“Se nada tivermos a fazer de imperioso, devemos ficar em casa. Claro que podemos sair para ir trabalhar, para ir à escola, para fazer as compras, para fazer algum exercício físico nas proximidades, passear animais de companhia, dar assistência a alguma pessoa que precise, mas a regra não podemos esquecer: devemos ficar em casa”. A frase resume o conteúdo das medidas anunciadas hoje por António Costa no final de um Conselho de Ministros que decidiu alargar a 121 concelhos as "medidas especiais" que tinham sido anunciadas há cerca de uma semana para Lousada, Paços de Ferreira e Felgueiras.

Após uma conferência de imprensa longa em que o primeiro-ministro apresentou gráficos referentes à evolução da pandemia, às medidas que foram sendo tomadas na saúde e ao impacto na economia, ficou o sentimento de que este é ou pode ser um passo intermédio para o que virá daqui a 15 dias quando a situação for reavaliada, segundo o calendário anunciado por António Costa.

Antes disso, já nesta segunda-feira, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai receber o primeiro-ministro, logo de manhã, e depois dele, os nove partidos com assento parlamentar.

À luz da Constituição, a declaração do estado de emergência pode determinar a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias, por um prazo máximo de 15 dias, sem prejuízo de eventuais renovações com o mesmo limite temporal. Para o declarar no todo ou em parte do território nacional, o Presidente da República tem de ouvir o Governo e ter autorização da Assembleia da República.

Após a conferência de imprensa de António Costa, os comentadores desdobraram-se em interpretações e interrogações sobre o efeito prático das medidas anunciadas e os requisitos constitucionais para as implementar. Não será exagero afirmar que as interrogações são extensíveis à maior parte dos cidadãos, moradores ou não nos concelhos agora abrangidos, que se questionam sobre o que verdadeiramente mudará na vida deles, de todos nós, a partir de dia 4 de novembro. Sobretudo quando, ainda este sábado, o jornal Expresso avançava com a notícia sobre a previsão de um novo pico da pandemia em número de infetados para daqui a três semanas, e alguns partidos que reuniram com o Governo transmitiram a possibilidade, de um confinamento total na primeira quinzena de dezembro.

Não seria caso único, basta olhar para o que está acontecer em vários países da Europa - ontem França entrou em estado de emergência e hoje o Reino Unido anunciou um confinamento geral até 2 de dezembro. E, se por um lado, há uma preocupação dominante de manter a capacidade de resposta dos sistemas de saúde e de impedir maior derrapagem da economia, por outro há o efeito psicológico da aproximação do Natal: ninguém quer ser o governante que impõe às pessoas um confinamento na consoada.

Para que tal não aconteça, esta poderá ser uma primeira etapa ou um balão de ensaio para medidas mais restritivas, caso daqui a 15 dias os números não mostrem sinais de abrandamento. Politicamente, é sensato. As medidas agora anunciadas colocam a responsabilidade do lado dos cidadãos, sem que o Governo imponha limitações muito além do bom senso, sentido cívico e das regras sanitárias que por esta altura já todos devíamos saber de cor. Se não funcionar - e pode não funcionar, por variadíssimas razões - há uma outra legitimidade para se passar à efetiva imposição de regras mais duras.

Proibir em absoluto ou liberar em absoluto é simples. O difícil é gerir no meio e sobretudo depender de um fator chamado bom senso que, como se sabe, é o que todos acham estar mais bem distribuído no mundo quando avaliam por si.
Daqui a 15 dias, voltamos a falar. Enquanto isso, ficam as regras que vigoram até 4 de novembro em 121 concelhos:
  • o dever de permanência no domicílio, devendo os cidadãos abster-se de circular em espaços e vias públicas, bem como em espaços e vias privadas equiparadas a vias públicas, exceto para o conjunto de deslocações já previamente autorizadas, às quais se juntam as deslocações para atividades realizadas em centros de dia, para visitar utentes em estruturas residenciais para idosos, unidades de cuidados continuados integrados da Rede Nacional de Cuidados Integrados ou outras respostas dedicadas a pessoas idosas, bem como as deslocações a estações e postos de correio, agências bancárias e agências de corretores de seguros ou seguradoras e as deslocações necessárias para saída de território nacional continental;
  • como regra, que todos os estabelecimentos de comércio a retalho e de prestação de serviços, bem como os que se encontrem em conjuntos comerciais, encerram até às 22h00;
  • o encerramento dos restaurantes até às 22h30;
  • prevê-se que o presidente da câmara municipal territorialmente competente possa fixar um horário de encerramento inferior ao limite máximo estabelecido, mediante parecer favorável da autoridade local de saúde e das forças de segurança;
  • a proibição da realização de celebrações e de outros eventos com mais de cinco pessoas, salvo se pertencerem ao mesmo agregado familiar;
  • a proibição da realização de feiras e mercados de levante;
  • a possibilidade de realização de cerimónias religiosas, de acordo com as regras da Direção Geral da Saúde;
  • a obrigatoriedade de adoção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam, salvo impedimento do trabalhador;
  • o regime excecional e transitório de reorganização do trabalho (constante do DL 79-A/2020) é aplicável às empresas com locais de trabalho com 50 ou mais trabalhadores, em todos os concelhos abrangidos pelas novas medidas (atualmente este regime era aplicável às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto).