Os dados do Observatório das Mulheres Assassinadas da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta – estão já disponíveis e não podem deixar de nos chocar. A não ser que fiquem no silêncio das instituições e sejam, aqui e ali, apenas notícia de rodapé. Importa divulgá-los e discuti-los. Em 2020, de Janeiro a Dezembro, morreram 35 mulheres. Ou seja, três mulheres por mês. 

Cada mulher assassinada viveu uma vida só sua e um medo que agora só não é silenciado pelas estatísticas ou, algumas vezes, por notícias de jornais que “vendem” as histórias de sangue com o gosto de quem apela ao pior do ser humano. Estas vidas que terminaram viveram infernos particulares. Resultaram em assassinatos, a mais das vezes, porque as mulheres, cansadas de tantas agressões, de tanta diminuição, tentaram deixar os seus maridos, namorados, companheiros. 

O relatório da UMAR aponta para 19 vítimas de femicídio em relações de intimidade (na sequência da morte crianças ficaram órfãs de mãe), 16 mulheres assassinadas em outros contextos e ainda para 57 tentativas de homicídio. O Observatório sublinha que “a quantidade de informação divulgada pelos meios de comunicação social relativas às tentativas de assassínio é visivelmente menor do que quando as mulheres são assassinadas”. Pergunto-me: só interessam realmente as mortes? As histórias mais escabrosas? Não, é crucial saber-se por que razão continuam as mulheres a ser o grupo mais agredido da sociedade, considerar estratégias de intervenção que possam combater esta violência.

Estas mulheres reclamam justiça e exigem que não as esqueçamos. Estes são alguns dos nomes das 35 mulheres mortas em 2020: Beatriz Lebre, Carla Barbosa, Celeste Paiva, Cláudia Gomes, Francelina Santos, Maria Costa, Maria Isabel Fonseca, Valentina Fonseca. Todas estas mulheres morreram às mãos de homens que eram pais, netos, maridos, namorados; tinham entre 20 e 87 anos de idade.

Neste ano, 2021, teremos outra lista. Outros nomes. O mesmo Observatório denuncia já que, entre Janeiro e Junho deste ano, 14 mulheres foram assassinadas – seis das quais vítimas de femicídio – e que se deram 27 tentativas frustradas de homicídio em relações de intimidade. O mais chocante é o que o Observatório sublinha: a maioria dos casos já tinha dado azo a denúncias prévias e a justiça portuguesa não conseguiu acompanhar, ou escolheu não validar nem fazer o acompanhamento devido. O Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR começou a recolher dados em 2004. Assume metodologias quantitativas e qualitativas, cruzando variáveis como classe social, etnia, orientação sexual, idade. É só um relatório? Não pode ser só um relatório, é um retrato da sociedade portuguesa, da forma como alguns homens ainda entendem as mulheres e de como essas ideias são uma violência absurda dos direitos humanos, da possibilidade de as mulheres viverem em liberdade.

O que impele ao assassinato? O que fez a justiça aquando da denúncia prévia? O que faz a justiça a seguir ao assassinato? O que acontecerá às crianças que ficaram órfãs de mãe? Como se conta o resto da história? Não podemos fingir que não vemos, que não sabemos.

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