'Um disco para José Mário Branco' "não é um tributo nem uma homenagem, é um disco de agradecimento", conta Rui Portulez, A&R da Valentim de Carvalho e produtor do álbum editado esta sexta-feira, véspera do 77º aniversário da cantor e compositor de 'FMI' e 'Inquietação'.
Para falar sobre a origem deste disco é preciso recuar cinco anos, às comemorações do 40.º aniversário do 25 de Abril e à presença da troika em Portugal, quando ouvir o 'FMI' fazia a Rui Portulez "todo o sentido". Vendo em José Mário Branco "um bom exemplo inspiracional e de luta", o ex-radialista começou a desenhar aquilo que agora ouvimos reunido em disco, convidando vários projetos para que estes fizessem as suas versões de temas do cantautor de intervenção.
O álbum foi adiado, mas a premissa deu origem, logo em 2014, a um concerto na Casa da Música, no Porto, com alguns dos músicos que entram agora no disco "de agradecimento", como Batida, Guta Naki, Ermo ou o ator João Grosso que diz o 'FMI'.
A ideia era intemporal, "tal como a música do Zé Mário é intemporal", e por isso "não valia a pena estar à pressa a fazer fosse o que fosse", conta. O momento chegou, mas a concretização "do projeto não foi nada fácil". "Foi preciso muita insistência e muito esforço", diz, recordando várias portas, como as de outras editoras, que não foram abertas.
'Um disco para José Mário Branco' reúne 16 temas de músicos nacionais e internacionais, como os espanhóis SINGLE, os norte-americanos The Walkabouts ou o brasileiro Lucas Argel, "em torno da pessoa de José Mário Branco". A "afinidade com a música" ou com a "atitude política" também estão presentes.
"O disco não só transmite um retrato de conjunto da força do autor, que era o nosso objetivo, como deixa pistas e agrupa a obra. São cinquenta anos de música aqui metidos inspirados pelo José Mário Branco".
Dele fazem parte versões antigas já editadas — como 'Fado Penélope', por Camané, 'Loucura', por Mão Morta, e 'Década de Salomé', dos Peste & Sida — e versões inéditas — como 'Eram mais de cem', com música nova dos Ermo para a letra de José Mário Branco, ou 'Comboios parados', de Ruas com um 'sample' da música 'Cantiga para pedir dois tostões'.
Ao SAPO24, António Costa, uma das metades dos Ermo, contou que "é difícil imaginar um universo moral da música portuguesa que não inclua José Mário Branco". A voz da banda de Braga que em 2017 teve um dos álbuns nacionais mais aclamados pela imprensa, 'Lo-Fi Moda', partilha ainda que José Mário Branco "teve uma influência gigante" na forma como compõe.
"O seu tipo de escrita de canção impressionou-me muito quando comecei a explorar a sua discografia. Depois disso é quase como teres uns óculos que nunca consegues tirar; e ouves música feita em português através desse filtro canónico".
Quando surgiu a ideia deste disco, "pensámos imediatamente que gostávamos de fazer uma versão de uma música diferente [da que tocaram no concerto do Porto] e de uma maneira diferente", explica. Escolheram 'Eram mais de cem', do último álbum de originais de José Mário Branco, 'Resistir é vencer', editado em 2004. "O tema chamou-nos a atenção muito pela sua dimensão liliputiana do reino do improvável, do fantástico, quase paranoico", conta acrescentando que "a ideia era escolher um tema que fosse suficientemente volátil para ser descontraído e reorganizado".
"Interessava-nos ter um tema curto e direto, mas que pudesse percorrer várias fases, fazendo uma espécie de compêndio lo-fi do tipo de opções musicais que estávamos a apresentar ao vivo na altura e de algumas que pretendemos tomar neste momento".
Sobre 'Um disco para José Mário Branco', António Costa ressalva que a edição "mostra um pouco da escola que o José Mário Branco fez em Portugal e soa a uma família grande".
À semelhança dos Ermo, todos músicos tiveram carta branca e "liberdade criativa", conta Rui Portulez. "Ele acompanhou [o processo do disco], mas disse logo que não o ia promover. Cedeu todos os direitos da música e fez questão de voltar a dizer que a obra não é dele, é para as pessoas pegarem. Para que não houvesse erros ao tirar de ouvido, que isso chateá-lo-ia mais do que outra coisa qualquer, chegou a enviar algumas pautas com as letras e com as músicas".
A edição física do álbum, que conta ainda com versões de Lavoisier, Primeira Dama e Osso Vaidoso, inclui ainda um booklet com textos de parte dos convidados com os testemunhos sentidos e emocionados que as canções não conseguem carregar.
O A&R da Valentim de Carvalho não fecha as portas a um 'Um disco para José Mário Branco II'. "Repertório não falta, este disco pode inspirar a fazer outro daqui a uns anos. Assim de repente, lembro-me de mais dez temas que dão para fazer versões e ainda há outros que ficaram de fora".
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