Desde 2017, ano das últimas eleições autárquicas, foram vários os presidentes de câmara que foram condenados por tribunais à perda de mandato. O processo "Rota Final", uma investigação da Polícia Judiciária sobre um alegado esquema fraudulento de viciação de procedimentos de contratação pública, levou à condenação do presidente da Câmara de Aljezur (Faro), José Amarelinho (PS) e do presidente da Câmara de Vila Verde (Braga), António Vilela (PSD) - este, no terceiro e último mandato, recorreu da sentença relativa a um crime de prevaricação num processo relacionado com um concurso público e acabou por manter-se no cargo.

Em abril, a então presidente de Vila Real de Santo António (Faro), Conceição Cabrita (PSD), foi detida no âmbito da "Operação Triângulo” por suspeitas de corrupção devido a um negócio imobiliário em Monte Gordo. A autarca, que já tinha anunciado que não se recandidataria, acabou por renunciar ao mandato antes de o completar, aguardando o desfecho de um julgamento por “um crime de corrupção passiva de titular de cargo político e de "um crime de prevaricação de titular de cargo político".

Em Castelo Branco ocorreu o caso mais mediático com Luís Correia (PS) a ser condenado à perda de mandato por um tribunal administrativo, por ter alegadamente assinado contratos com uma empresa do pai. A sentença foi, mais tarde, confirmada pelo Tribunal Constitucional e o autarca abandonou a Câmara.

No entanto, o mesmo processo viria a sofrer uma reviravolta com Luís Correia a ser absolvido de prevaricação pelo mesmo caso num processo criminal. Agora, o próprio, como independente, e já depois e o PS ter anunciado Leopoldo Rodrigues como o seu candidato à autarquia, anunciou que será candidato nestas eleições autárquicas.

Com uma nova eleição à porta, o SAPO24 olha para os processos que vários candidatos carregam às costas e que, em último caso, podem terminar como os exemplos acima: em perdas de mandatos.

O caso Selminho

O presidente da Câmara Municipal do Porto está envolvido naquele que será provavelmente o mais mediático dos processos: o caso Selminho.

O Ministério Público (MP) acusou, em dezembro do ano passado, o autarca independente de prevaricação, em concurso aparente com um crime de abuso de poder, incorrendo ainda na perda de mandato, por alegadamente favorecer uma sua imobiliária da sua família (Selminho), já durante o seu mandato (tomou posse em 23 de outubro de 2013), em detrimento da autarquia.

No debate instrutório, realizado em 29 de abril, o MP defendeu que Rui Moreira fosse a julgamento, reiterando que, enquanto presidente do município, agiu em seu benefício e da família, em prejuízo do município, no negócio dos terrenos da Arrábida. Isto, num conflito judicial que opunha há vários anos a câmara à Selminho, que pretendia construir num terreno na escarpa da Arrábida.

A 18 de maio, o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto decidiu pronunciar (levar a julgamento) Rui Moreira, “nos exatos termos” da acusação do Ministério Público que imputa ao arguido o crime de prevaricação, defendendo a sua perda de mandato.

Na decisão instrutória, o TIC do Porto sustenta que é "solidamente previsível" que o presidente da autarquia portuense, Rui Moreira, venha a ser condenado em julgamento no processo Selminho, onde é acusado de favorecer a imobiliária da família.

O início do julgamento do presidente e recandidato à Câmara do Porto no âmbito deste caso está agendado para 16 de novembro, já após as autárquicas.

Um processo no PAELheiro

O nome do autarca de Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, veio recentemente ao de cima depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter vetado uma lei da Assembleia da República aprovada por PS, PCP e PEV, com oposição de PSD, BE e PAN, que estava a ser lida como uma amnistia socialista a alguns dos seus autarcas com sanções à perna por incumprimento do Programa de Apoio à Economia Local (PAEL).

O PAEL, criado durante o governo de Pedro Passos Coelho, era um regime de concessão de crédito pelo Estado aos municípios para regularização do pagamento das dívidas a fornecedores vencidas há mais de 90 dias, tendo como referência 31 de março de 2012.

A adesão a este programa obrigava as Câmaras a cumprir determinadas regras, de forma a ajudarem as contas a sairem do vermelho, uma delas era a obrigação de cobrar a taxa máxima do Imposto municipal sobre Imóveis (IMI). Ora, nos termos do diploma aprovado em 22 de julho e agora vetado, os municípios que recorreram ao PAEL podiam não cobrar a taxa máxima de IMI que a adesão ao programa exigia, optando por "medidas alternativas com idêntico impacto que se concretizem em receita efetiva".

Por outro lado, o diploma que Marcelo vetou introduzia uma alteração segundo a qual a cessação do plano de ajustamento financeiro, no momento da liquidação completa do empréstimo concedido pelo Estado, "obsta à aplicação de sanções" previstas na lei em vigor, "extinguindo quaisquer procedimentos sancionatórios pendentes". Ou seja, os autarcas que não tivessem cumprido a lei ficavam ilibados de qualquer responsabilidade por esse incumprimento.

Se olharmos para a lista dos 103 municípios que celebraram contratos de empréstimo entre 2012 e 2015 com prazos máximos de vigência de 20 ou de 14 anos, conforme as respetivas situações na altura, verificamos que destas, 63 liquidaram o empréstimo e 37 suspenderam os planos, sendo que no mesmo período apenas Santa Comba Dão e Lamego estavam com planos de reequilíbrio financeiro ativos. Já Vila Real de Santo António deixou o PAEL para passar a integrar o plano no Fundo de Apoio Municipal.

Deste bolo, há oito municípios que foram apontados como incumpridores pela Inspeção-Geral das Finanças: seis câmaras lideradas pelo Partido Socialista (Vila Nova de Gaia, Covilhã, Cartaxo, Aljustrel, Tábua e Alfândega da Fé), uma pela CDU (Évora) e outra pelo PSD (Guarda).

De todos estes casos, nota para dois. Primeiro para a câmara de Évora, liderada pela CDU, que, depois de reconhecer que houve questões relacionadas com este empréstimo em 2017, revelou que o mesmo está liquidado desde 2019 e que o MP não entendeu haver aspetos suscetíveis de levar o caso para julgamento. Depois, sublinhar o caso da Câmara de Vila Nova de Gaia e do presidente Eduardo Vítor Rodrigues, uma vez que é o único dos casos em que o MP transformou o incumprimento num processo judicial que está a decorrer em tribunal e que segue na fase de recurso.

Segundo o Expresso, o que aconteceu foi que em 2015, a Câmara de Gaia decidiu reduzir o IMI, contrariando as regras, extinguir a taxa das rampas e de proteção civil. Na avaliação dos relatórios da Inspeção-Geral das Finanças, estas mesmas medidas retiraram receita à autarquia quando as contas estavam no vermelho.

Ao mesmo jornal, o autarca defende que não foi cometida qualquer “ilegalidade”, uma vez que ao mesmo tempo que a Câmara conseguiu reduzir o IMI também conseguiu colocar as contas municipais no verde em quatro anos, depois de 16 anos de excesso de endividamento.

"Não há qualquer crime em análise judicial, apenas uma leitura errada de que os impostos devem estar sempre no máximo quando as contas estão no vermelho. Isso é um erro”, afirmou ao Expresso.

Na primeira instância, o Tribunal Central Administrativo do Norte deu razão à Câmara, exigindo em abril a reapreciação do processo pela instância inferior, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Dos incumpridores há ainda dois nomes a sublinhar que podem vir a ser chamados à justiça, caso haja esse entendimento por parte do Ministério Público. Nelson Brito, presidente da Câmara de Aljustrel e responsável pela adesão ao PAEL, atingiu o limite de mandatos e é nestas eleições cabeça de lista à Assembleia Municipal de Aljustrel pelo PS. O outro nome é o de Berta Nunes, atual secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, que liderou a autarquia de Alfândega da Fé entre 2009 e 2019, ou seja, durante o período em que a Câmara aderiu ao PAEL.

Borba, uma tragédia que se prolonga na justiça

O presidente da Câmara de Borba, António Anselmo, independente pelo Movimento Unidos por Borba, vai ser julgado por cinco crimes de homicídio no caso do deslizamento na pedreira que arrastou a Estrada Municipal 255, em 19 de novembro de 2018, tirando a vida a cinco pessoas: dois operários de uma empresa de extração de mármore na pedreira e três homens que seguiam em dois carros na estrada que colapsou.

Segundo a súmula do processo, o juiz de instrução criminal decidiu “pronunciar por todos os crimes” que lhes estavam imputados “os arguidos António José Lopes Anselmo”, presidente do município de Borba, e a empresa “ALA de Almeida Limitada”.

António Anselmo é candidato a um terceiro e último mandato à frente da Câmara Municipal de Borba.

créditos: © 2018 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Uma ida à Turquia que custou caro a dois autarcas

Uma viagem a Istambul, em 2015, paga por uma empresa que fornece material informático a autarquias, levou a uma investigação do MP a cerca de 30 autarcas e empresários, entre os quais estão o presidente e o vice-presidente de Penamacor.

António Beites Soares, o presidente e recandidato socialista nas próximas autárquicas, e o seu vice-presidente, Manuel Robalo, vão a julgamento por “recebimento indevido de vantagem”, depois de um tribunal de Coimbra ter revertido uma decisão do Tribunal do Fundão, que inicialmente decidiu não levar os dois autarcas a julgamento.

Em 2 de junho, o MP acusou mais 13 pessoas, entre os quais seis autarcas, no âmbito deste processo, pedindo a perda de mandato para o presidente da Câmara de Amares, Manuel Moreira (anunciado pelo PSD como recandidato ao cargo para um terceiro mandato), do vice-presidente de Famalicão e de uma vereadora de Vizela.

Comprar caro nunca sai barato

Em outubro de 2020, o presidente de Montalegre, Orlando Alves (PS), e o vice-presidente, David Teixeira, foram acusados pelo Ministério Público de ajustes diretos a empresas de familiares de Orlando Alves, na ordem dos cinco milhões de euros, na sequência de buscas realizadas três meses antes.

Em março passado, o MP foi mais concreto e acusou ambos os autarcas de prevaricação por, em 2015, terem adquirido um painel publicitário LED através de um empresário local, também arguido, que não vendia este tipo de material, mas ficou de o comprar a uma empresa da especialidade por 28.500 euros para depois o fornecer ao município por 35.055 euros.

Orlando Alves é recandidato à Câmara de Montalegre nestas eleições.

No carro da câmara ou no deles

José António Jesus e Pedro Adão, atuais presidente e vice-presidente do município de Tondela, estão a ser julgados pelos crimes de peculato e falsificação de documento, alegadamente cometidos entre 2010 e 2017.

Os dois autarcas, segundo o MP, terão recebido ajudas de custo por deslocações realizadas em viaturas particulares, quando na realidade terão usado veículos da autarquia.

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