Os historiadores desta guerra russa na Ucrânia têm esse campo complexo para investigar e avaliar: o acerto da decisão ocidental de punir a Rússia com sanções económicas e, ao mesmo tempo, por causa da dependência energética, estar a alimentar os cofres do agressor.

A Alemanha já pagou à Rússia mais de 10 mil milhões de dólares desde o início da guerra na Ucrânia. A Itália e os Países Baixos pagaram 8 mil milhões. A França 4 mil milhões.

Estes pagamentos ocidentais e o resultado da diversificação de mercados (Índia, China, outros) para as exportações dos combustíveis russos, levam a que até agora não se veja que os sucessivos pacotes de sanções  ocidentais à Rússia estejam a criar qualquer problema político a Putin.

Josep Borrell, Alto Comissário da União Europeia para a Política Externa defendeu neste domingo que as sanções aplicadas à Rússia “embora ainda possa não parecer, já estão a ser eficazes”. Borrell explica que em consequência das sanções já está a ficar limitada a capacidade russa para produzir mísseis de alta precisão.

As sanções ocidentais foram decididas com um objetivo: prejudicar a evolução da economia da Rússia e assim, indiretamente, afetar negativamente a vida dos residentes na Rússia, de modo a que sintam esse prejuízo e sejam levados a questionar a condução política de Putin.

Mesmo que ainda não haja sinais nítidos de repercussões, é óbvio que esta série de pacotes de sanções está a ter efeitos sobre a corte em volta de Putin e muitos oligarcas russos. Essas sanções, algumas iniciadas em 2014 após a invasão da Crimeia, implicam, para além do congelamento dos bens que esses poderosos e influentes adquiriram na Europa, o impedimento de viajarem para Ocidente. Há um efeito que dói muito aos filhos desses oligarcas russos: viram-se obrigados a deixar as universidades europeias que frequentavam e os prazeres da vida na Europa. Têm alternativas, mas ir para a universidade em Xangai não tem o impacto de ser aluno de Oxford.

Mas para o povo russo pouco ou nada mudou. Há relatos de que a gente comum não está a ter vida quotidiana complicada em excesso por efeito das sanções ocidentais.

Os mais idosos na Rússia estão habituados à escassez e a restrições. Essa população mais antiga está doutrinada para associar Europa a degradação e injustiça – a comparação da Europa atual com o corrupto regime russo do tempo de Ieltsin é muitas vezes invocada. Os mais idosos seguem a via única do que é dito pelo Kremlin. Não têm acesso a outras fontes.

É nas mais novas gerações russas que pode instalar-se o desagrado com a condução política da autocracia russa – há já alguns casos, mas com expressão muito limitada. 

Parece inquestionável que há obrigação moral de punir a agressão desencadeada por Putin que, desde 24 de fevereiro está a destruir a Ucrânia, sem trégua, sem intervalo, todos os dias, e com muito crime de guerra cometido sobre a população civil.

Mas a punição através de sucessivos pacotes de sanções económicas não está, até agora, a pôr em causa o regime de Putin, enquanto nas democracias ocidentais que decidiram essas sanções o preço está a ser caro.

Ainda que muitos capítulos desta guerra ainda estejam por escrever, está a ficar claro que as sanções, nos tempos mais próximos, não vão parar esta guerra. O facto de muito do mundo não aderir à aplicação das sanções decididas pelos países da NATO, possibilita a Putin contrabalançar a perda dos mercados europeus e continuar forte.

Putin mostra-se ofendido por os países da NATO estarem a ajudar e a armar a Ucrânia. Talvez faça parte da estratégia do Kremlin explorar o desgaste da opinião pública europeia.

É um facto que esse desgaste existe. Mas há o dever moral de suportarmos esse preço. É indispensável que Putin não possa nutrir a mínima dúvida sobre a determinação das democracias ocidentais no apoio à Ucrânia.

Algumas potências ocidentais têm um histórico lamentável de agressões violentas a países vulneráveis. Do Iraque à Líbia a história é triste.

Agora, essas potências recusam envolver-se diretamente na guerra em defesa da Ucrânia. É um facto que esse confronto direto entre Aliança Atlântica e a Rússia conduziria aos abismos que foi possível evitar nos tempos de Guerra Fria.

Mas o prolongamento da atual guerra no modelo em que tem decorrido, com a Rússia a somar ganhos militares sobre a Ucrânia que não está a conseguir que o armamento ocidental lhe dê vantagem, também é insustentável e já está a desestabilizar, pela via da carestia, muito do Médio Oriente e alguma África.

As democracias ocidentais não podem ceder. Mas é preciso fazer alguma coisa de novo que possa fazer parar a engrenagem desta guerra.