“Noto algumas alterações do padrão de quem recorre à linha. Antes da pandemia quando era feito um pedido, fosse pela própria pessoa fosse por uma sinalização feita pelas forças de segurança, por exemplo, o problema afetava uma única pessoa. Com a pandemia quando a linha é ativada um telefonema corresponde a dificuldades de um agregado familiar inteiro”, explicou à Lusa a coordenadora da linha 144, Marta Borges.

O número 144 - Linha Nacional de Emergência Social (LNES) - é um serviço telefónico público, gratuito, de funcionamento ininterrupto, 24 horas por dia, todos os dias do ano e que conta com 20 pessoas na equipa central

Nasceu há 20 anos e já passou por muitos momentos de dificuldades no país, mas a pandemia trouxe novos desafios e novos públicos também. Vinte pessoas atendem todos os dias vários pedidos de ajuda.

Segundo Marta Borges, no último ano a linha foi uma porta de entrada no sistema de Segurança Social. Em 32% dos casos este foi o primeiro contacto que as pessoas tiveram com serviços de apoio social e a perda económica decorrente do desemprego representou 59% das ativações.

“Isto é um padrão”, disse, adiantando que algumas pessoas nunca tinham experienciado estas dificuldades e tomam contacto com o apoio social da segurança social através da linha.

“Há a vergonha e a linha é uma grande vantagem, é anónima e as pessoas expõem-se à medida que se sentem mais à vontade para o fazer”, explicou.

Entre 25 de março de 2020 e 28 de fevereiro de 2021 a LNES recebeu 14.440 chamadas, mas dentro destas foram acompanhadas 19.894 pessoas, o que significa que dentro de um telefonema pode estar uma situação mais complexa que não abrange apenas a pessoa que a contacta.

A maior parte das ativações foram situações de perda de autonomia por motivo de doença ou por problemas económicos desencadeados pelo desemprego.

Durante o último ano a linha foi também ativada por outras situações relacionadas com condicionalismos provocados pela pandemia, em especial por cuidadores de pessoas dependentes que, face a um caso de infeção com o novo coronavirus, se viram impedidos de cuidar.

Nestes casos e após um contacto com a linha é ativada a rede de apoio social para que a pessoa que depende de um cuidador não fique desprotegida.

Segundo Marta Borges, tem havido algumas situações destas, com filhos a testarem positivo e a não conseguirem dar assistência aos pais idosos, ou com casais de idosos sozinhos em que um deles é hospitalizado, por exemplo.

A pandemia, adiantou, fragilizou um pouco as redes informais. A covid-19 levou toda a gente a retrair-se mais em casa, a recear contactos com os outros e muitos idosos que eram apoiados pela chamada “rede dos vizinhos”, por exemplo, ficaram isolados e desprotegidos.

“Na pandemia tivemos duas questões de grande impacto: idosos em que um deles que seria o cuidador tem uma doença súbita e foi necessária uma atuação de emergência e o caso dos cuidadores dos filhos com doença profunda”, salientou.

Os pedidos de ajuda surgiram de todo o país, com especial incidência em Lisboa, Porto, Setúbal, Aveiro, Faro e Coimbra, que registarem o maior número de ativações da linha.

Já no interior a situação foi diferente. No Alentejo, por exemplo, a ativação da linha foi marcada por questões relacionadas com empregos precários nas estufas, tendo a pandemia deixado desprotegidos trabalhadores estrangeiros.

Face ao aumento do número de contactos, o Instituto de Segurança Social decidiu a partir de 20 de abril criar equipas de emergência em cada distrito para responder a situações urgentes.

“Tentamos dar uma resposta no máximo em 48 horas e chegámos a ativar equipas durante a noite para situações urgentes”, explicou Marta Borges.

Sónia, técnica da linha 144 desde que foi criada e que prefere ser identificada apenas pelo nome próprio, relembra a “avalanche” de chamadas com pedidos de ajuda logo no primeiro período da pandemia, pedidos esses, garante, que não eram habituais, ou seja, de ajuda económica.

“As pessoas de um momento para o outro viram-se sem emprego e com vencimentos reduzidos. Recebemos muitas chamadas a pedir orientação. Os meses de março e abril de 2020 foram muito difíceis”, relembrou.

Contudo, com a criação em abril de uma equipa de técnicos da Segurança Social para dar resposta a estes pedidos, entre as 09:00 e as 17:00 estas questões passaram a ser transferidas para esse serviço.

Já fora do expediente normal, a linha 144 é sempre a resposta: “Quando os serviços fecham a porta, abrimos nós”.

Em setembro e outubro, explicou, o maior número de chamadas prendia-se com pessoas que tinham sido contaminadas com o vírus, que se encontravam em isolamento e que necessitavam de ajuda para o apoio a terceiros ou para serem apoiados pela rede social local.

Atualmente, explicou, o que mais se denota é a exaustão do confinamento e muitos são os que recorrem à linha apenas e simplesmente para desabafar.

“Vêm desabafar sobre tudo o que está a acontecer e recorrem a nós nesse sentido. Não é bem o nosso âmbito, mas acabamos por atender as pessoas”, explicou.

Sofia, uma outra técnica da Linha Nacional de Emergência Social que também prefere ser identificada pelo nome próprio, destaca também o facto de a pandemia ter colocado nesta rede pessoas que nunca tinham necessitado de apoio, que nunca se tinham visto numa situação de tão grande fragilidade.

“A crise pandémica veio salientar as fragilidades que já existiam, nomeadamente em pessoas com rendimentos baixo. Pessoas que ficaram desempregadas, mas sem contrato, e que acabaram por ficar desprotegidas”, disse.

Esta fragilidade, referiu, foi evidente também em cidadãos estrangeiros em trabalhos informais, com uma situação de vínculo laboral frágil e que a pandemia veio evidenciar ainda mais.

Sofia destaca, contudo, uma perspetiva positiva neste período: a linha ficou mais conhecida pela generalidade da população assim como das forças de segurança.

“Noto que as forças de segurança nos conhecem e recorrem muito a nós quer a pedido das próprias pessoas quer em casos em que se deparam com situações de emergência social”, frisou.

Milhares de pessoas recorreram à Segurança Social entre março e setembro para requerer uma prestação social, havendo quase 12 mil novos beneficiários do Rendimento Social de Inserção.

De acordo com os últimos dados do Instituto de Segurança Social (ISS), entre março (quando foi decretado o estado de emergência por causa da pandemia provocada pela covid-19) e setembro, 32.036 pessoas pediram à segurança social para receber o Rendimento Social de Inserção (RSI), uma prestação social para quem está em situação de pobreza extrema.

Os dois primeiros casos de pessoas infetadas em Portugal com o novo coronavírus foram anunciados em 02 de março de 2020, enquanto a primeira morte foi comunicada ao país em 16 de março. No dia 19, entrou em vigor o primeiro período de estado de emergência, que previa o confinamento obrigatório, restrições à circulação em Portugal continental e suspensão de atividade em diversas áreas.

A suspensão ou restrição de atividade em variados setores, como restauração, comércio, turismo e cultura, entre outros, elevou o número de falências em Portugal, agravou situações de precariedade laboral e provocou aumento do desemprego.