A cidade de Amesterdão vai implementar um novo modelo económico, cuja premissa é um desenvolvimento sustentável, ou seja, viver e produzir mantendo um equilíbrio entre as necessidades sociais e os limites ambientais. Por outras palavras, Amesterdão irá implementar um modelo económico que não se foca única e exclusivamente no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), mas sim no bem-estar das pessoas e do ambiente.

A ideia partiu da economista da Universidade de Oxford, Kate Raworth. Ao tentar perceber como é que se poderia encontrar um equilíbrio económico que respondesse quer às necessidades sociais, quer às necessidades ambientais, Raworth acabou por desenhar um modelo que se assemelha à figura de um donut. Sim, de um donut, onde não é a sociedade e o ambiente que se adaptam à economia, mas sim, a economia às necessidades sociais e ambientais.

No circulo interior (junto ao buraco do donut, digamos assim) está o mínimo de que precisamos para ter uma vida condigna — água limpa, comida, condições sanitárias, energia, acesso à saúde e à educação. Todos aqueles que não têm acesso a estas condições vivem no "buraco" do donut, por assim dizer, ou seja, abaixo do mínimo exigível. Já na orla exterior, onde normalmente se coloca a cobertura do donut, estão as capacidades máximas dos recursos planeta — sem comprometer a sua sustentabilidade.

Entre estes dois círculos, o interior e o de "cobertura do donut" encontra-se a massa fofa, o donut em si, que, de acordo com Raworth, representa “um espaço ambientalmente seguro e socialmente justo, onde a humanidade pode prosperar”. Ou seja, é dentro desses limites estabelecidos que se implementam as políticas socioeconómicas para o funcionamento equilibrado e sustentável da sociedade.

“O donut não nos traz as respostas”, mas ajuda a “olhar” para os problemas de uma forma diferente

Uma das características do modelo do donut é que pode ser aplicado aos objetivos de cada país, cidade ou localidade, servindo assim como um guia. E  Amesterdão será a primeira cidade no mundo a tentar aplicar este modelo, onde as necessidades sociais e ambientais importam mais que o crescimento económico.

Numa entrevista ao The Guardian, Marieke van Doorninck, a vice-mayor da cidade, disse que acredita que este modelo poderá ajudar a “ultrapassar os efeitos da crise” provocada pela pandemia. Confessa também que poderá parecer “estranho” nesta fase falar de um período pós-covid-19, mas lembra que enquanto “governo” é sua responsabilidade fazê-lo, encontrando uma forma de não se regressar ao status quo.

Raworth, que está a ajudar a implementar o modelo na cidade, desenhou-o à escala de Amesterdão, mostrando quais as necessidades sociais que precisam de maior atenção, assim como os limites ambientais que estão a ser ultrapassados. Perante o cenário apresentado, Amesterdão decidiu que a sua economia tem de ser totalmente circular até 2050 e que o uso de matéria-prima tem de reduzir para metade, num período de dez anos.

“Atualmente, estamos a viver num sistema económico, no qual incineramos produtos descartados, incluindo a sua matéria-prima, rotulando-os como ‘resíduos’. Considerando a escassez de matéria-prima que há no mundo, isto é imperdoável”, disse Marieke van Doorninck, na reunião de conselho onde apresentou os novos objetivos da cidade.

Para os atingir [os objetivos acima mencionados], ir-se-ão aplicar medidas que visem: a reutilização produtos; a diminuição do desperdício alimentar; a alteração da forma como o lixo doméstico é processado; a sustentabilidade do setor da construção, entre outros.

No entanto, se há questões cujas respostas são mais evidentes, há outras que precisam de ser estudadas mais aprofundadamente pelos governantes, como é o caso do valor das casas em Amesterdão.

Cerca de 20% dos residentes da cidade não consegue satisfazer as suas necessidades básicas depois de pagar a renda. A solução poderia passar pela construção de mais casas, mas as emissões de dióxido carbono já estão demasiado elevadas na cidade.

“O facto de as casas serem demasiado caras não está apenas relacionado com o facto de estarem poucas a ser construídas. Há muito capital a circular à volta do mundo à procura de investimento e, agora, o imobiliário é visto como a melhor forma de investir, por isso, os preços aumentam”, explica a mayor.

Outra situação que demonstra que certos problemas sociais e ambientais não têm soluções tão simples reside no porto de Amesterdão. Este é um dos maiores importadores de cacau no mundo, porém esta matéria-prima provém da África ocidental, onde a exploração laboral é bastante elevada, escreve o The Guardian. A cidade poderia comportar-se como uma empresa privada e rejeitar a importação deste produto, mas isso teria um impacto económico considerável numa cidade onde uma em cada cinco famílias, devido a baixos rendimentos, se qualifica para receber apoio governamental.

Recuperar parte do equilíbrio e manter a visão do donut pode passar, por exemplo, por tornar o porto de Amesterdão menos dependente de combustíveis fósseis. A expectativa de Marieke van Doorninck é que este primeiro passo possa contribuir para um debate mais alargado. Amanhã, Amesterdão pode estar a discutir se quer ser, no enquadramento global, uma cidade onde estão a ser armazenados produtos produzidos com recurso a exploração laboral.

“O donut não nos traz as respostas”, mas ajuda a “olhar” para os problemas de uma forma diferente e impede que se regresse "às mesmas estruturas", nota Van Doorninck. O desafio que Amesterdão terá de enfrentar será, assim, perceber quais são as variáveis com as quais tem de jogar para fazer da capital holandesa um lugar “ambientalmente seguro e socialmente justo, onde a humanidade pode prosperar”. E para isso, terá de contar com o apoio das instituições nacionais e internacionais.

Fosse viver dentro do donut tão fácil como comê-lo

Encontrar o equilíbrio entre os limites sociais e ambientais não é fácil, uma vez que estas duas variáveis se interligam. A título de exemplo, o aquecimento global — traduzido no aumento dos níveis do mar, nas alterações das estações do ano, no aumento de fenómenos como inundações e secas — pode aumentar a pobreza, nomeadamente, nos países em desenvolvimento, dificultando o acesso a água potável ou a comida.

Por outro lado, a pobreza também pode contribuir para o aumento do efeito de estufa. A título de exemplo, pessoas com menos recursos económicos podem ser forçadas a usar equipamentos menos amigos do ambiente no seu dia-a-dia, o que contribui para emissões de CO2 para a atmosfera.

De acordo com Raworth, existem duas razões que explicam o porquê de estarmos a viver “para além das capacidades do planeta” e, simultaneamente, continuarmos com uma economia que é “incrivelmente divisiva”, onde a maior parte da riqueza se concentra “na fração global de 1%”.

A primeira e a “mais importante” prende-se com o facto de “muitos governos, durante décadas,” não terem combatido a pobreza interna e internacional e, simultaneamente, terem prestado pouca atenção aos limites do uso sustentável dos recursos naturais, diz. De acordo com a economista, em ambas as situações, os governos “permitiram que os interesses de elites poderosas e de grupos de lobby dominassem sobre os interesses das comunidades marginalizadas, e da humanidade como um todo”.

A segunda razão está relacionada com o facto de “as políticas económicas convencionais” implementadas até agora terem “falhado” na criação de um “crescimento económico inclusivo e sustentável”. O motivo por terem falhado deve-se ao facto de os legisladores continuarem a depender de indicadores económicos, como o PIB, que “não têm a capacidade de medir o que importa para a justiça social e a integridade ambiental”.

“(…) nós percebemos intuitivamente que quando algo tenta crescer para sempre dentro de um sistema vivo e saudável, é uma ameaça para a saúde como um todo. Então, por que haveríamos de imaginar que as nossas economias seriam aquelas que poderiam romper com esta tendência e ter sucesso ao crescer para sempre?”, perguntou Raworth numa Ted Talk.

Assim, a economista defende transição de uma economia “degenerativa”—  onde se utilizam vários recursos do planeta para a criação de produtos que frequentemente são utilizados “apenas uma vez”—, para uma economia “regenerativa e distributiva”, onde os recursos são reutilizados para os mais diferentes meios. Por conseguinte, dentro desta economia regenerativa, as políticas têm de ser implementadas em equilíbrio com os limites ambientais e sociais.