“Para a América do Sul em geral, mas para a Argentina em particular, abriu-se uma janela de oportunidades incrível para manter no mundo a segurança alimentar, a segurança energética, o abastecimento de minérios e de fertilizantes em substituição ao que os países em guerra produziam”, explica à Lusa Dante Sica, ex-ministro da Produção da Argentina (2018-2019) e diretor da consultora Abeceb, especializada em comércio e investimento na América Latina.

“A Europa precisa de novos fornecedores e vai procurá-los em lugares onde há paz, um atributo que agora se tornou tangível do ponto de vista económico”, acrescenta o especialista.

Face a este potencial, o Presidente argentino, Alberto Fernández, foi o único convidado da América Latina pelo chanceler alemão Olaf Scholz, anfitrião do evento. Scholz declarou a Argentina como “país sócio do G7 durante a Presidência alemã” ao identificar a possibilidade de um novo fornecedor.

Foi depois da viagem à Europa, em meados de maio, na qual o Presidente argentino visitou, além de Olaf Scholz na Alemanha, o Presidente Emmanuel Macron, na França, e o primeiro-ministro Pedro Sánchez, em Espanha.

Nessa viagem, Alberto Fernández defendeu que América Latina, África e Ásia intervenham na procura de uma solução pacífica para a guerra por serem a parte afetada com mais risco de um cenário de fome.

O presidente argentino repetiu o conceito na passada sexta-feira, durante a Cimeira virtual dos BRICS, acrónimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, nas siglas em inglês.

“Quero levantar a minha voz para que o mundo entenda que, embora a guerra aconteça na Europa, as suas consequências trágicas repercutem em todo o hemisfério Sul. Somos uma periferia que padece”, insistiu Alberto Fernández.

“A Argentina é fornecedora segura e responsável de alimentos, reconhecidos no âmbito da biotecnologia. Temos grandes recursos energéticos como a segunda reserva mundial de ‘shale gas’ e a quarta em ‘shale oil’. Começámos a exploração de lítio, de hidrogénio verde e de outras energias renováveis”, apontou.

O Presidente argentino fará hoje dois discursos no plenário e reuniões bilaterais com os primeiros-ministros de Grã-Bretanha, Boris Johnson; Itália, Mario Draghi; Japão, Fumio Kishida; e Alemanha, Olaf Scholz. Também com a Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, e com o Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel.

Além de defender que a Argentina tem potencial para cobrir a procura de alimentos e de energia, Alberto Fernández vai pedir investimento. Apesar de a Argentina ter a segunda maior reserva mundial de gás não convencional, capaz de fazê-la retornar à autossuficiência e ainda abastecer a Europa, o país requer de fortes investimentos para extrair, transportar e transformar o gás natural em líquido para ser exportado.

A Argentina também é uma das maiores produtoras mundiais de milho e de trigo, justamente os dois produtos mais afetados pela guerra na Ucrânia.

No entanto, a economia argentina é desordenada. O grau de intervenção arbitrária do Governo no controlo de preços, nas restrições ao mercado de câmbio e nos movimentos de capitais afasta os investimentos. O país não tem acesso ao crédito internacional do qual depende para avançar.

“A Argentina tem uma oportunidade enorme, mas requer investimentos. O país era visto quase como um pária internacional até o começo da guerra. Agora é convidado para a reunião do G7. Mudou o país? Não. Mas tem potencial. Quem mudou foi o mundo em relação ao que a Argentina pode dar”, “, explica à Lusa o consultor em negócios e especialista em mercados internacionais, Marcelo Elizondo, uma referência na Argentina.

“Se o país se ordenar, empresas europeias e norte-americanas podem vir explorar petróleo e gás ou gerar energia eólica e solar. Pode aumentar a produção de grãos. A Argentina não pode responder imediatamente porque falta infraestrutura, mas pode responder em dois ou três anos”, calcula Elizondo.

Além da Argentina, os outros cinco países, de fora do G7, convidados para esta reunião são Senegal, Indonésia, África do Sul, Índia e Ucrânia, esta última de forma virtual.

A Índia é um dos países que mais risco corre de sofrer com a falta de alimentos devido à guerra. No domingo, Alberto Fernández teve uma reunião bilateral com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, para também colocar a Argentina como abastecedora de um mercado de 1.390 milhão de habitantes.