No Sudão desde 2018, onde chegou poucos meses antes da revolução que derrubou o Presidente Omar al Bashir e onde exerce as funções de chefe do Gabinete de Coordenação da Ajuda Humanitária das Nações Unidas (OCHA), Paola Emerson considera este país “fascinante” e enaltece, entre outros aspetos, o seu respeito e reconhecimento pela ajuda humanitária.

“Ao contrário do que aconteceu em outros palcos de conflitos onde estive, como o Afeganistão (entre 2002 e 2004) ou o Iémen (2012 e 2013), no Sudão existe uma grande aceitação da ajuda humanitária, cujo papel é, inclusive, explicado à população”, disse à Lusa.

“A certa altura, as próprias Nações Unidas e as agências humanitárias passaram a ser um alvo, o que não acontece no Sudão, onde há um contexto que facilita a ajuda humanitária. Isso tem sido muito importante”, adiantou.

Com 57 anos de idade e 30 ao serviço das Nações Unidas, 20 dos quais a trabalhar na ajuda humanitária, Paola Emerson considera “extraordinário que o Sudão tenha mantido as portas abertas aos refugiados e dado apoio a estes refugiados, num contexto em que há tantas dificuldades internas”.

E são cada vez mais os refugiados que procuram no Sudão um refúgio da violência, como os que chegam da Etiópia desde novembro do ano passado.

No início deste ano, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) avançou que mais de 56 mil pessoas oriundas da Etiópia tinham dado entrada no país vizinho, o Sudão, para fugir da violência na província etíope de Tigray.

Paola Emerson considerou que a situação no Sudão – que vive uma crise profunda desde o conflito em 2003, no Darfur, quando nesta região os rebeldes (não árabes) se insurgiram contra o Governo, que apoiou milícias árabes (janjawid) – se agravou nos últimos três anos.

O país africano “tem vivido uma crise económica muito grande em resultado de uma vulnerabilidade muito grande da população, com uma inflação superior a 400%”.

“O preço da comida é altíssimo, 600% mais alto do que a média nos últimos cinco anos em alguns produtos”, exemplificou.

A vulnerabilidade, que “começou no oeste e sul do país e que agora atravessa todo o país”, aumentou e o número de pessoas vulneráveis duplicou, entre 2019 e 2020″, agravando-se também o nível de vulnerabilidade, que se regista em vários níveis: alimentação, educação, água potável e saneamento.

Paola Emerson atribui a crise aos conflitos de que o Sudão tem sido palco, mas também ao isolamento internacional que sofreu durante muitos anos e que se começou a alterar antes da revolução, após a qual houve uma integração na comunidade internacional, que agora está hipotecada, devido ao golpe militar de 25 de outubro, quando os militares, liderados pelo general Abdel Fattah al-Burhan, dissolveram as autoridades de transição e decretaram o estado de emergência, detendo elementos do Governo, entre os quais o primeiro-ministro.

As preocupações de Paola Emerson direcionam-se com o apoio para a área de desenvolvimento, que foi suspenso desde o golpe, referindo que ainda só chegou à região menos de um terço do financiamento necessário para a ajuda humanitária.

“A assistência humanitária continua e, nesta altura, estimamos que o número de pessoas que precisam de uma grande ajuda humanitária vai aumentar, tendo em conta a incerteza que ainda reina no país e o impacto que isto tem no apoio bilateral que tem beneficiado o Sudão desde o início do processo democrático”, disse.

No Sudão, a ajuda humanitária é assegurada por 90 organizações, das Nações Unidas e das Organizações Não Governamentais (ONG), que dão apoio a nove milhões de pessoas, embora este número deva ser muito maior.

“Tínhamos começado a fazer uma análise profunda de indicadores humanitários, para chegar a uma estimativa sobre as pessoas que precisam de ajuda humanitária para 2021 e 2022 e estimávamos que o número ia ser maior do que o deste ano, sobretudo tendo em conta a suspensão da assistência de desenvolvimento que apoiava as instituições”, adiantou.

Tendo em conta que alguns serviços básicos da administração pública, como a nível da saúde e da educação, estão afetados desde o golpe, Paola Emerson acredita que a situação poderá piorar em breve e disse esperar que o apoio, entretanto suspenso, seja retomado.

“Toda a incerteza que foi gerada pelo golpe de Estado tem tido outras consequências. Há um apelo à desobediência civil, o serviço público não está a funcionar aos níveis anteriores, os quais já antes precisavam de apoio”, acrescentou.

No meio da incerteza, as operações humanitárias têm prosseguido o seu trabalho: “Temos muita experiência em crise, temos planos para rapidamente recuperar as ações”.

Paola Emerson vai continuar no Sudão, onde identifica uma série de características extraordinárias. Para trás deixa um percurso que passou por países como Timor-Leste, Afeganistão, Iémen e Quénia.