O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) revelou ao SAPO24 que se tem “observado um aumento da circulação de outros vírus respiratórios [além dos que provocam gripe e covid-19], em relação ao que se observou nos meses de outono e inverno, nomeadamente, do Vírus Sincicial Respiratório (VSR) a partir da primavera”. E, segundo o instituto, “desde o final do mês de maio foi observado um aumento do número de casos positivos”.

O que é o Vírus Sincicial Respiratório e porque se está a verificar um aumento dos casos? 

O vírus sincicial respiratório é "um vírus respiratório comum que normalmente causa sintomas ligeiros, semelhantes a uma constipação", explica o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). No entanto, apesar de a maioria das pessoas recuperar numa semana ou duas, o VSR pode causar doenças graves, especialmente em bebés e pessoas mais velhas.

Quais os sintomas do VSR?

Os sintomas são semelhantes aos causados pela covid-19, segundo o CDC. Estes são os mais comuns, que normalmente aparecem em fases - não todos de uma só vez:

  • Nariz a pingar
  • Diminuição do apetite
  • Tosse
  • Espirros
  • Febre

De acordo com o CDC, a maioria das infecções desaparece após duas semanas, mas os doentes com dificuldades respiratórias ou desidratados devem ser hospitalizados; em casos graves, podem necessitar de oxigénio.

Por ser uma doença respiratória, propaga-se da mesma forma que a covid-19: através de gotículas respiratórias da pessoa infetada (frequentemente através de tosse ou espirros) que entram em contacto com os olhos, nariz ou boca, ou em caso de toque numa superfície contaminada com o vírus e depois toque no rosto.

De acordo com dados fornecidos pelo Laboratório Nacional de Referência para o vírus da Gripe e Outros Vírus Respiratórios do INSA, registaram-se “desde outubro de 2020, 124 casos positivos para o vírus sincicial respiratório (RSV), 70% dos quais em crianças com idade inferior a 5 anos”.

Nas últimas épocas de vigilância (entre outubro e maio) o número de casos positivos para vírus respiratórios foi substancialmente superior, nomeadamente para o RSV, que está associado a um número elevado de infeções respiratórias em cada inverno.

“A circulação e transmissão do RSV ocorre com maior intensidade nos meses de inverno, podendo mesmo coincidir com a circulação do vírus da gripe. Estes dois vírus caracterizam-se por uma circulação sazonal associada a meses de temperaturas mais baixas, onde é expectável a ocorrência de epidemias anuais. Pode, no entanto, ser observada a circulação de vírus respiratórios durante todo o ano, mas em baixa  incidência. No contexto atual, e desde o final do mês de maio, foi observado um aumento do número de casos positivos para RSV, situação que também se observou noutros países da Europa", explica Raquel Guiomar, virologista e responsável pelo Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da Gripe e outros Vírus Respiratórios.

A virologista detalha que na Rede Portuguesa de laboratórios no inverno de 2019/2020 foram detetados 2107 casos positivos para RSV (representando 59% dos agentes respiratórios detetados) na Rede de laboratórios hospitalar e 14 casos positivos para RSV (13% do total de vírus respiratórios detetados, exceto vírus da gripe) nas redes sentinela.

Sobre o que poderia motivar este “padrão diferente”, explicam que poderá estar “relacionado com a circulação de elevada intensidade do vírus SARS-CoV-2 e das medidas restritivas e de distanciamento social que foram tomadas”.

Tal como refere o instituto, o mesmo tem sido observado noutros países europeus, como França e o Reino Unido, mas não só. Este aumento de casos também tem sido verificado na Nova Zelândia, por exemplo, ou nos EUA — e agora que as infeções por SARS-CoV-2 continuam a cair, os especialistas alertam para o crescimento da incidência de VSR.

"Devido a esta atividade crescente, o CDC encoraja testes mais alargados para o VSR entre os doentes que apresentem doenças respiratórias agudas e que apresentem resultados negativos para o SARS-CoV-2, o vírus que causa o covid-19", lê-se em comunicado.

Neste momento, o Sul dos Estados Unidos está a verificar um aumento súbito de casos, que tinham sido inferiores ao normal desde abril de 2020, segundo o CDC. Os casos confirmados por laboratório começaram a aumentar em março de 2021, e desde então dispararam em estados como a Florida, Geórgia, Carolina do Norte, Texas, e Oklahoma.

Já, em Wellington, na Nova Zelândia, há atualmente 34 crianças hospitalizadas, das quais quatro em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI), continuando a verificar-se um número crescente de casos de infeção com VSR.

Os surtos nos hospitais da Nova Zelândia têm levado ao adiamento de cirurgias e ao desvio dos recursos dos hospitais para as enfermarias de crianças.

De acordo com o Instituto de Ciência e Investigação Ambiental, a Nova Zelândia reportou quase mil casos de VSR em cinco semanas, quando normalmente, são relatados 1.743 casos durante todo o inverno, que dura 29 semanas. A Austrália também está a sofrer um surto, com os hospitais de Victoria sobrelotados com casos invulgares de VSR.

O que é a dívida ou debilidade imunitária?

Um estudo recente sugere que se está a sofrer uma “debilidade  imunitária” gerada pela covid-19 nas crianças, uma vez que não conseguem desenvolver imunidade a outros vírus. 

De acordo com o estudo, desde o início da pandemia da covid-19 tem sido verificada uma diminuição da incidência de muitas infeções virais e bacterianas em crianças, como bronquiolite, varicela, sarampo, tosse convulsa, doenças pneumocócicas e doenças invasivas meningocócicas. As medidas de prevenção não-farmacológicas, como o confinamento, a lavagem das mãos, o distanciamento social ou máscaras, que limitaram a transmissão do coronavírus, também reduziram a propagação de outros agentes patogénicos, mesmo com a reabertura das escolas.

Assim, a falta de estímulo imunitário devido à redução da circulação de agentes microbianos e a redução da vacinação induziram uma espécie de "dívida imunitária" com uma proporção crescente de pessoas suscetíveis.

“O que estamos a ver agora é um acumular de um grande número de crianças suscetíveis que perderam a exposição – por isso agora estão a vê-lo [VSR] pela primeira vez”, explica Michael Baker, epidemiologista e professor de saúde pública, citado pelo Guardian

Michael Baker recorreu a uma metáfora para explicar a situação: se durante dois anos não houver um incêndio, vai haver mais combustível no solo para alimentar as chamas e quando o incêndio finalmente ocorrer vai arder mais intensamente.

Na Nova Zelândia, os confinamentos do ano passado levaram a uma redução de 99,9% dos casos de gripe e de 98% nos de VSR e quase eliminaram o pico do excesso de mortes que a Nova Zelândia normalmente experimenta durante o inverno.

As máscaras e todas as outras medidas tiveram um efeito positivo a curto prazo, uma vez que evitam a propagação da covid-19, a sobrecarga do sistema de saúde e ajudaram no controlo da pandemia. Por outro lado, a falta de estímulo imunitário devido à redução da circulação de agentes microbianos e à consequente redução do consumo de vacinas induziu a tal "dívida imunitária" que poderá ter consequências negativas quando a pandemia estiver sob controlo e todas as medidas de prevenção forem levantadas. O estudo sugere que quanto mais longos forem estes períodos de "baixa exposição viral ou bacteriana", maior será a probabilidade de futuras epidemias - isto devido a uma proporção crescente de pessoas "suscetíveis" e a uma diminuição da imunidade de grupo a estes vírus.

Os cientistas franceses reportam ainda que, uma vez que o calendário de vacinação francês não inclui vacinas contra rotavírus, varicela, Neisseria meningitidis e serogrupo B (vacina MenB), foram observados repercussões epidémicas mais fortes.

Portugal vai ter uma Rede de Vigilância para o Vírus Sincicial Respiratório

Está em fase piloto o arranque do Projeto de Vigilância da infeção pelo Vírus Sincicial Respiratório (VSR), a rede VigiRSV, que será mais um passo no conhecimento e alerta para o vírus responsável pela principal causa de infeções do trato respiratório inferior em crianças com menos de dois anos. O projeto está a ser formalizado pela Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) e protocolado com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).

“O VSR é responsável pela maioria das bronquiolites e pneumonias víricas e leva a um grande número de hospitalizações, não apenas em crianças de risco, mas maioritariamente em crianças saudáveis e nascidas a termo, o que se traduz num grande impacto familiar e elevados encargos para o SNS. O conhecimento da realidade epidemiológica é fundamental para definir estratégias de saúde. A criação da rede VigiRSV é um passo muito importante neste sentido”, defende Inês Azevedo, presidente da SPP.