António Guterres, secretário-geral da ONU, fez uma pausa nas férias para ir à Turquia assinar um documento. E não era caso para menos. O pacto celebrado ontem em Istambul foi o primeiro grande acordo entre Kiev e Moscovo desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro. Em causa estava a "libertação" dos cereais retidos pela guerra nos portos ucranianos.

Recorde-se que, em março, o Programa Alimentar Mundial estimava que se a guerra na Ucrânia não terminasse até ao fim de maio haveria mais 47 milhões de pessoas em situação de segurança alimentar em todo o mundo.

"Hoje há um farol no Mar Negro, um farol de esperança, um farol de alívio", disse Guterres. Um primeiro passo para " reavivar um caminho para a paz", antecipou o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan — ainda que tenham sido assinados dois documentos, já que a Ucrânia recusou-se a rubricar o mesmo papel que a Rússia.

O acordo deve vigorar por quatro meses (com possibilidade de renovação) e visa desbloquear a exportação de 20 a 25 milhões de toneladas de cereais presos nos portos do Mar Negro. Russos e ucranianos comprometem-se a manter corredores marítimos livres de qualquer atividade militar. A ser necessário, a desminagem das águas ucranianas junto aos portos será realizada por um "país terceiro", não nomeado ainda, e à Turquia cabe inspecionar os navios.

Mas foi sol de pouca dura.

Menos de 24 horas depois, as autoridades ucranianas acusaram a Rússia de bombardear o porto de Odessa, um dos visados no acordo.

O país liderado por Vladimir Putin, por intermédio da Turquia, negou qualquer envolvimento no ataque, entretanto condenado por Guterres, pela União Europeia, pelo Reino Unido e pelos EUA.

Numa primeira reação, Kiev acusou a Rússia de "cuspir na cara" da ONU e Turquia. Mais tarde, uma reunião com legisladores dos EUA, Zelensky disse que a Rússia não é de confiança: "isto prova que não importa o que a Rússia diga e prometa, pois encontra sempre uma maneira de não implementá-lo. Geopoliticamente, com armas, de forma violenta ou não. Encontra sempre uma maneira".

Antes de assinar, ontem, a Ucrânia alertou que daria "uma resposta militar imediata" se a Rússia violasse o pacto e atacasse seus navios ou invadisse os seus portos.

As consequências do ataque de hoje ainda estão por apurar, mas é caso para perguntar: apagou-se o farol?