Tudo o que se passa na China é, para sermos realistas, um grande mistério para o Ocidente. É um país que representa no palco internacional uma importância extrema, é inegável, contudo é um país onde se passam coisas que não queremos nem imaginar, nem nomear. É um trabalho cansativo analisar a ética dos outros, os costumes aberrantes, as máquinas de controlo da sociedade, as malhas da política que desprezam direitos fundamentais. Assustador é perceber que a tal máquina made in China se move à velocidade dos rápidos de água, com dinheiro em abundância, invadindo a Europa de forma tentacular. Mais tarde ou mais cedo, como disse o embaixador norte-americano em Lisboa, teremos de decidir se queremos ser subjugados pela China ou nem por isso. Eu diria que nem por isso, porque é um regime que, entre outras coisas, tem zero respeito pelo Outro. A lógica é silenciosa, mas veemente: ou estamos com a China ou estamos contra a China.

Esta semana, um conjunto alargado de jornalistas e de professores universitários em funções, ou já tendo tido funções em Macau, publicou no jornal Público um artigo intitulado: "Ataque à liberdade de imprensa em Macau e obrigações do Estado português". O que está em causa é a liberdade de expressão e o controlo da comunicação. A China quer que em Macau os jornalistas “amem” Macau e façam, por assim dizer, não o que esse "amor" lhes dita, mas o que o regime acha que favorece o sujeito amoroso. Ou seja, quer censura. Para sermos práticos e rápidos, trata-se de liberdade de expressão. O que tem isto a ver connosco? Pois teria sempre; no meu entender, devemos olhar com suspeição e vigiar todos os países, infelizmente ainda são muitos, nos quais a liberdade de expressão é entendida como doença.

Portugal, no caso de Macau, tem obrigações acrescidas e a China tem um acordo a cumprir. Entregámos o território de Macau e, desde 1987, ficou estipulado, por acordo escrito, que existem certas orientações que a China terá de cumprir por 50 anos. Passaram-se 34. A China tornou-se impaciente. Os signatários do artigo acima mencionado escrevem: "Em particular, chamamos a atenção para a limitação à liberdade de informação que configuram as recentes instruções dadas aos jornalistas dos departamentos de língua portuguesa e inglesa da emissora pública Teledifusão de Macau (TDM) para que não divulguem ‘informações e opiniões contrárias às políticas do Governo Central da República Popular da China’, podendo a não obediência a esta instrução dar direito a despedimento com justa causa".

E mais adiante: "A diretiva que exige à TDM uma linha editorial patriótica, e que proíbe a divulgação de informações e opiniões contrárias às políticas da República Popular da China, já levou à apresentação de demissão por parte de pelo menos seis jornalistas. O recuo nas liberdades e garantias consagradas tem ocorrido paulatinamente em Macau, coartando o espaço político e a pluralidade de opiniões, o que até aqui tem vindo a ser noticiado pela imprensa local, incluindo pela TDM." A Teledifusão de Macau, considerando a polémica nacional e internacionalmente, com várias vozes, sem paninhos quentes, a chamarem às coisas aquilo que elas são, veio dizer que ficaria tudo na mesma, que tinha sido, vá lá, um equívoco sem importância, como se a liberdade de expressão fosse um grãozinho de areia. É um pedregulho imenso e incandescente que a China quer a toda a força controlar. Os signatários exortam o Estado Português a estar atento. "Apelamos ainda a que seja considerado o estabelecimento de um grupo de trabalho no seio da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas para monitorização do cumprimento da Declaração Conjunta Luso-Chinesa, para funcionar até 20 de dezembro de 2049, produzindo avaliações regulares e públicas".

Ou seja, os jornalistas, professores e tantos outros com ligações a Macau dizem-nos que a China, e a sua impaciência e vontade de controlar e manipular, não vão esperar pelo fim do prazo previsto na Declaração Conjunta Luso-Chinesa. Portugal pode fazer o quê? Pode denunciar, mas estamos de mãos e pés atados no que toca à China, têm-nos nas mãos. São accionistas na maioria das grandes empresas em Portugal. Silenciosamente, as malhas do império vão-se instalando e Portugal fica com as calças nas mãos? É isso. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, disse que “espera e conta” que a China cumpra o que está acordado. Eu diria para esperar sentado, é capaz de se cansar menos.

P.S.: Dia 6 de Abril será desvendado o vencedor do concurso internacional para controlar o novo Terminal Vasco da Gama do Porto de Sines. Se o consórcio chinês a concurso ganhar, não fiquem surpreendidos, fiquem atentos.