Celebrar-se-ão em maio 14 anos desde que foi proferida uma daquelas frases destinadas a eternizar-se no discurso comum nacional: “Construir um aeroporto na Margem Sul? Jamais, jamais!”.

Dita por Mário Lino em 2007, a frase refletia a posição do ex-ministro das Obras Públicas do Governo José Sócrates: que era preferível construir o novo aeroporto de Lisboa na Ota, freguesia de Alenquer, e não no campo de tiro de Alcochete, na dita “margem sul” do Tejo. Passada mais de uma década desde a declaração, ainda não há aeroporto que dê apoio ao Humberto Delgado, em Lisboa, nem parece que vá haver tão cedo.

Num dia em que se esperava que o aniversário dos primeiros casos da pandemia em Portugal tomasse todo o mediatismo, foi um novo revés para as pretensões do Governo em construir o aeroporto no Montijo a dominar as atenções.

Ora recordemos: depois de décadas de impasse, a 8 de janeiro de 2019 a ANA - Aeroportos e o Estado assinaram o acordo para a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, com um investimento de 1,15 mil milhões de euros até 2028 para aumentar o atual aeroporto de Lisboa e transformar a base aérea do Montijo num novo aeroporto. A decisão, portanto, estava tomada: o destino desta obra seria mesmo o Montijo. A Margem Sul deixaria de ser “jamais”, mas Alcochete sim, para o executivo de António Costa.

No entanto, mais de dois anos e muitas polémicas depois, a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) revelou hoje que não iria fazer a apreciação prévia de viabilidade para efeitos de construção do Aeroporto Complementar no Montijo. Por outras palavras, vai travar a obra apesar da ANA disse estar pronta para iniciá-la já em abril.

As razões para o bloqueio são simples e já vêm de trás: para uma obra desta natureza, a lei exige que haja “parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afetados”. Ora, apesar do Barreiro e do Montijo mostrarem-se a favor, não só Alcochete não se pronunciou como Seixal e Moita se posicionaram contra. Sem unanimidade, não há aeroporto para ninguém.

Esta decisão da ANAC teve duas consequências distintas. Uma delas foi colocar em cima da mesa a discussão sobre a dita lei — o  Decreto-Lei n.º 186/2007 — que obriga a que as autarquias visadas pela construção de obras públicas deem um parecer positivo para que avancem. O Ministério das Infraestruturas e da Habitação, de resto, fez saber que pretende rever essa lei para eliminar o que considera “um poder de veto das autarquias locais sobre o desenvolvimento destas infraestruturas de interesse nacional e estratégico”.

Uma estratégia começa a ser cozinhada, isto porque o PSD, pela voz de Rui Rio, fez saber que apoia essa revisão, considerando também que o poder de “um único município” poder reprovar projetos de âmbito nacional “por razões meramente municipais é um exagero”. O, sem surpresas, PS deu as boas vindas ao que caracterizou de uma “abertura” do principal partido da posição. Já o PCP, o BE, o PEV e o PAN congratularam a decisão da ANAC.

Se essa potencial alteração legislativa pode trazer mais consequências a longo prazo, a curto prazo interessa antes referir o que é que o Governo decidiu também fazer em resposta à decisão da ANAC.

Tal como se tinha comprometido a fazer por pressão dos outros partidos na discussão do Orçamento de Estado para 2021, o Governo avançou com uma Avaliação Ambiental Estratégica — um instrumento da Agência Portuguesa do Ambiente de apoio a tomadas de decisão que interfiram com a sustentabilidade ambiental —, que adianta três possíveis soluções:

  • A atual solução dual, em que o Aeroporto Humberto Delgado terá o estatuto de aeroporto principal e o Aeroporto do Montijo o de complementar;
  • Uma solução dual alternativa, em que o Aeroporto do Montijo adquirirá, progressivamente, o estatuto de aeroporto principal e o Aeroporto Humberto Delgado o de complementar;
  • A construção de um novo aeroporto internacional de Lisboa no Campo de Tiro de Alcochete.

Foi a última solução, claro está, aquela fez levantar sobrancelhas um pouco por todo o país. O Governo de António Costa — que em 2019 fez o PSD saber que não havia “Plano B” ao Montijo — admitiu por fim, que afinal ele existe e chama-se Alcochete.

Seja qual for a decisão que sair da AEE, o Governo diz que vai respeitar a solução que for identificada, mesmo que seja Alcochete. “Nunca digas nunca”, aconselha o ditado. “Especialmente se esse 'nunca' se referir a Alcochete”, acrescentemos nós.