Segundo contou à Lusa o jornalista António Sacuvaia, pelas 06:00 eram visíveis nos bairros dos Zangos 2 e 3 e no Cacuaco, “paragens apinhadas” e filas de táxis azuis e brancos, transportes coletivos também conhecidos como “quadradinhos” e “candongueiros, hoje parados devido à greve convocada por três associações de taxistas.

Sacuvaia relatou que alguns taxistas impediram outros colegas de trabalhar e alguns “lotadores” (jovens que se encarregam de lotar o táxi e preencher todos os lugares disponíveis) foram ameaçados e forçados a partir vidros e furar pneus das viaturas para que estas não pudessem circular.

Vídeos e fotografias postas a circular nas redes sociais mostram um cenário caótico em alguns pontos da cidade, com destaque para o que se vive no distrito urbano de Benfica, mais afastado do centro da cidade, onde um grupo de jovens incendiou bandeiras do MPLA e o edifício do comité distrital do partido que governa Angola há 46 anos.

Os vídeos mostram também estradas cortadas pela população com “zungueiras” (vendedoras ambulantes”) e jovens a impedir a circulação de autocarros e automóveis.

A paralisação foi convocada pela Associação Nova Aliança dos Taxistas de Angola (ANATA) Associação dos Taxistas de Angola e Associação dos Taxistas de Luanda e estende-se a nove províncias do país.

Os taxistas queixam-se do excesso de zelo dos agentes policiais de que são alvo e do mau estado das estradas e exigem profissionalização da atividade e formalização do anúncio do regresso à lotação a 100% dos transportes coletivos, feito na sexta-feira passada pelo ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente da República, Francisco Furtado.-

Taxistas angolanos reafirmam greve e demarcam-se de atos de vandalismo

Em declarações à agência Lusa, o presidente da Associação Nova Aliança dos Taxistas de Angola (ANATA), Francisco Paciente, lamentou a ausência de diálogo com as autoridades.

“Infelizmente, as autoridades continuam a mentir à opinião pública, em dizer que estavam reunidos no período da manhã com as associações, isto não é verdade, e esta greve só se materializou por este facto, das autoridades serem reativas ao invés de proativas”, disse.

Em declarações à Radio Nacional de Angola, o diretor provincial de tráfego e mobilidade de Luanda, Filipe Kumandal, afirmou que algumas associações de taxistas "se têm furtado ao diálogo", sugerindo que "só pode haver alguma coisa por trás disto", uma vez que a primeira parte das reivindicações - regresso à lotação máxima - foi atendida e as restantes "estão em tratamento".

No entanto, segundo Francisco Paciente, “não houve nenhum contacto das autoridades com as três organizações que convocaram a paralisação”.

“As autoridades estão a forjar indivíduos para se fazer passar por associações, quando elas sabem quem são os verdadeiros responsáveis e promotores. Até tem um comunicado que circula nas redes sociais e os órgãos de imprensa públicos, a TPA [Televisão Pública de Angola], TV Zimbo, em momento algum contactaram um dos organizadores”, referiu.

Francisco Paciente disse que, no lugar dos responsáveis das associações, os órgãos de imprensa pública estão a contactar “pequenos empresários do setor dos transportes privados, para se fazer passar como líder das associações, a desconvocar a paralisação e deu no que deu porque os taxistas ficaram mais furiosos ainda”.

“Porque viram a televisão pública a passar imagem de indivíduos estranhos a falarem em nome dos taxistas. Agora ouvi num órgão de comunicação social, a Polícia Nacional a dizer que estão a conversar com as associações no Benfica, mas todos os líderes das associações que convocaram [a greve] não receberam nenhuma comunicação, absolutamente nenhuma para o diálogo”, frisou.

O líder associativista denunciou que “estão a forjar indivíduos, que estão a agitar as pessoas para fazerem barricadas”.

“Essas pessoas não identificadas, supostamente forjadas pelos serviços secretos ou não sei, para tentarem manchar o nome das associações, por isso é que o Governo até agora não dialoga, o Governo quer criar condições para manchar as associações, ao invés de resolver, de se sentar, quer vingar-se, criar condições de queima de viaturas, conforme estão a fazer no Benfica, de agressão, de vandalismo”, acusou.

O presidente da ANATA destacou que as reivindicações não se prendem apenas com a redução da lotação dos taxistas, impostas pelo decreto presidencial do estado de calamidade, devido à covid-19, mas estão em causa também “reivindicações antigas” que foram suspensas em março do ano passado, quando anunciaram uma paralisação dos serviços, e que não foram respondidas pelo Governo até à presente data.

“Foram feitas várias promessas e das promessas feitas absolutamente nenhuma” foi cumprida, disse, com exceção da reparação de um troço de uma estrada nos Congoleses.

Quanto à inclusão dos taxistas na segurança social, ao acesso à carteira profissional, exclusão em algumas artérias da província de Luanda, continuam por resolver e, "pelo contrário, o abuso da autoridade dos agentes na rua piorou, ou seja, degradou-se a relação taxistas e polícia”, indicou.

O levantamento da restrição da lotação, que determinava a ocupação de 30% da sua capacidade, foi feita apenas de “forma verbal” pelo Governo, disse.

Depois dessa resposta verbal, prosseguiu o líder da ANATA, “o Governo foi usando pessoas estranhas para passar na comunicação pública, sem o contraditório daqueles que convocaram a paralisação, para fazer crer às pessoas e à opinião pública que não haveria paralisação”.

“As pessoas hoje foram à rua convencidas que não haveria paralisação, porque a comunicação pública mentiu e estão a verificar que os taxistas todos estão paralisados”, realçou.

Francisco Paciente reafirmou disponibilidade para o diálogo, reforçando que “os atos praticados pela administração pública devem ser feitos por ata, por memorando”.

Jornalistas angolanos da TV Zimbo e TV Palanca sofrem tentativa de linchamento

Em declarações à Lusa, Telmo Gama, da TV Zimbo, explicou que se encontrava com um colega, repórter de imagem, em Benfica (arredores de Luanda), para acompanhar os tumultos desta manhã.

“Quando nos aproximámos do local para filmar, alguns indivíduos tentaram retirar-nos à força, mas um outro grupo solidarizou-se e tentou escoltar-nos até à esquadra”, disse o jornalista.

Telmo Gama sublinhou que o momento de maior apreensão aconteceu quando ouviu alguém gritar “não atira combustível”.

“Nesse momento, apercebi-me que algumas gotas de líquido que me tinham atingido e que pensei que eram de água eram combustível e tentei sair imediatamente no local”, contou.

Em Luanda, são frequentes os casos de criminosos ou suspeitos de crimes apanhados pela população que são queimados vivos.

O jornalista da Zimbo adiantou que não conseguiu identificar os agressores, mas indicou que “não são taxistas”, o que lhe foi confirmado também pela polícia.

“Presume-se um aproveitamento da situação para praticar atos de vandalismo e destruição de bens públicos”, sublinhou, acrescentando que “as pessoas estavam com os nervos à flor da pele”.

Na esquadra para onde se dirigiu a equipa da TV Zimbo encontravam-se já colegas da Palanca TV que foram também vítimas de ameaças e tentativa de linchamento.

Um dos jornalistas que integrava a equipa de quatro profissionais deste canal angolano descreveu ao Correio da Kianda que foram “verbal e fisicamente agredidos e quase queimados”, acrescentando que terá sido graças à intervenção policial que o pior não aconteceu.

Entretanto, o coordenador de conteúdos da Comissão de Gestão da TV Zimbo, Amílcar Xavier, já repudiou o “ato de intolerância”.

“Somos apenas mediadores do espaço público. Estamos apenas a exercer o nobre papel que é o de servir a causa pública”, disse à Lusa, sublinhando que estes atos devem ser condenados por toda a sociedade.

A Polícia de Luanda anunciou que foram já detidas 17 pessoas supostamente envolvidas em atos de vandalismo, no distrito urbano de Benfica.