situações, jogos e práticas, nos quais o público é convidado a participar.
Nos dois últimos meses do ano, há a dança de David Marques ("Mistério da Cultura") e de Florentina Holzinger ("Apollon"), a performance de Tim Crouch, a música de Alfredo Costa Monteiro ("Anéis de Fogo") e de Adriana Sá, Ricardo Jacinto & Yaw Tembe ("Coral Furtivo"), mais discurso e pensamento, com as conferências de Catarina Botelho e David Guéniot ("Reparar no olhar: Lisboa anos 90"), e Shannon Jackson, figura central dos estudos de performance, que questiona o "tipo de sociabilidade, de servidão e de serviços públicos", das instituições artísticas atuais ("Public Servants: Art and the crisis of the common good").
E haverá ainda e sempre o teatro, espetáculo em cena, com Raquel Castro e "Turma de 95", mais Alex Cassal, com "Morrer no Teatro".
Os responsáveis garantem que mesmo com as obras por acabar, a porta do TBA “fica agora aberta” para o “público aventuroso e artistas que queiram arriscar”. A palavra de ordem é: “Continuemos”.
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