O procurador, de 69 anos, aprovou pessoalmente a inesperada busca do FBI, em 8 de agosto, à residência de Donald Trump, em Mar-a-Lago, e terá de decidir se serão atribuídos delitos ao ex-presidente.

Julgar um ex-presidente não tem precedentes. Richard Nixon foi perdoado pelo seu sucessor, Gerald Ford, antes que lhe fossem atribuídas acusações pelo escândalo Watergate.

E enquanto Nixon ficou desgastado e renunciou quando caiu em desgraça, Trump, de 76 anos, mantém um controlo ferrenho do Partido Republicano e fala abertamente da possibilidade de voltar a ser candidato às eleições presidenciais de 2024.

"A ideia de julgar um ex-presidente por qualquer coisa é bastante extraordinária", diz Steven Schwinn, professor de direito na Universidade de Illinois Chicago. "Mas os atos de Trump foram bastante extraordinários".

A revista em Mar-a-Lago parece concentrar-se em torno de uma má gestão de documentos secretos, mas Trump também está sob escrutínio por tentar reverter os resultados das eleições de 2020, e pelo seu papel na invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, pelos seus apoiantes, que terminou com cinco mortos.

Trump não foi indiciado até agora por nenhum destes casos, mas o comité parlamentar que investiga o ataque ao Capitólio deixou um caminho aberto para Garland durante uma série de audiências públicas, nas quais apresentou as suas conclusões.

Neste momento, a pergunta que se impõe em Washington é se o procurador seguirá por este caminho.

A operação do FBI à residência de Trump na Flórida deu início a uma tempestade política que poderia transformar-se num furacão se o procurador-geral decidir indiciar o ex-presidente de um país amargamente dividido entre democratas e republicanos.

Garland tem experiência política suficiente para antecipar as consequências de processar Trump, aponta Schwinn, e tem "considerações complicadas a pôr na balança". "De um lado, Garland tem que pensar qual é seu trabalho e este consiste em aplicar a lei", disse. Mas, "por outro lado, é sem dúvida consciente de que qualquer ação judicial contra o presidente Trump encorajará a sua base de seguidores, e já provocou ameaças de violência contra funcionários federais e outros".

Sem medo, nem favoritismo

Trump e os seus aliados republicanos têm acusado Garland, nomeado para o cargo de procurador-geral pelo presidente democrata Joe Biden, de utilizar o Departamento de Justiça para fins políticos.

Trump já disse que considera ser alvo de uma "caça às bruxas".

A operação do FBI levou a aliada de Trump, Marjorie Taylor Greene, a propor uma resolução na Casa dos Representantes para inabilitar Garland por uma "tentativa descarada de perseguir um adversário político".

A resolução não tem nenhuma possibilidade de ser aprovada na Câmara, controlada pelos democratas.

À esquerda do partido, alguns democratas têm acusado Garland de demorar demasiado tempo para agir contra o ex-presidente que, consideram, deveria estar atrás das grades por incentivar uma insurreição.

Formado na escola de direito de Harvard, Garland não é alheio a casos de grande repercussão.

Como procurador federal, chefiou a investigação sobre um atentado a bomba cometido e 1995 por extremistas de ultradireita em Oklahoma City, que deixou 168 mortos. Também levou à justiça Ted Kaczynski, o "Unabomber".

Garland foi, depois, o principal juiz do Tribunal de Acusações do Distrito de Columbia e em 2016 foi nomeado para o Supremo Tribunal pelo então presidente Barack Obama.

Mas a maioria republicana no Senado rejeitou a sua nomeação e foi o presidente seguinte - Trump - quem acabou por nomear o juiz que ocupou o posto vago.

Respeitoso do protocolo, Garland tem tentado seguir a política do Departamento de Justiça de não comentar as investigações em curso.

Mas foi forçado a abandonar a sua reticência habitual diante do furor provocado pela operação do FBI e falou rapidamente com os jornalistas na semana passada, devido ao "interesse substancial público neste assunto".

Garland disse que a decisão de revistar a residência de Trump não foi tomada "superficialmente" e destacou que "o Estado de Direito significa aplicar a lei de maneira uniforme, sem medo, nem favoritismo".

*Por Chris Lefkow/AFP