“Não se tratando de um lapso, só pode ser lido como uma provocação aos órgãos de governo próprio da região, porventura sendo conivente com interesses estranhos à data, aos madeirenses e aos portugueses em geral”, refere o executivo madeirense em nota de imprensa.

O Governo Regional (PSD/CDS-PP), liderado pelo social-democrata Miguel Albuquerque, indica ter sido convidado para as celebrações do 10 de Junho que vão decorrer em Braga, “onde a Madeira tem algumas dezenas de estudantes”, mas não para as cerimónias que irão ocorrer em Londres, no Reino Unido, onde os madeirenses representam “cerca de um terço” da comunidade portuguesa residente.

A nota do executivo regional refere que a atitude da Presidência da República é “pouco compreensível” e sublinha que os madeirenses constituem a comunidade portuguesa “mais antiga, maior e mais relevante” no Reino Unido, do ponto de vista social, económico e cultural.

O governo liderado por Miguel Albuquerque considera que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, comprovou ter “absoluta consciência da dimensão agregadora” da data, quando anunciou em 2019 que as celebrações do dia 10 de Junho seriam no ano seguinte, 2020, seriam na Madeira e num destino de emigração madeirense (África do Sul).

“O dia 10 de Junho é por excelência o dia em que se celebra a portugalidade e a coesão nacional, porque é o dia da Nação Portuguesa, das nossas comunidades espalhadas pelo mundo e do símbolo maior da nossa Língua”, refere a nota, acrescentando: “O senhor Presidente da República, ao longo do seu mandato, deu início a uma inovadora forma de assinalar o 10 de Junho, repartindo entre comemorações em território nacional e junto das nossas comunidades.”

Por isso, o Governo Regional da Madeira afirma ser “pouco compreensível” ter sido convidado para participar apenas nas cerimónias em Braga e classifica como “provocação” a ausência de convite para estar presente em Londres.

As comemorações oficiais do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas arrancam hoje de manhã em Braga com o içar da bandeira nacional, na presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Em Braga, o chefe de Estado manterá um programa intenso até sexta-feira, quando intervirá na cerimónia militar comemorativa do 10 de junho, em que também irá discursar o constitucionalista Jorge Miranda, que preside à comissão organizadora destas comemorações.

Depois, as celebrações do Dia de Portugal prosseguirão em Londres, no Reino Unido, com a participação do Presidente da República e do primeiro-ministro, António Costa, que voltam a assinalar esta data junto de comunidades emigrantes portuguesas, retomando um modelo que lançaram juntos em 2016, interrompido nos últimos dois anos devido à pandemia de covid-19.

Visita de PR e PM “oportuna” perante "impacto emocional" do Brexit

“Parece-me particularmente oportuno porque esta é a segunda maior comunidade portuguesa num país europeu [a seguir a França] e porque acontece depois de uma consumação verdadeira do Brexit”, realçou a diplomata, em serviço no país desde 2018.

O processo de saída do Reino Unido da União Europeia (UE), vincou, teve "um impacto não só emocional e psicológico sobre a comunidade, mas com exigências concretas que os portugueses tiveram de cumprir”.

Nos últimos anos, os consulados de Portugal passaram a ser um ponto essencial de contacto e apoio da diáspora, estimada em mais de 400 mil pessoas.

O referendo que ditou o Brexit, em 2016, desencadeou uma corrida “sem precedentes” a documentos de identificação, essenciais para obter o direito de residência e inscrição no Sistema de Registo de cidadãos da União Europeia [EU Settlement Scheme, EUSS].

O Consulado-geral de Londres passou a ser o que mais emite passaportes em todo o mundo e o segundo, a seguir a Paris, em número de Cartões do Cidadão.

Os postos passaram também a ser pontos de contato para informações sobre o estatuto de residência no Reino Unido e desdobraram-se em sessões de informação junto da comunidade portuguesa, incluindo aqueles de origem timorense e indiana, com tradução nos dialetos tradicionais tétum, concani e guzerate.

Apesar de o EUSS ter oficialmente fechado em 31 de junho de 2021, o Ministério do Interior britânico continua a aceitar candidaturas de pessoas vulneráveis que não conseguiram completar o processo a tempo.

Os consulados são frequentemente chamados a ajudar em casos de indocumentados, indigentes, pessoas em situação de sem-abrigo, menores ao cuidado de serviços sociais.

“O Brexit resultou numa exigência adicional de esforço de informação, de apoio direto a cidadãos. Tenderá progressivamente a diminuir, mas nesta fase ainda se justifica pelo número de casos que continuamos a detetar”, contou Pucarinho.

Este acréscimo de solicitações, junto com as restrições de funcionamento durante a pandemia de covid-19, resultou no congestionamento do atendimento dos consulados, com tempos de espera por marcações que ultrapassam seis meses e dificuldades de contacto por telefone e correio eletrónico.

Esta situação é frequentemente levantada pela comunidade e motivo de protestos junto das autoridades portuguesas.

“As críticas são justificadas e reconheço que existe uma evidente margem para melhoria na prestação dos nossos serviços, mas também há muitas críticas que são desprovidas de fundamento. Houve muitas melhorias ao longo dos dois últimos dos últimos anos”, argumentou a diplomata.

A passagem do Reino Unido a um país terceiro da União Europeia implicou também uma adaptação dos consulados, que passaram a ser bastante requisitados para emitir vistos de viagem a britânicos que vão viver, trabalhar ou estudar em Portugal.

Recentemente, o posto de Londres iniciou um projeto piloto na área da segurança social para prestar informação sobre as condições de regresso a Portugal, nomeadamente em termos de direitos de pensões de aposentação para aqueles que fizeram contribuições no país de origem.

“Percebemos que existe a intenção de preparação do regresso a Portugal em algum momento adiante nas suas vidas”, indica a cônsul.

Sobre o aumento do fluxo de emigrantes que estão a voltar a Portugal, que empresários e dirigentes associativos indicaram à Lusa estar a acontecer, a cônsul confirma estar a emitir “centenas” de certificados de bagagem “por mês”.

Este tipo de documentação passou a ser exigido deste a saída do Reino Unido da UE para efeitos de isenção fiscal na importação dos bens, no caso de mobílias, equipamento eletrónico e outros pertences que os emigrantes estão a transportar para Portugal.

“Há algum fluxo de regresso a Portugal (…) mas pensando na dimensão da nossa comunidade, não é um fenómeno muito significativo”, garantiu.

Comunidade no Reino Unido uma das mais diversas da diáspora portuguesa

Formada por cerca de 400 mil pessoas, de acordo com os dados do  Sistema de Registo de cidadãos da União Europeia, mais de metade chegou depois de 2010, em grande parte resultado da vaga de emigração causada pela crise financeira da dívida soberana.

Números do Ministério do Trabalho britânico mostram que cerca de 226.000 portugueses registaram-se entre 2011 e 2019 na Segurança Social, um requisito obrigatório para poder trabalhar ou ter apoio social.

O fluxo desacelerou bastante depois do referendo que ditou o ‘Brexit’, em 2016, e quase estancou desde 2020 devido às limitações de  circulação durante a pandemia covid-19 e após a entrada em vigor, em 2021, de novas regras mais rígidas para a imigração.

Inicialmente dominada por madeirenses que se mudaram para o Reino Unido para trabalhar no setor dos serviços, como turismo e  restauração, a comunidade é atualmente mais variada em termos de naturalidade e de dispersão geográfica pelo país.

Com base nas inscrições consulares, 40% dos emigrantes portugueses no país nasceram em Portugal e 17-18% são lusodescendentes, ou seja, nascidos no Reino Unido, adiantou à Agência Lusa a cônsul-geral em Londres, Cristina Pucarinho.

No entanto, quase um quarto do total, entre 24-25%, são naturais de países lusófonos, como Brasil, Angola ou Timor-Leste, e 18%, nasceram na Ásia, essencialmente na Índia.

Isto é resultado de a lei permitir que descendentes de cidadãos portugueses nascidos nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), nas antigas colónias de Goa, Damão e Diu e que timorenses nascidos antes da independência em 2002 possam obter a nacionalidade portuguesa.

"Um fenómeno mais recente são os portugueses da Venezuela de origem madeirense, que têm aqui familiares e amigos e que transitam pela Madeira, mas acabam por se fixar no Reino Unido, na área de Londres ou na ilha de Jersey", revelou a cônsul.

A maior parte da diáspora portuguesa no Reino Unido está concentrada na área metropolitana de Londres, cerca de 40%, e a restante está dispersa pelo resto do país, com alguns focos na região de Anglia (costa este de Inglaterra), Ilhas do Canal (Jersey e Guernsey), Leicester, Manchester, Birmingham, País de Gales, Irlanda do Norte e Escócia.

Em termos de atividade profissional, existem portugueses em todos os setores de atividade, desde a agricultura, construção civil e manufatura a serviços como limpezas, finança ou arquitetura ou ainda em áreas como as artes, desporto, ciência e ensino superior.

Embora nos últimos anos tenham emigrado para o Reino Unido muitos profissionais altamente qualificados, como enfermeiros e médicos, as estatísticas britânicas indicam que a maioria dos cidadãos portugueses no Reino Unido têm qualificações médias, isto é, apenas completaram o ensino secundário.

Em geral, diz Cristina Pucarinho, a imagem dos portugueses no Reino Unido é positiva e gradualmente está a tornar-se mais visível, com sete autarcas eleitos nas eleições locais de maio.

“A comunidade portuguesa está bem integrada, sente-se bem no Reino Unido, sente-se bem acolhida e é reconhecida”, garante.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai estar na capital britânica de 10 a 12 de junho por ocasião das celebrações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, juntamente com o primeiro-ministro, António Costa, e outros membros do Governo.

Quando assumiu a chefia do Estado, em 2016, o chefe de Estado iniciou em articulação com o Executivo um modelo inédito de duplas comemorações do 10 de Junho, primeiro em Portugal e depois junto de comunidades portuguesas no estrangeiro.

Em 2016 o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas foi celebrado entre Lisboa e Paris, em 2017 entre o Porto e o Brasil, em 2018 entre os Açores e os Estados Unidos da América e em 2019 entre Portalegre e Cabo Verde.

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