Há sete anos, Salvini tinha sabido aproveitar o vento que soprava a favor e fez-se, a partir de Itália, furacão político que lançou sobre a Europa do sul um temporal de ruído nacional-populista, contra a União Europeia, contra o Euro, contra os migrantes, contra o Islão e contra a igualdade de género. 

A Lega (Liga), partido que tinha aparecido nos anos 90 do século XX, então sob liderança de Umberto Bossi, como partido separatista do norte de Itália, tornou-se na última década, com Salvini, um partido nacional em Itália e com a aspiração de se impor na Europa. O léxico simples fez de Salvini chefe com vigoroso apoio de massas populares, mas também de muitos empresários. 

A ascensão de Salvini foi fulgurante. Ele soube suplantar o marketing político da francesa Marine Le Pen e, em aliança com o húngaro Orbán, pôs-se capitão de um movimento político que aspirava impor pela Europa a hegemonia soberanista com ideologia de direita extrema. Salvini abriu uma espécie de Guerra dos Tronos em que pretendia aparecer como o líder das direitas na Europa. É ele o promotor do surgimento estridente do Vox na política espanhola e até foi mencionado como encorajador do Chega em Portugal. 

Mas, há ano e meio, bruscamente, o furacão político Salvini começou a perder força em casa - em Itália. A Lega, partido que Salvini tinha imposto, que o levou a ministro do Interior e a manobrar para se tornar chefe do governo italiano, está há dois anos a somar derrotas em todas as batalhas. 

Os empresários e o setor produtivo do norte de Itália, que tinham sido combustível para a escalada de Salvini e da Lega mudaram de posição: perceberam que o radicalismo anti-europeu de Salvini era mau para os negócios. A União Europeia saía da longa crise financeira iniciada em 2008 e o Euro a que o italiano Draghi tinha dado robustez tinha superado a crise de crescimento. 

O tempo político passava a ser de construção e não de conflito e destruição. Salvini passou a ser um obstáculo e isso ficou mais evidente quando o presidente Mattarella chamou um homem moderado, carismático, consensual e com potência política, Mario Draghi, para chefe do governo de Itália. Com Draghi, a Itália reentrou nos carris do crescimento e recuperou influência europeia.

O vento virou-se contra Salvini, que ao alinhar com os grupos anti-vacinas enfureceu os capitães da indústria, receosos de novos confinamentos e paragens na produção. 

As sondagens já avisavam: a Lega, de Salvini, que com 34,5% dos votos tinha sido o partido mais votado nas eleições europeias de 2019, aparecia à entrada neste outono, em vésperas das eleições municipais, a perder 15 pontos percentuais.

As eleições, que decorreram entre domingo e o princípio da tarde de segunda-feira, confirmaram a derrota que confirma o ocaso político de Salvini. Ele já assumiu a derrota e fez autocrítica com a alegação de má escolha de candidatos.

A derrota de Salvini não significa recuo das direitas em Itália. Há uma nova figura, chama-se Giorgia Meloni, dura, tradicional, católica, com vigoroso discurso da lei e da ordem, também contra migrantes e contra a liberalização dos costumes. Ela está a converter o Fratelli d’Italia (Irmãos de Itália), de pequeno partido herdeiro do pós-fascista MSI em referência para a direita ultra em Itália.

A esquerda, encabeçada pelo Partido Democrata (Internacional Socialista), conseguiu nesta primeira volta das eleições municipais, com candidatos de inquestionada competência técnica e seriedade, vitória com expressão acima do previsto. O triunfo em Milão, Bolonha e Nápoles é conseguido com maioria absoluta. Na segunda volta, daqui a 15 dias, é natural que os eleitores do M5S (Movimento Cinco Estrelas) se juntem aos do Partido Democrata para fazerem eleger o candidato de centro-esquerda em Roma. Em Turim o cenário é semelhante.

Mas estas vitórias que dão novo fôlego ao centro-esquerda e que confortam a política de unidade nacional seguida pelo governo do independente Mario Draghi também acontecem porque a direita apareceu nestas eleições dividida em três partes: a Liga de Salvini, Fratelli d’Italia de Meloni e Forza Italia de Berlusconi. 

A direita e o centro-direita em Itália vão agora pôr-se a fazer contas e a tratar de esclarecer o que querem. Há demasiados egos e fricções de sobra para que a aliança entre as três partes esteja no horizonte próximo. Mas Meloni já mostrou ter malabarismo político para juntar gente da antiga democracia-cristã com os que vivem com a nostalgia do passado autoritário. Com ou sem aliança, Giorgia Meloni vai colocar-se à cabeça da direita italiana. Será diferente de Salvini porque, embora muito próxima do Vox de Espanha, não parece que tenha, como ele tinha, um projeto para liderar as direitas na Europa.

À esquerda, o Partido Democrata conseguiu, após anos de indefinições, aparecer aglutinador e emerge desta eleição como referência de estabilidade.

É neste quadro que a Itália política vai tomar decisões importantes nos próximos meses. Em janeiro é iniciado o processo de sucessão do muito respeitado presidente Mattarella. A eleição é feita pelos deputados no parlamento com bancadas muito fragmentadas. O processo de escolha do candidato passa sempre por complicadas e demoradas negociações.

Desta vez, a nova líder das direitas, Meloni, tem uma escolha: Mario Draghi. É a tática de chutar para cima. Ela quer tirar Draghi da chefia do governo onde, com prática de política consensual mas ativa na tomada de decisões, está a anestesiar o sistema partidário. Meloni, tal como Salvini, querem Draghi na presidência para que a luta partidária volte a ficar inflamada.

Resta saber se Draghi quer a presidência. E se a maioria aceita essa manobra.

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