"Não basta querermos mais transformação digital, temos de passar da retórica à prática, das palavras aos projetos e investimentos", defendeu Alexandre Fonseca, numa intervenção em que não poupou críticas ao regulador e ao governo.

Para o executivo, o setor das telecomunicações tem estado "sob um ataque feroz e injusto" por parte do regulador setorial, a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom). Trata-se, diz, de "um regulador que não conhece o setor, um regulador incompetente, que ataca de forma hostil e agressiva, que destrói valor, que cria leis que são ilegais, um regulador que cria condições assimétricas para aqueles que investiram nas últimas três décadas no país em detrimento daqueles que supostamente virão um dia investir. Um regulador que aparentemente é impune".

Alexandre Fonseca, que tem sido muito crítico da Anacom no que concerne a condução do leilão do 5G — "há dois anos que venho a alertar para a necessidade de termos um regulador diferente e outro processo de leilão" —, optou por não se alongar sobre este tema em específico, numa semana em que o próprio primeiro-ministro visou a Anacom. 

António Costa considerou que o modelo de leilão para a quinta geração de comunicações móveis "inventado pela Anacom" é o "pior possível", razão pela qual está a provocar um "atraso imenso" ao desenvolvimento da rede em Portugal. Após as declarações do primeiro-ministro, a NOS defendeu que o presidente da Anacom, João Cadete de Matos, deve pedir a demissão, “face aos danos que já causou ao país”, acusando-o também de incompetência.

O leilão do 5G em Portugal tem sido bastante contestado pelas principais operadoras, envolvendo processos judiciais, providências cautelares e queixas a Bruxelas, por considerarem que o regulamento tem medidas "ilegais" e "discriminatórias", o que incentiva ao desinvestimento.

Sem se alongar sobre este assunto na Mobi Summit, Alexandre Fonseca deu outros exemplos daquilo que considera ser o "ataque" ao setor das telecomunicações.

"Temos a Tarifa Social da Internet, com a qual concordamos. Mas o que não podemos concordar é que uma tarifa social, que tem origem pública, depois derive numa solução que é paga integralmente por operadores privados", disse.

Aponta ainda para "a nova taxa para os operadores de televisão por subscrição, que vai duplicar".

A proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022) prevê que os operadores de serviços de televisão por assinatura passem a pagar uma taxa semestral de dois euros por subscritor, que se traduzirá numa taxa anual de quatro euros.

"Temos investido na produção, nos autores e atores portugueses, e agora somos confrontados com a duplicação de uma taxa, enquanto outras plataformas de streaming, muito nossas conhecidas, que estão presentes noutros países, que pagam impostos noutros países, que não têm centros de atendimento em português, continuem a ser completamente beneficiadas e a passar ao lado destas taxas que são criadas", nota Alexandre Fonseca.

Para o CEO da Altice Portugal, "a realidade é que temos vivido num setor que está sob profunda ameaça, e esta ameaça ataca dois critérios que são decisivos para atrair investimento para o nosso país: a estabilidade e a previsibilidade. Qualquer investidor ou acionista procura estes dois critérios e quando eles não acontecem estamos a destruir valor a ameaçar esse investimento", concluiu.

"Um PRR que tem muito Estado e poucas empresas"

Durante a sua intervenção, o presidente executivo da Altice Portugal deixou ainda críticas à "falta de estratégia" do governo.

"Temos ouvido falar muito da estratégia nacional para a transformação digital, mas temos falado pouco dos investimentos que são feitos e, acima de tudo, de como é que o investimento privado se compatibiliza com o trabalho que tem de ser feito ao nível do investimento público", disse.

No centro da sua crítica está a ausência de um plano para o setor no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

"O PRR é aparentemente um mecanismo que não serve para nós, para o setor das telecomunicações, não serve para levar à tal universalidade das comunicações, não serve para apoiar o investimento nas redes de comunicação. Nós [Altice], pelo menos, não conseguimos vislumbrar espaço dentro dos diversos programas para podermos participar", diz Alexandre Fonseca.

O CEO da Altice Portugal deu o exemplo de Espanha, cujo PRR prevê "linhas específicas [de financiamento] para cobrir aquilo que são chamados os 'espaços brancos', as zonas que não têm cobertura [de rede]. [O PRR espanhol] diz taxativamente isto: que é com um co-investimento com o setor privado que se vai investir nos locais onde não é economicamente rentável a um operador privado fazer investimento. Isto parece-me bom senso e isto não do outro lado do mundo, é aqui a 300 quilómetros de Lisboa. É esta a realidade que não temos, num PRR que tem muito estado e poucas empresas", sentenciou.

A reivindicação não é nova: em março deste ano a Apritel - Associação dos Operadores de Comunicações Eletrónicas defendeu que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) devia "incluir financiamento público de redes de nova geração".

Em comunicado, a Apritel defendia "a revisão do PRR de forma a incluir uma componente adicional no pilar da transição digital, de financiamento público de redes de nova geração em locais que não atraem por si só o investimento privado". A associação salientava que "é o que o Mecanismo de Recuperação e Resiliência Europeu prevê e que está a ser feito em países como Espanha, França, Itália ou a Alemanha".

Para a Apritel, "a solução para assegurar a cobertura plena da população deve passar por um mapeamento detalhado das zonas e a alocação de investimento público à sua cobertura, em articulação com políticas equilibradas de incentivo ao investimento dos operadores".

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