Num comunicado, a organização de defesa e promoção dos direitos humanos, com sede em Londres, adiantou que na investigação foram entrevistadas 26 sobreviventes e prestadoras de serviços, que denunciaram que o novo regime talibã libertou detidos da prisão, incluindo muitos condenados por crimes de violência de género, além de ter encerrado serviços de apoio às vítimas.

Muitos sobreviventes, bem como funcionários de abrigos, advogados, juízes, funcionários do governo e outros envolvidos nos serviços de proteção, estão agora em risco de violência e de morte, acrescenta a AI, cuja investigação decorreu entre 26 de outubro e 24 de novembro, tendo entrevistado seis sobreviventes e 20 outras pessoas envolvidas na rede de apoio.

“As mulheres e raparigas que sobreviveram à violência de género foram abandonadas no Afeganistão. A sua rede de apoio foi desmantelada e os locais de refúgio praticamente desapareceram”, disse Agnès Callamard, secretária-geral da AI.

“É difícil acreditar que os talibãs abriram as portas das prisões em todo o país sem pensar nos riscos que os perpetradores condenados representam para as mulheres e raparigas que vitimaram e para aqueles que trabalharam com elas”, acrescentou.

Callamard defendeu que, para proteger as mulheres e as raparigas, os talibãs têm de permitir a reabertura de abrigos, repor os serviços de proteção para sobreviventes, restabelecer o Ministério dos Assuntos da Mulher e garantir que os prestadores de serviços podem trabalhar livremente e sem medo de retaliação.

A Amnistia apelou à comunidade internacional para que avance com financiamento imediato e a longo prazo para repor os serviços de proteção e para retirar do país sobreviventes e prestadores de cuidados “que enfrentam um perigo iminente”.

Por outro lado, exortou as novas autoridades de Cabul a cumprir as obrigações para com mulheres e raparigas, designadamente as que conseguiram sobreviver ou em risco de violência de género.

As acusações foram rejeitadas a 26 e a 29 de novembro passado pelo porta-voz do regime talibã, Suhail Shaheen, em resposta a um pedido de esclarecimento feito pela própria Amnistia Internacional.

“Não há violência contra mulheres e raparigas de acordo com as regras do Islão. As mulheres que enfrentam violência doméstica podem ir aos tribunais, que ouvirão os seus casos e analisarão as queixas”, afirmou.

Na investigação, a AI indicou ter entrevistado sobreviventes e pessoas envolvidas nos serviços de proteção nas províncias de Badghis, Bamiyan, Daikundi, Herat, Cabul, Kunduz, Nangarhar, Paktika, Sar-e Pul e Takhar.

Antes da chegada ao poder dos talibãs, muitas mulheres e raparigas sobreviventes tinham acesso a uma rede nacional de abrigos e de serviços, incluindo serviços de representação judicial ‘pro-bono’, assistência médica e apoio psicológico.

A AI lembra que o sistema, “longe de ser perfeito”, serviu para apoiar anualmente milhares de mulheres no Afeganistão, onde nove em cada 10 foram alvo de pelo menos um ato de violência por parte do seu parceiro.

Segundo os prestadores de serviços entrevistados pela AI, os casos mais comuns de violência baseada no género envolvem espancamentos, violações e outras formas de violência física e sexual e ainda casamentos forçados, em que as vítimas necessitam frequentemente de assistência médica.

Assim que os talibãs chegaram ao poder em Cabul, o sistema de serviços de proteção colapsou, com o encerramento dos abrigos, muitos deles saqueados e apropriados por elementos do novo regime, que, nalguns casos, assediaram e ameaçaram pessoal que prestava cuidados.

Com o encerramento dos abrigos, as equipas foram forçadas a enviar muitas mulheres e raparigas sobreviventes de volta para as suas famílias, tendo outras sido retiradas à força pelos próprios familiares.

Outras sobreviventes ainda foram forçadas a viver com funcionários do abrigo na rua ou em situações insustentáveis.

Segundo a AI, as mulheres e raparigas sobreviventes não têm a quem recorrer, tendo de enfrentar novamente a violência.

“Os talibãs não têm nenhum procedimento para lidar com esses casos”, lamentou a AI um psicólogo que trabalhou com sobreviventes de violência baseada no género em Cabul.