Dispersas por um espaço amplo todo pintado de branco, onde sobressai um chão azul claro, as 25 camas da nova Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) polivalente, apetrechada com equipamentos inovadores no valor de 1,8 milhões de euros, vêm juntar-se às já existentes, passando a totalizar 44.

As 25 camas da nova UCI, com uma área de 1.300 m2, são todas de nível III, indicadas para doentes complexos que necessitam de suporte respiratório por falência multiorgânica.

Além do investimento estatal e de verbas próprias, o CHULN teve doações de vários mecenas, como a Fundação Oriente, Cristiano Ronaldo e o empresário Jorge Mendes.

No dia da reportagem da Lusa, na terça-feira, vários trabalhadores davam os últimos retoques na pintura das paredes, varriam, colocavam monitores e equipamentos, para que tudo estivesse pronto para abrir hoje as portas e começar a receber doentes a 1 de junho.

Para o presidente do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), Daniel Ferro, a nova UCI representa “um bom reforço” nos cuidados intensivos, cujo número de camas quadruplicou em cinco anos, passando de 11 para 44.

Além do crescimento físico, o Serviço de Medicina Intensiva passa a estar também equipado com inovações tecnológicas que permitem a gestão em rede de todos os equipamentos e a análise mais eficiente dos dados para tratamento e investigação clínica.

“No período da pandemia que vivemos temos possibilidade de refletir sobre os meios que tínhamos ao doente crítico e reforçá-los e esta unidade é exatamente nessa linha como outras medidas que temos em preparação”, disse o responsável do CHULN, que integra os hospitais Santa Maria e Pulido Valente.

Para Daniel Ferro, o papel e a missão do centro hospitalar têm que ser cada vez mais no seu apetrechamento para atender “mais doentes críticos” e ter “melhores condições de atendimento”.

“A aposta na requalificação do centro [hospitalar] tem sobretudo que ver com o reforço de meios diferenciados, quer tecnológicos, quer do ponto de vista dos serviços e dos cuidados a prestar no Hospital Santa Maria, de forma a que se prepare o Pulido Valente para prestar também melhores cuidados na área de ambulatório”, sublinhou.

Nas instalações da nova UCI, que tem acesso direto ao Serviço de Urgência, o diretor do Serviço de Medicina Intensiva, João Ferreira, afirmou que este projeto de requalificação é “muito importante” em todos os vetores da Medicina Intensiva.

“É muitíssimo relevante do ponto de vista assistencial, formativo, e do ponto de vista do desenvolvimento de projetos ligados à inovação em saúde e do ponto de vista investigacional”, salientou.

Para João Ferreira, é importante que nesta fase se olhe “com serenidade e com objetividade” para o período que se acabou de viver e que “foi dominado pela expressão e pela pressão determinada pela pandemia”.

“Devemos avaliar com serenidade, com objetividade aquilo que era a nossa condição e identificarmos as áreas onde é fundamental melhorar para preparar o país, não digo para as próximas pandemias, mas para as próximas gerações. É uma obrigação que assiste a todos de forma permanente”, defendeu.

No seu entender, a pandemia veio pôr em evidência “as insuficiências” que existiam no SNS: “Algumas já foram identificadas, estão a ser analisadas, debatidas, e muitas já foram reconhecidas e, portanto, já muito se refletiu também nessa matéria”.

Considerou que este projeto de requalificação é também “uma resposta pragmática, objetiva, muito adequada e muito sensata àquilo que foi identificado como uma insuficiência do Serviço Nacional de Saúde”.

Questionado se a resposta à pandemia foi adequada, João Ferreira afirmou: “Para quem está na posição em que eu me encontro, neste ponto de observação, eu acho que a resposta que o país deu ao nível daquilo que eram as instituições de saúde, dos profissionais de saúde, só pode ter um qualificativo, que é obviamente positivo”.

Contudo, defendeu ser importante ter “a opinião de quem olha para a mesma realidade noutros pontos de observação”, considerando que é “uma responsabilidade que assiste a todos enquanto comunidade”.

“Nós estamos a dois três meses de distância de um tumulto que arrasou o país, mas parece que já foi muito distante”, comentou, aludindo ao pico da pandemia ocorrido em janeiro.

Mas, realçou, estão a construir-se “linhas de ação e de resposta edificantes para o país e que podem ajudar a corrigir assimetrias ou insuficiências que existiram”.

Santa Maria ganhou maior prontidão graças à capacidade de adaptação

Para dar resposta aos milhares de doentes com covid-19, mas também aos outros doentes, o Hospital Santa Maria foi obrigado a fazer várias transformações nos serviços, a apostar no apetrechamento das estruturas, o que representou um investimento de quase 10 milhões de euros.

“A pandemia [que se iniciou em março de 2020] deu-nos uma experiência enorme em relação a essa capacidade operacional, porque tivemos que adaptar e abrir num curto espaço de tempo cerca de 15 enfermarias e cinco unidades de cuidados intensivos”, salientou Daniel Ferro, presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHULN).

Hoje, o hospital tem essa experiência de que se precisar de uma unidade de cuidados intensivos o tempo mínimo que precisa para a montar são três a quatro dias e no caso de uma nova enfermaria 24 a 48 horas.

“Isto é a experiência de quem passou por um plano intenso de ativação de enfermarias e de cuidados intensivos e também a experiência dos nossos profissionais”, salientou.

Houve uma redefinição dos circuitos, reconstituição das equipas, instalação de equipamentos e “toda essa experiência acumulada” dá hoje “uma confiança neste estado de prontidão para prazos muito, muito, muito curtos de instalação”.

“Hoje, o hospital tem um estado de prontidão bastante maior do que tinha graças à sua capacidade de adaptação e esta foi no fundo a grande lição que nós tirámos desta pandemia”, salientou.

Outra grande lição, referiu, são os profissionais poderem vir a ser chamados para prestarem funções em outras áreas diferentes do seu trabalho normal, “o que deu às equipas uma maior flexibilidade funcional”.

Todas estas mudanças representaram gastos “muito elevados”, mas, segundo Daniel Ferro, “ficou esse património, esses espaços e essas unidades” que podem voltar a ser necessários.

Sublinhou ainda que este “gasto significativo” terá que gerido ao longo do tempo para não afetar no futuro o normal funcionamento do CHULN, que integra os hospitais Santa Maria e Pulido Valente.

Relativamente à urgência dedicada à covid-19, instalada em frente ao Serviço de Urgência Central, Daniel Ferro afirmou que “é uma estrutura com grande capacidade”, onde estão instalados 53 postos de trabalho e por onde passaram cerca de 30 mil doentes.

Apesar de ter agora níveis residuais de atendimento, “é uma linha de atendimento enorme” que só deverá ser desmantelada quando houver a “segurança de que não haverá regressão deste fenómeno”.

“Já se consegue ver a luz ao fundo do túnel é verdade, mas ainda assim há que manter o estado de prontidão para qualquer retrocesso que possa existir, mesmo que não seja a níveis tão intensos, é uma estrutura que do ponto de vista da prevenção, da cautela, devemos manter em prontidão por mais algum tempo”, defendeu.

No espaço de um ano, também passaram pelos cuidados intensivos mais de 500 doentes com “níveis de gravidade intensa (90% ventilados)”, dos quais 80% sobreviveram, “um indicador de qualidade muito bom em qualquer parte do mundo”.

Quanto aos atendimentos e internamentos por covid-19, Daniel Ferro disse que estão a um nível assistencial “muito baixo” semelhante ao início da segunda semana de março 2020.

“Temos um número muito residual de pessoas internadas e o número de pessoas também tratadas em urgência é semelhante”, o que permite relançar a atividade normal para níveis anteriores à pandemia ou superiores, como está a acontecer, por exemplo, na área cirúrgica.

Daniel Ferro espera recuperar num espaço de tempo mais curto do que se pensava toda a atividade cirúrgica que “ficou um pouco adiada por virtude da mobilização de meios para assistência à covid”, bem como as consultas.

“As pessoas hoje têm uma consulta em menos tempo, são chamadas para as prioridades clínicas também em menos tempo, portanto, estamos confortáveis porque temos hoje níveis de acessibilidade melhores do que aqueles que existiam antes da pandemia”, destacou.

Para o presidente do CHULN, “os serviços de saúde saem mais fortes desta pandemia, porque deram prova de que ao trabalhar no limite foi dada uma resposta de um bom Serviço Nacional de Saúde e isso hoje deve ser valorizado pela população”, considerou.

“São lições positivas que nós tiramos da pandemia e que hoje nos faz sentir com mais confiança, mais confortáveis porque sabemos que estamos melhor preparados”, rematou.