Os representantes dos pequenos Estados insulares e dos países menos desenvolvidos abandonaram, este sábado, uma reunião de consulta com a presidência azeri da cimeira da ONU sobre o clima, em Baku, capital do Azerbaijão, em protesto contra o projeto de acordo financeiro em preparação.

"Abandonámos a reunião (…). Sentimos que não fomos ouvidos", declarou o representante de Samoa, Cedric Schuster, em nome do grupo de Estados insulares (AOSIS), citado pela agência francesa AFP, depois de terem sido incentivados por ONGs a fazê-lo.

Em comunicado, a AOSIS destacou que "continua comprometida" com o processo de negociação, embora os seus "pedidos principais" tenham sido ignorados.

Para os países que compõem a aliança, o principal obstáculo nas negociações é o grau de compromisso que os países desenvolvidos estão dispostos a assumir, uma vez que são, historicamente, os mais poluentes e, portanto, os maiores responsáveis ​​pelas alterações climáticas.

"Há muito trabalho a fazer, mas não podemos sair de Baku sem uma decisão", declarou o representante do Panamá, Juan Carlos Monterrey.

"O Panamá e outras nações latino-americanas progressistas tentam não apenas construir pontes, mas também pedir às pessoas que as atravessem para chegar a um acordo", acrescentou.

Qual a razão do "protesto"?

Os 200 países presentes na COP29 estão a tentar chegar a um consenso sobre o valor do financiamento climático dos países em desenvolvimento, que servirá para, entre outros objetivos, construir centrais solares, investir na supervisão e proteger as cidades contra as inundações.

Na sexta-feira, a presidência azeri da COP29 sugeriu que os países desenvolvidos contribuíssem com 250 mil milhões de dólares (239.969.284.000 euros) anuais, até 2035, para o financiamento climático dos países em desenvolvimento, acordo que foi criticado por várias ONGs e rejeitado por vários países.

"Os 250 mil milhões de dólares oferecidos pelos países desenvolvidos são uma cusparada na cara de nações vulneráveis ​​como a minha", reagiu o representante do Panamá, Juan Carlos Monterrey.

Já Ali Mohamed, representante do Quénia e presidente do grupo africano, afirmou que a proposta era "totalmente inaceitável”.

Devido à falta de consenso entre os países, a conferência da ONU e as negociações sobre as alterações climáticas foram adiadas para hoje.

Atualmente, e até 2025, os países desenvolvidos contribuem com 100 mil milhões de dólares (95.987.713.600 euros) anuais, valor que fica aquém das exigências feitas durante as negociações.

Marina Silva, ministra do Ambiente do Brasil, admitiu que o valor é "insuficiente" e sugeriu que os países desenvolvidos contribuíssem com 300 mil milhões de dólares (287.963.140.800 euros) anuais, até 2030, e com 390 mil milhões de dólares (374.352.083.040) desde ali e até 2035.

Já no dia anterior, o Grupo dos 77 (G77) e a China exigiam, “pelo menos”, 500 mil milhões de dólares (479.938.568.000 euros) por ano até 2030.

O projeto inclui uma meta de 1,3 triliões de dólares (1.247.840.276.800 euros) por ano, até 2035, para os países em desenvolvimento, o que incluiria contribuições dos países desenvolvidos e outras fontes de financiamento, como fundos privados ou novos impostos.

Nações mais vulneráveis pedem mais dinheiro

Já esta manhã, a União Europeia pretendia aumentar a contribuição dos países desenvolvidos para 300 mil milhões de dólares anuais. Contudo, os países do Sul continuaram a considerar o valor "insuficiente".

"Há um grande problema com os 300 mil milhões [de dólares] porque não são suficientes para cobrir todas as necessidades", disse o panamense Monterrey, acrescentando que os países "em desenvolvimento fizeram uma contraproposta: 500 mil milhões de dólares para 2030".

Por sua vez, também a ministra do Ambiente da Colômbia, Susana Muhamad, encorajou os países do Norte a "dobrarem" a sua proposta.

Novamente sem acordo, as negociações foram suspensas e serão retomadas nas próximas horas.

Aprovadas regras para transações de carbono entre países

Embora as negociações sobre o financiamento climático tenham sido novamente suspensas, outro acordo foi alcançado.

Com novas regras aprovadas na COP29, os países desenvolvidos vão poder cumprir as suas metas climáticas ao pagar aos países de África ou da Ásia, ao invés de reduzir as próprias emissões de gases de efeito estufa.

Portanto, a partir de agora, os países podem comprar créditos de carbono ou firmar transações diretamente com países com ações mais inclusivas. Até então, os créditos de carbono foram usados, ​​principalmente, por empresas que queriam reduzir as suas emissões, com o objetivo de se apresentarem como empresas com um balanço de emissões de carbono neutro.

Na prática, os países desenvolvidos podem financiar atividades que reduzam as emissões de gases de efeito de estufa nos países em desenvolvimento, como a plantação de árvores, substituição de veículos a motor por veículos elétricos ou redução do uso do carvão. Posteriormente, poderão registar no seu próprio balanço a redução correspondente de emissões.

Apesar de apenas ter sido efetivada agora, esta possibilidade já estava prevista no artigo 6.º do Acordo de Paris de 2015.

Vários especialistas temem, contudo, que este novo mecanismo permita que os Estados se declarem "menos poluentes" do que realmente são, criando um "greenwashing" - parecerem "mais verdes" do que são - em larga escala.

Ao mesmo tempo, os especialistas alertam para a possibilidade de os países investirem mais neste tipo de acordos do que em reduzir as suas próprias emissões.

Suíça pioneira

A Suíça já realizou a primeira e única transação carbónica até ao momento. Com o Gana, o país assinou um acordo para reduzir as emissões de metano procedentes de resíduos. Já à Tailândia financiou uma frota de autocarros elétricos para Banguecoque.

"Temos a possibilidade de uma redução [de emissões] no exterior e, ao mesmo tempo, ajudar [estes países] é uma [operação] na qual todos ganham", disse na COP29 o ministro do Ambiente da Suíça, Albert Rösti.

Sistema centralizado de créditos de carbono

Paralelamente ao sistema descentralizado existirá um sistema centralizado de intercâmbio de créditos de carbono, disponível para países e para empresas.

"O mercado poderá começar a andar, há muitos projetos à espera”, explicou à AFP Andrea Bonzanni, do organismo IETA (International Emissions Trading Association), que reúne mais de 300 membros, incluindo empresas de energia como BP e TotalEnergies.

Apesar deste avanço na COP29, vários especialistas duvidam que a qualidade dos créditos de carbono vá aumentar nos mercados regulamentados.

Segundo Erika Lennon, advogada no Centro para o Direito Internacional do Meio Ambiente (CIEL), será preciso ver se estes mercados irão criar "ainda mais problemas e escândalos que os mercados voluntários de carbono", isto é, os mercados não regulamentados entre empresas.

*Com AFP