Mara Clemente é investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e começou há cerca de dois anos um estudo para tentar perceber o que acontece às pessoas depois do tráfico, tendo sido a primeira investigadora a quem foi dado acesso a uma casa de abrigo.

Em entrevista à agência Lusa explicou que quis fazer a investigação em Portugal porque é um fenómeno cujas respostas institucionais são recentes no país, tendo em conta que as grandes adaptações ao quadro jurídico começaram em 2007.

Mara Clemente frisou que o tráfico para exploração sexual e prostituição são duas coisas diferentes, mas defendeu que é preciso resolver ambos ao nível político e na forma como cada país lida como eles.

De acordo com a investigadora, “a prostituição é um tema que divide” e sobre o qual os Estados não aceitam interferências externas, defendendo, por isso, que a melhor forma de gerir, tanto no caso do tráfico como no da prostituição, é resolvendo internamente.

Mara Clemente disse ter já falado, para o seu trabalho de investigação, com cerca de 40 organismos governamentais e não governamentais, bem como com órgãos de polícia criminal e que o que apurou permitiu-lhe concluir que “o tráfico para exploração sexual parece o grande tabu”, do qual pouco se fala.

Admitiu mesmo que se tem revelado muito complicado conseguir fazer a investigação, apontando como explicação o facto de serem temas fraturantes.

“A sexualidade e a venda de sexo são temas que dividem, que criam contrastes de que é difícil falar porque há posições opostas que dificilmente comunicam entre elas. São uma forma de pensar nas coisas muito definitiva”, sublinhou.

Revelou que nem sempre conseguiu uma resposta de todos os atores institucionais sobre como é que olham para a prostituição e a venda de sexo, salientando que muitas vezes optam pela “falta de posição”.

Adiantou que em Portugal “foi muito difícil o trabalho de campo”, bem como conseguir falar com os sujeitos da investigação, ou seja, as pessoas traficadas, um problema que diz nunca ter tido noutros países onde já trabalhou, revelando que em dois anos e meio só conseguiu entrevistar três pessoas.

Numa primeira tentativa para contrariar isso, Mara Clemente organiza uma conferência internacional sobre o tema “Políticas e Práticas de gestão da prostituição e do tráfico para exploração sexual”, que vai pôr, segunda-feira, em Lisboa, frente-a-frente investigadores e entidades ligadas ao combate ao crime, ao apoio às pessoas traficadas e às pessoas da indústria do sexo.

A investigadora defendeu que seria importante ter mais interlocutores a falar sobre o tráfico para exploração sexual, ao mesmo tempo que entende ser importante começar a elaborar modelos de intervenção, assistência e integração que sejam elaborados a partir das partes interessadas, ou seja, das pessoas traficadas.

Nesse sentido, apontou que o acolhimento não é necessariamente um processo de integração e que, por exemplo, no caso das mulheres portuguesas, acabam por voltar à mesma vida que tinham antes.

Dados do Observatório do Tráfico de Seres Humanos revelam que, entre 2008 e 2014, foram sinalizadas em Portugal 1.100 pessoas traficadas, um quarto delas cidadãos nacionais, sendo 59% mulheres.