Na leitura do acórdão, que decorreu no Tribunal de São João Novo, no Porto, a presidente do coletivo de juízes, Ângela Reguengo, disse que, em julgamento, não ficou provado que o autarca tenha dado instruções ou agido com o propósito de beneficiar a Selminho.

Segundo a juíza, também não ficaram provados os factos ilícitos que constam da acusação do MP, que, nas alegações finais, tinha pedido a condenação do autarca a uma pena suspensa e à perda deste mandato.

No entanto, após a leitura do acórdão, o procurador Luís Carvalho pediu a palavra à juíza presidente, dizendo “não se conformar” com a decisão, razão pela qual anunciou que vai interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

Para o tribunal, há “manifesta falta de prova” na acusação do MP e no despacho de pronúncia do Tribunal de Instrução Criminal do Porto (que confirmou a acusação do MP) de que “tenha existido qualquer favorecimento da Selminho em detrimento da câmara”.

Segundo o coletivo de juízes, não ficou provada a “intervenção direta [de Rui Moreira], ou por interposta pessoa”, que visasse a “intervenção, condução ou instrução” do processo, por parte do presidente da câmara junto dos funcionários municipais, que, acredita o tribunal, agiram sempre na “salvaguarda dos interesses do município”.

Segundo a presidente do coletivo de juízes, “a única intervenção” de Rui Moreira no processo foi ter passado, em 28 de novembro de 2013, poucas semanas após tomar posse, uma procuração com poderes especiais ao advogado Pedro Neves de Sousa, depois de aconselhado pelo então seu chefe de gabinete, Azeredo Lopes.

A procuração forense serviu para o advogado representar a autarquia na audiência prévia de 10 de janeiro de 2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, onde começou a ser negociado o acordo com a imobiliária, que tinha avançado com uma ação judicial neste tribunal contra o município.

Para o tribunal, “o único elemento de conexão entre o presidente da Câmara do Porto e o processo Selminho” é uma “simples procuração forense”, o que, só por si, não é crime, razão pela qual esta intervenção “não configura que a conduta do arguido mereça reprovação penal”.

A juíza presidente recordou que, em julgamento, todas as testemunhas negaram ter recebido instruções ou orientações de Rui Moreira, no sentido de favorecer a imobiliária da família do autarca em prejuízo do município.

O procurador do MP Luís Carvalho sustentou nas alegações finais que, desde 2005, houve uma “via-sacra da Selminho” para que fosse atribuída capacidade edificativa ao terreno em causa, sublinhando que, até à tomada de posse de Rui Moreira (22 de outubro de 2013) como presidente da Câmara do Porto, essa pretensão da imobiliária nunca foi “satisfeita” por parte do município.

Para o coletivo de juízes, também não se provou que tenha havido uma “inversão da posição do município” após a audiência de 10 de janeiro de 2014 no TAF do Porto, face às reivindicações da Selminho, que pretendia obter a capacidade construtiva do terreno ou receber uma indemnização.

Quanto às condições do acordo entre as partes, o tribunal também considerou que o presidente da Câmara do Porto não teve nenhum “ato de condução ou orientação” no mesmo, considerando-o “equilibrado e equitativo”.

O acordo final com a Selminho previa o reconhecimento da edificabilidade do terreno em causa, através da revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) em curso, e até 2016, ou se isso não fosse possível, indemnizar a Selminho num valor a ser definido em tribunal arbitral, caso houvesse lugar ao pagamento de alguma indemnização.

“[Do acordo] não resulta qualquer compromisso da câmara de que vai alterar o que quer que seja. O compromisso da câmara foi um compromisso apenas de meios e não de resultados”, justificou a juíza presidente, Ângela Reguengo.

Rui Moreira foi julgado pelo crime de prevaricação, acusado de favorecer a imobiliária da família (Selminho), da qual era sócio, em prejuízo do município do Porto, no litígio judicial que opunha a autarquia à imobiliária, que pretendia construir um edifício de apartamentos num terreno na Calçada da Arrábida.

Rui Moreira marcou presença em todas as sessões de julgamento, que arrancou em 16 de novembro de 2021.

O autarca assumiu em tribunal ter sido “incauto” ao assinar uma procuração a um advogado para representar o município no litígio que mantinha com a Selminho, o que veio a permitir que as partes chegassem a um acordo, sublinhando que o fez por indicação de Azeredo Lopes, seu antigo chefe de gabinete.

Na primeira sessão de julgamento, Moreira justificou que só passou a procuração ao advogado Pedro Neves de Sousa, externo ao município, em dezembro de 2013, cerca de dois meses após tomar posse como presidente da câmara, porque o seu então chefe de gabinete, o ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes, lhe disse que devia assinar o documento, pois, só assim, estariam salvaguardados os interesses do município no litígio judicial.

Ouvido pelo tribunal em 17 de novembro, Azeredo Lopes explicou que, quando aconselhou Rui Moreira a passar a procuração, estava convicto de que o departamento jurídico da Câmara do Porto sabia da ligação familiar do autarca à Selminho.

Já o diretor municipal do departamento jurídico do município, entre fins de setembro de 2013 e 11 de dezembro de 2013, afirmou desconhecer “em absoluto” a procuração em causa.

O acordo entre o município e a Selminho, assinado em 24 de julho de 2014, previa o reconhecimento da edificabilidade do terreno em causa, por alteração do Plano Diretor Municipal (PDM), ou, se isso não fosse possível, indemnizar a imobiliária num valor a ser definido em tribunal arbitral, caso houvesse lugar ao eventual pagamento de indemnização.

O procurador do MP Luís Carvalho sustentou nas alegações finais que, desde 2005, houve uma “via-sacra da Selminho” para que fosse atribuída capacidade edificativa ao terreno em causa, sublinhando que, até à tomada de posse de Rui Moreira (2013) como presidente da Câmara do Porto, essa pretensão da imobiliária nunca foi “satisfeita” por parte do município.

Já o advogado Tiago Rodrigues Bastos acusou o procurador do MP de fazer “um ataque indescritível à honra” do presidente da Câmara do Porto, considerando que, em julgamento, ficou provado que o autarca “não teve qualquer intervenção” no processo Selminho.

Comete o crime de prevaricação o titular de cargo político que, conscientemente, conduza ou decida contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém.

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