Numa conferência virtual hoje organizada pelo Departamento de Estado norte-americano, a que a Lusa assistiu, duas especialistas em Política Internacional procuraram desmontar o que consideram ser a “estratégia de desinformação intensiva” que o Kremlin está a usar durante a crise nas fronteiras da Ucrânia.

Nina Jankowicz, investigadora do Wilson Centre e autora do livro “Como perder a guerra da informação: Rússia, ‘Fake News’ e o futuro dos conflitos”, defendeu a tese de que as autoridades russas estão a disseminar quatro grandes falsas narrativas sobre a crise ucraniana.

“A primeira narrativa é a de que há um grupo de oligarcas ucranianos interessados em prejudicar os interesses russos. A segunda narrativa culpa a NATO pela crise nas fronteiras da Ucrânia. A terceira narrativa atribui o conflito aos lóbis da energia e das armas. A quarta narrativa imputa responsabilidade pela crise ao Governo de Kiev”, disse Jankowicz.

Estas narrativas estão a ser disseminadas em diferentes plataformas mediáticas, desde as redes sociais na Internet, até aos meios de comunicação social tradicionais, ao abrigo de planos milionários de propaganda do Kremlin, que investe centenas de milhões de euros para promover os seus interesses.

“O Kremlin tem vindo a aumentar o seu orçamento para estas operações, há mais de uma década. E trata-se de um orçamento multimilionário, na ordem das centenas de milhões de dólares, que se espalha por todo o mundo”, epxlicou Jankowicz.

A segunda palestrante na conferência, Joanna Rohozinska – diretora do Instituto Internacional Republicano, com sede em Bruxelas — lembrou que nada disto é novo nos cenários de conflito.

“Não foi a primeira vez que se usou propaganda em tempo de guerra. Não foi a primeira vez que se procurou disseminar informação falsa, no meio de um conflito. Estas práticas são usadas há muito tempo, apenas se têm vindo a apurar, tornando-se mais sofisticadas”, explicou Rohozinska.

A investigadora explicou que a Rússia já tinha ensaiado táticas idênticas durante a anexação da Crimeia, em 2014, embora, nessa altura, as técnicas fossem “muito mais rudimentares”.

Nina Jankowicz recordou que em 2014 a Rússia usou ferramentas de desinformação mais básicas, como criar perfis falsos nas redes sociais, para criar pressão sobre opiniões críticas do Kremlin.

“Os especialistas russos perceberam que as pessoas estão agora mais alerta para estas estratégias e as próprias empresas que controlam as redes sociais como o Facebook ou o Twitter filtram estas situações e identificam e eliminam os perfis falsos. Por isso, desta vez estamos a assistir à disseminação de informação através de contas oficiais no Telegram ou o recurso aos ‘media’ tradicionais para reforçar mensagens”, explicou Jankowicz.

Rohozinska chamou também a atenção para o esforço que as autoridades ucranianas têm feito para combater as estratégias de desinformação vindas do Kremlin, criando programas de literacia mediática, muitas vezes com apoio financeiro do Ocidente.

“A Ucrânia tem sido eficaz a combater a desinformação. E a contra-atacar. Há numerosos grupos civis que lançam acusações, nem sempre verídicas, contra o Kremlin, num esforço de contrabalançar a desinformação russa que entra no território”, denunciou esta investigadora.

“Ironicamente, a Ucrânia entrou no cenário internacional, antes desta crise, porque o Kremlin tentou descredibilizar Kiev, atirando para cima do Governo ucraniano a responsabilidade por várias ações de ciberataques contra o Ocidente”, lembrou Rohozinska, referindo-se a várias denúncias feitas pelo Presidente Vladimir Putin, quando se defendeu de acusações de interferência nas eleições presidenciais norte-americanas, em 2016 e em 2020.

Nina Jankowicz, que tem estudado a relação entre as democracias na Europa de Leste e as tecnologias de informação, referiu ainda que o Governo ucraniano tem sido muito ativo a silenciar meios de comunicação pró-russos, sobretudo na região próxima da Crimeia anexada, onde proliferam movimentos separatistas apoiados por Moscovo.

Nesta sessão apadrinhada pelo Departamento de Estado norte-americano — a primeira de uma série de conferências sob o título de “Unidos pela Ucrânia” — Jankowicz e Rohozinska sublinharam ainda a competência dos serviços de informações ocidentais, que têm-se revelado eficazes a detetar e a denunciar manobras de desinformação por parte do Exército russo, nomeadamente a tentativa de planear ações de culpabilização de grupos ucranianos por ataques provocatórios contra as forças russas (“falsas bandeiras”).

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