Chamada de Formosa pelos portugueses, a ilha manteve esse nome até ao século XIX. É a maior de um grupo de pequenas ilhas na costa da China e teve uma história acidentada, tendo até já sido japonesa, embora seja hoje habitada pela maioria étnica do continente, os Huan.

A criação da actual República de Taiwan é o resultado da guerra civil que terminou com a vitória de Mao Tsé-Tung. Acabada a II Guerra Mundial no Pacífico, em 1945, e derrotado o Japão, a China tornou-se independente sob a ditadura de Chiang Kai-shek e do seu partido, o Kuomitang. Em 1949, Mao iniciou a famosa Longa Marcha que levaria o Partido Comunista ao poder. As forças do Kuomitang foram recuando até ficarem reduzidas ao território da Formosa. O governo de Pequim sempre considerou como historicamente seus, as ilhas e o Tibete; em 1951 anexou este último. 

Mas com Taiwan, a situação era mais complicada. Inicialmente, os Estados Unidos consideraram o Kuomitang uma causa perdida e a anexação ao continente como uma questão de tempo, em que não interviriam. Mas em 1950, com a deflagração da Guerra da Coreia e o espraiar da Guerra Fria, o Presidente Harry S. Truman determinou que o governo legítimo chinês era o de Chiang Kai-shek e enviou uma frota naval para o estreito entre a ilha e o continente. 

A situação manteve-se assim até 1972, quando Nixon fez a sua famosa viagem destinada a conversar com Mao Tsé-Tung, vindo a China continental a ser admitida nas Nações Unidas, substituindo assim Taiwan como país “oficial” chinês na organização. A nação insular entrou num estatuto indefinido, que se mantém até hoje; não tem assento institucional na ONU, nem relações diplomáticas com nenhum país, mas conserva fortes ligações com os Estados Unidos e a Europa. Além disso, tornou-se um potentado industrial, sendo o segundo país em crescimento económico na região, na década de 1970, logo a seguir ao Japão. Hoje, é o maior produtor mundial de semi-condutores. Até exporta para a China continental e muitos chineses do continente trabalham numa ilha que não tem sequer existência política... 

É uma daquelas situações internacionais que ultrapassam a compreensão e expõem a hipocrisia das posturas políticas perante os factos económicos.

Entretanto, depois da morte de Chiang Kai-chek, em 1975, Taiwan entrou em processo de democratização. Em 1987, terminou a Lei Marcial, que se manteve durante 38 anos, com a desculpa do perigo comunista. Em 1991, o Congresso foi expurgado dos representantes do continente, uma ficção que se mantinha desde 1947; em 2000, foi eleito o primeiro presidente de um partido, que não o Kuomitang. Nas eleições de 2020, o Partido Democrático Progressista, da Presidente Tsai IngWen, elegeu 61 deputados e o Kuomitang não ultrapassou os 38.

No Índice Democrático publicado em 2021, Taiwan é um dos três países asiáticos considerados como uma democracia plena, estando em 11º lugar, a nível internacional. Uma história de sucesso económico e político, portanto.

Claro que a República Popular da China nunca abdicou da unificação. Ao ser aceite na comunidade internacional, em 1972, exigiu a palhaçada da não existência de Taiwan que já referimos, e manteve sempre a postura de que era uma questão de tempo. Contudo, as contingências nacionais e internacionais, e também o estilo dos líderes chineses depois de Mao Tsé-Tung – Deng Xiaoping, Jian Zemin e Hu Jitao – levaram a que o assunto permanecesse em lume brando. Ocorreram várias ameaças de invasão, ilhas mais pequenas – desabitadas, simbólicas – foram ocupadas, mas a China sabia que o poderio militar norte-americano no Pacífico e a postura dos governos ocidentais não permitiam uma invasão de facto.

Também houve tentativas de negociação, mas Taiwan sempre recusou conversas. Nenhuma promessa, nenhuns miminhos e bombons de Pequim, adoçaram ou convenceram os ilhéus.

Com Xi Jinping, estamos noutra fase dos acontecimentos. A China tornou-se uma potência que mete respeito; se ainda não é a maior do mundo, está rapidamente a caminho. Segundo alguns cálculos, levando diversos factores em consideração, sê-lo-á por volta de 2030. Ao virar da década.

E o PC chinês adoptou uma política muito mais agressiva, interna e externamente. Ao nível doméstico, o país exerce vigilância electrónica e controlo da Internet, alcançando níveis nunca vistos, mesmo considerados impossíveis, do domínio da ficção científica. As minorias, como os Uighur, são abertamente perseguidas (do Tibete, já nem se fala, sabendo-se, todavia, que actualmente conta com mais habitantes chineses, do que autóctones tibetanos.) 

Como se viu quando surgiu a pandemia, o controlo da população acontece ao nível militar – e certamente que não se viu ainda tudo.

Externamente, temos o caso de Hong Kong; a China podia perfeitamente ter esperado os 50 anos expressos no tratado de entrega celebrado com os ingleses, que entrou em vigor em 1997. Ou seja, Hong Kong perderia o seu estatuto diferenciado da “mainland” em 2047. Não esperou, porquê? Na realidade, não se sabe, mas os analistas aventam que Xi pretende deixar um legado histórico e que, Hong Kong  é um ensaio destinado a testar a reacção da comunidade internacional, tendo em vista uma acção em Taiwan.

Claro que as situações são completamente diferentes, sob todos os aspectos. Não só Taiwan é um país independente, armado até aos dentes e decidido a lutar até ao último homem, como as consequências económicas da destruição do parque industrial da ilha (inevitável) atingiriam o mundo todo, inclusive a própria China.

Mas, a presença militar da China na zona, tem aumentado substancialmente. O Almirante John Aquilino, comandante da frota norte-americana no Pacífico, afirmou numa declaração ao Congresso que o crescimento da armada chinesa segue a ritmo alarmante. Segundo ele, a invasão da ilha poderia acontecer nos próximos seis anos.

Poderia pensar-se, com alguma pertinência, que Aquilino está simplesmente a assustar o Congresso para obter mais verba para canhões – o habitual. Mas é o próprio Xi Jinping que tem dito, repetidamente, que a anexação de Taiwan é a sua “primeira prioridade”. Em 2019, insistiu que os taiwaneses têm de aceitar que “terão de ser e serão” incorporados na China. E deixou claro que, se for preciso, usará a força.

Já este ano, em Janeiro, o porta-voz do Ministério da Defesa chinês, o coronel Wu Qian, declarou que o Exército Popular “tomará todas as medidas necessárias para derrotar qualquer tentativa dos separatistas taiwaneses e defender firmemente a soberania nacional e a integridade territorial.” Estão a ver o tom – “separatistas” – e a lógica – “integridade territorial”.

Estas alegações não precisam de esclarecimento. Quando o lobo diz “vou-te comer!” enquanto afia a faca, é melhor começar a correr. Só que a ilha de Taiwan está bem ancorada à toca do lobo... 

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