O caso remonta há 67 anos. Causou ondas de indignação sobre os direitos da população negra nos EUA e terminou sem acusações quanto a nenhum dos envolvidos. No entanto, a descoberta de documentos até agora desconhecidos levou a justiça norte-americana a reabrir o processo.

No verão de 1955, Emmett Till, um jovem afro-americano de 14 anos residente em Chicago, no estado do Illinois, foi visitar família ao sul dos EUA, em Money, cidade do Mississippi. Foi lá que foi acusado por Carolyn Bryant Donham, à época com 21 anos, de assediá-la com apalpões e comentários impróprios dentro de uma mercearia quando estavam os dois sozinhos.

A suspeita levantada pela mulher, branca, levou o seu marido, Roy Bryant, e o cunhado, J.W. Milam, a raptar Till durante a noite de 28 de agosto desse ano. Os dois homens espancaram, torturaram e mutilaram o jovem antes de o matar com um tiro na cabeça. O seu corpo foi encontrado dias depois no rio Tallahatchie.

Tanto Bryant como Milam foram ambos detidos por suspeitas de homicídio, mas foram absolvidos por um júri inteiramente composto por pessoas brancas — numa fase da história dos EUA em que o sul do país era altamente marcado pela segregação da população negra. Anos depois, os dois admitiram numa entrevista à revista Look terem assassinado Till, mas nunca mais foram levados à justiça. Ambos já morreram.

O caso — que ganhou proporções nacionais quando a mãe de Till optou por manter o caixão aberto durante o funeral do filho para denunciar a brutalidade das suas lesões —, poderia ter ficado perdido no tempo, não tivesse sido encontrado um mandado de captura por Donham por cumprir.

O documento, descoberto em junho por uma equipa de investigadores na cave do tribunal local, não chegou a ser aplicado porque o xerife à época não quis “perturbar” uma mãe de dois filhos. Mas serviu para reabrir o processo e julgar Donham pelos eventuais crimes de sequestro e homicídio culposo.

Um outro dado que alimentou este caso foi um livro de memórias por publicar de Donham, descoberto na sua casa no decorrer das investigações. No documento, obtido em julho pela agência Associated Press, a mulher admite não saber o que aconteceria a Till depois de acusá-lo e defende ter negado perante os dois assassinos de que o jovem que eles lhe trouxeram era o seu suposto assediador. Donham sublinha que foi Till quem se identificou como o culposo.

A mulher, hoje com 87 anos, foi presente a tribunal no condado de Leflore. O procurador chamou a depor investigadores e testemunhas durante mais de sete horas. Todavia, o grande júri encarregue do caso considerou que não há provas suficientes para condenar Donham.

Um primo de Till, o Reverendo Wheeler Parker Jr, lamentou a decisão do júri, caracterizando-a como “infeliz, mas previsível”.

A morte do jovem, porém, deixou lastro até aos dias de hoje. Não só alimentou o movimento dos direitos civis nos EUA, como foi em sem nome que o presidente norte-americano, Joe Biden, assinou um projeto de lei para tornar o linchamento um crime de ódio federal, mais de 100 anos após essa legislação ter sido proposta pela primeira vez.

Denominado "Emmett Till Anti-Lynching Act", o projeto de lei torna possível processar um crime como linchamento quando uma conspiração para cometer um crime de ódio leva à morte ou a lesão corporal grave, de acordo com o defensor do projeto, o deputado Bobby Rush. A lei estabelece uma pena máxima de 30 anos de prisão e multas.

Biden reconheceu o longo atraso durante o pronunciamento a legisladores, funcionários do Governo e defensores dos direitos civis, enfatizando como as mortes violentas de negros norte-americanos foram usadas para intimidá-los e impedi-los de votar simplesmente por causa de sua cor de pele.

“Obrigado por nunca, nunca desistir”, disse o chefe de Estado. “O linchamento foi puro terror para impor a mentira de que nem todos, nem todos, pertencem à América, nem todos são criados iguais", acrescentou.

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