Esta foi a quinta eleição geral em Angola desde 1992. Em jogo estava a eleição dos 220 membros da Assembleia Nacional – não há eleição presidencial – sendo 130 membros eleitos de forma proporcional pelo chamado círculo nacional, com os restantes 90 assentos reservados para cada uma das 18 províncias de Angola. Estavam habilitados a votar 14 milhões de cidadãos (incluindo uma minoria mínima residente no estrangeiro), numa população de quase 33 milhões. Embora a disputa fosse de facto entre o MPLA e a UNITA, havia outros partidos envolvidos, sem representação significativa.

As eleições foram fiscalizadas por 33 comissários dos PALOPs, incluindo três portugueses: Paulo Portas, Carlos César e José Luís Arnaut. Segundo Ana Gomes, numa entrevista aqui no SAPO24 que vale a pena ouvir, foram fazer “turismo eleitoral”. De facto, não só não se percebe a escolha destas três personalidades, como é reconhecido que a comissão não teria meios para fiscalizar credivelmente os resultados. 

Antes, durante e depois das eleições, todos os entrevistados nos campos e cidades do país foram unânimes em dois pontos: almejam por paz e progresso. Ou seja, por outras palavras, qualquer que seja o resultado, o que não querem é que o país passe por outra onda de violência, como no período entre a independência, em 1975, e o fim da guerra civil, em 2002; e esperam ardentemente uma melhoria do seu miserável nível de vida. 

Talvez valha a pena recordar, muito por alto, os acontecimentos que levaram a esta miséria.

Em Novembro de 1975, o Governo português, nos chamados Acordos de Alvor, entregou o poder de Angola a três partidos: o Movimento Popular de Libertação de Angola, MPLA (marxista, apoiado pela Rússia), a Frente Nacional de Libertação de Angola, FNLA (na altura apoiada pela China) e a União Nacional para a Independência Total de Angola, UNITA (apoiada pelos Estados Unidos e, subrepticiamente, pelo governo colonial português). Foi uma entrega simbólica e atabalhoada, uma vez que os três movimentos nunca se tinham entendido entre eles e não faziam as mínimas intenções de partilhar o poder.

Muito se criticou este acordo, que deixou “pendurados” no vácuo cerca de meio milhão de colonos e numa situação indefinida os que trabalhavam na administração pública da ex-colónia. De facto, o Governo da altura não poderia ter feito muito mais, uma vez que, a partir de 26 de Abril de 1974, os soldados do continente recusavam-se a dar um tiro, não querendo, muito naturalmente, arriscar a pele numa guerra com fim à vista. 

Não há aqui tempo nem espaço para discutir este lamentável crepúsculo do Império, mas pode dizer-se, resumidamente, que uma má colonização só podia terminar numa má descolonização.

Os três partidos envolveram-se imediatamente numa luta sangrenta, que envolveu a África do Sul, receosa de um estado comunista nas suas fronteiras, e Cuba, solidária com mais um estado comunista no mundo. Não faltaram massacres, execuções sumárias e toda a casta de barbaridades que caracterizam uma guerra civil. O MPLA, dirigido por Agostinho Neto, já era o partido mais forte durante a guerra colonial e foi assumindo o controlo do país. A FNLA, que ao princípio ainda tentou conquistar Luanda, foi completamente derrotada e o seu líder, Holden Roberto, exilou-se em Paris.

Entretanto o MPLA passou por várias dissidências, todas resolvidas com muito derramamento de sangue. Em 1977, declarou-se oficialmente marxista-leninista e instaurou uma ditadura (do proletariado, diziam eles). Em 1979, com a morte (natural) de Agostinho Neto, a presidência do partido é assumida por José Eduardo dos Santos. Muito pragmático, o engenheiro formado na União Soviética fez várias purgas nos quadros do partido e finalmente, em 1991, abandonou o marxismo e declarou que Angola passava a ser um Estado democrático, com partidos e eleições.

Cedo demais, pelos vistos. Nas eleições de 1992, o MPLA ganhou as legislativas, mas José Eduardo dos Santos não conseguiu a maioria absoluta na primeira volta das presidenciais. A UNITA não aceitou os resultados e nos “acontecimentos” que se seguiram, o MPLA assassinou cerca de dez mil militantes do partido de Jonas Savimbi. Seguiu-se uma guerra que envolveu vários países (Estados Unidos, África do Sul, Congo) e diversas multinacionais – não esqueçamos que o país é rico em petróleo e diamantes – com intervalos breves em que Santos e Savimbi fizeram acordos patrocinados pelas Nações Unidas e pelos outros interessados, acordos esses imediatamente desfeitos. Finalmente, em 2002 o MPLA, conseguiu eliminar Savimbi numa emboscada.

A guerra civil gerou uma crise humanitária que deslocou internamente 4,28 milhões de pessoas — um terço da população total do país à altura. Em 2003, um estudo das Nações Unidas calculou que 80% dos angolanos não tinham acesso a cuidados médicos básicos, 60% não tinham acesso a água e 30% das crianças morriam antes dos cinco anos, com uma esperança de vida nacional inferior aos 40 anos de idade. Mais de 100 mil crianças tinham sido separadas das suas famílias.

De 2002 para cá, nada mudou para a maioria dos angolanos. Mudou, e muito, para a classe dirigente do MPLA, que se organizou numa cleptocracia bastante eficiente, sem qualquer preocupação pela miséria de que se alimenta.

O “The Economist” resume assim a situação: “Angola mantém-se sob o poder do MPLA, um partido paranóico dominado por securocratas, que cospem retórica revolucionária enquanto se empanturram com os frutos dum capitalismo corrupto.”

Entretanto, como foi sendo noticiado até á exaustão, José Eduardo dos Santos ficou doente, depois muito doente, e retirou-se para uma mansão em Barcelona, onde finalmente acabou por morrer no dia 8 de Julho deste ano.

Estando fora do país e já incapaz de governar, entregou a presidência ao seu Ministro da Defesa, João Lourenço, que iniciou imediatamente a substituição de alguns favoritos de Zedu por favoritos seus, incluindo nessa “limpeza” uma devassa às fortunas da família Santos.

Em relação à população, nada fez. Os índices de pobreza, melhor dizendo, de miséria, continuam iguais aos tempos da independência, do período marxista e do período “democrático”.

Tal como o seu antecessor, Lourenço quer dar uma imagem de mudança, de esperança e de um futuro promissor. Segundo o que o meu colega Francisco Sena Santos escreveu aqui na semana passada, desta vez o MPLA tem mostrado uma certa contenção, especialmente quanto à instrumentalização do funeral de José Eduardo dos Santos, que foi marcado para depois das eleições. Aliás, o funeral tem sido uma autêntica novela, com os filhos de Zedu a quererem interferir nas cerimónias.

Como a situação dos angolanos não muda, é claro que a oposição, especialmente a UNITA, tem argumentos de sobra para propor uma mudança – embora espíritos cépticos, como o nosso, pensem que se a UNITA ganhasse seria apenas mais uma substituição dos beneficiários na hierarquia cleptocrata.

Adalberto da Costa Júnior, um diplomata, tem conseguido atrair multidões, especialmente nos centros urbanos, onde habita 65% da população. Segundo uma pesquisa do Afrobarometer, os apoiantes do MPLA desceram de 38% em 2019 para 29% no princípio deste ano, enquanto a preferência pela UNITA passou de 13% a 22%. (Os restantes 31% não declararam preferência, ou disseram que não vão votar.)

As pesquisas mostram também uma maior preferência dos jovens pela UNITA e dos velhos pelo MPLA.

É verdade que o número de votantes no MPLA tem diminuído a cada eleição, mas também é verdade que ainda não ficou abaixo dos votantes na UNITA. Desta vez acentuou-se a tendência, mas ainda não se deu a inversão.

Quanto às promessas eleitorais dos dois partidos, são parecidas e igualmente vagas: consolidar a paz e o Estado Democrático de Direito; promover o desenvolvimento equilibrado e harmonioso do território; promover o desenvolvimento do capital humano; reduzir as desigualdades sociais, erradicando a fome e a pobreza extrema; preservar o meio ambiente; assegurar a estabilidade macroeconómica; assegurar a defesa da soberania e da integridade territorial. É o chamado “parlapiê” político do costume, que nada diz e nada garante.

Resumindo, nada indica que a estrutura do Estado e o desequilíbrio social mudem nos próximos anos. Também não se vê que a contestação das eleições tenha algum resultado prático.

Só resta aos angolanos esperar – e desesperar.