"Há aqui um padrão neste tipo de processos de grande complexidade na área da criminalidade económica. Já no passado e hoje também, o que realmente era fundamental era que refletíssemos sobre o retrato do funcionamento da justiça que estes processos nos dão e isso tem a ver de facto com a gestão quer do Ministério Público, quer do judiciário", disse à agência Lusa a coordenadora do Observatório Permanente da Justiça (OPJ) do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Conceição Gomes.

A investigadora salientou que a sociedade está a acompanhar o processo há quase sete anos "através de ideias, de indícios, de alguns aspetos" que não conhecia "do ponto de vista da sua fundamentação, nem da sua robustez".

"É um processo conduzido totalmente na praça pública e isso também já aconteceu no passado com outros processos. E de facto, começa-se com um conjunto enorme de crimes e um conjunto enorme de culpabilidade e que depois se vai esvaziando. Isto é um padrão que já vimos no passado", notou.

Para Conceição Gomes, não seria necessário uma reforma legal "para acabar com os mega-processos", mas antes apenas uma mudança de estratégia da investigação criminal.

"Espero que agora, perante este processo, justamente pela sua singularidade, pelo que representa do ponto de vista social e político, haja uma reflexão profunda do funcionamento deste sistema de justiça", frisou, sublinhando que, face à dimensão do processo, "este é um enredo que só por milagre é que algum dia chegará ao fim".

A coordenadora do OPJ recordou as palavras do juiz de instrução Ivo Rosa sobre alguns pontos da acusação, em que este fala de "fantasias, especulações, falta de rigor e falta de coerência", referindo que "esta ideia de um Ministério Público poder trazer para os processos provas fantasiosas ou especulativas tem algo de uma gravidade" que é relevante aferir.

"Das duas uma: Ou a justiça tem provas robustas, tem indícios e avança, ou se não tem não avança. Tem que se refletir sobre esta estratégia das acusações, de como o Ministério Público de facto constrói e desenvolve toda a investigação. É importante fazer essa reflexão, porque a justiça tem que acusar e julgar nos seus próprios termos e com as suas próprias regras. Não se trata de juízos morais ou de juízos políticos. Esses têm outra sede", asseverou.

Dos 28 arguidos da Operação Marquês (19 pessoas e nove empresas), vão a julgamento o ex-primeiro-ministro José Sócrates e o empresário Carlos Santos Silva, ambos pronunciados por três crimes de branqueamento de capitais e três crimes de falsificação de documentos.

Segundo a decisão instrutória hoje lida pelo juiz Ivo Rosa, no Campus da Justiça, em Lisboa, foram, igualmente, pronunciados o antigo ministro e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos Armando Vara, por um crime de branqueamento de capitais, e o ex-presidente do Grupo Espírito Santo Ricardo Salgado, por três crimes de abuso de confiança.

João Perna, ex-motorista de José Sócrates, vai ser julgado por um crime de detenção de arma proibida.

No processo estavam em causa 189 crimes económico-financeiros.

José Sócrates foi detido em novembro de 2014. O despacho de acusação ao antigo primeiro-ministro e mais 27 arguidos foi conhecido em outubro de 2017.

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