No dia 23 de janeiro, um turista chinês, que chegava a Singapura vindo de Wuhan, foi diagnosticado com o novo coronavírus. Curiosamente, nessa data, a cidade chinesa de onde voara, fechava-se ao país com um cordão sanitário que impedia 11 milhões de pessoas de saírem da cidade, num tentativa de evitar a propagação do vírus que pouco tempo depois viria a ser batizado como SARS-CoV-2, na cidade onde surgiu.

Perante a primeira ameaça do surto, Singapura não hesitou. A SARS, no início do século, entre os anos de 2002 e 2004, que provocou 33 mortes e 238 casos de infeção na cidade-estado e deixou o continente Asiático em alerta, servia de lição para uma atuação prudente, rápida e antecipada. Foi assim que o governo lançou uma grande campanha de testes, procurando localizar os casos de infeção, isolando-os, ao mesmo tempo que procedia a uma grande campanha de identificação dos contactos que os casos que se somavam positivos tiveram nos últimos dias. Logo em fevereiro, os voos provenientes da China foram cancelados, a quarentena de 14 dias foi imposta a todos turistas que quisessem entrar no país. Foi, inclusive, facultada aos cidadãos uma aplicação para telemóvel que qualquer um podia instalar para monitorizar a sua saúde, ao mesmo tempo que o governo criava uma base de dados que lhe permitisse seguir as pessoas e o vírus.

Singapura foi tida como um exemplo de combate à pandemia que chegava a todos os cantos do mundo. Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), chegou mesmo a classificar as medidas tomadas como “um bom exemplo de governação”. Afinal de contas, Singapura era um caso de sucesso, seguindo a maior e melhor recomendação da OMS no início da expansão do vírus: “testar, testar, testar”.

Em plena crise global, a cidade-estado conseguia manter um ritmo praticamente normal, assumindo apenas as necessárias recomendações de distanciamento social continuando as ações de monitorização, agindo com preciosismo e particularidade para conservar o todo. O bom panorama não iludia, no entanto, Dale Fisher, professor na Universidade de Singapura e responsável pela Rede Global de Alerta e Resposta a Surtos da OMS, que aos bons resultados apresentados no combate ao novo coronavírus sublinhava: “até agora”.

“Esta é uma doença extremamente difícil de conter”, disse à BBC.

Fisher tinha razão. Se no dia um de abril, Singapura somava apenas 1000 casos confirmados e três óbitos por Covid-19, números elogiosos para uma cidade situada no sudeste asiático, 19 dias depois de tudo parecer sob controlo, os registos dispararam. Hoje, Singapura anunciou um número recorde de mais de 1.400 novos casos em 24 horas. O milhar de casos passou para um total de 8.014 e o número de mortes de três para 11.

Mas afinal, o que é que aconteceu?

As medidas rápidas e preventivas de Singapura foram apanhadas em contrapé. Primeiro, por um vírus que não era inteiramente conhecido e que se mostrou muito mais contagioso do que em janeiro se sabia, com vários casos de doentes assintomáticos com capacidade para disseminar o vírus. Segundo, porque a cidade, depois de identificar e isolar os casos, recebeu vários habitantes espalhados pelo mundo, provenientes de países que demoraram a tomar medidas preventivas e que por isso constituíram um fator de risco. Terceiro, e o derradeiro ponto, a proliferação do vírus na base de uma economia que prospera: os trabalhadores imigrantes, provenientes maioritariamente de países asiáticos pobres.

O primeiro ponto, teoricamente, estaria controlado pelas medidas impostas pelo governo de Singapura, mas o segundo e terceiro ponto, juntos, comprometeram as medidas tomadas.

O número de novos casos aumentou em todo o país desde que campanhas de teste foram lançadas em casas ou alojamentos lotados onde os trabalhadores imigrantes vivem, geralmente em condições insalubres.

Um dos muitos dormitórios em que foram registados vários casos de infeção, em Singapura. créditos: WALLACE WOON/EPA

Singapura tem cerca de 200 mil trabalhadores da construção civil, a maioria do sul da Ásia, que constroem edifícios e centro comerciais gigantes e recebem cerca de 400 a 500 dólares (370 a 460 euros) por mês.

A curva da cidade-estado que o governo conseguiu conter e manter plana começou a subir nos primeiros dias de abril, altura em que Singapura colocou quase 20 mil trabalhadores estrangeiros em quarentena nos seus dormitórios, com salários assegurados, depois de um número crescente de pessoas na comunidade ser infetada pela Covid-19.

Foi criada uma equipa de resposta, entre os responsáveis dos dormitórios e as autoridades para reduzir a densidade dos seus residentes, transferindo alguns trabalhadores para acomodações alternativas durante esse período.

O primeiro-ministro de Singapura, Lee Hsien Loong, alertou neste fim de semana que o número de trabalhadores imigrantes infetados pelo vírus provavelmente aumentará drasticamente à medida que as campanhas de teste forem efetivadas.

"Felizmente, a grande maioria desses casos é leve, já que os trabalhadores são jovens", observou o político na rede social Facebook.

Os alojamentos gigantes onde os imigrantes costumam viver, por vezes com mais de dez pessoas por quarto, não permitem a distância física necessária para evitar a contaminação.

As autoridades colocaram em quarentena dezenas de milhares de trabalhadores e transferiram muitos deles para moradias com menos pessoas, para evitar uma maior disseminação do novo coronavírus.

Agora num ritmo igual ao do resto do mundo, Singapura, outrora um exemplo mundialmente elogiado, segue fechado sobre si mesmo procurando voltar a domar a curva que outrora foi plana. No The New York Times, o exemplo da cidade-estado no sudeste asiático é transformado em pergunta. Perante o que aconteceu em Singapura, como pode os Estados Unidos da América ou a Europa pensar em voltar à normalidade em breve (mesmo que a curva pareça estar estabilizada)?

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