Também como previsto, os 2.296 delegados do Congresso escolheram o Secretário Geral do partido, aprovaram os 130 membros da Comissão Central para a Inspecção da Disciplina e elegeram os 205 membros do 20.º Comité Central. No dia 23, este Comité Central escolheu entre si os 24 membros do Politburo, dos quais sete são executivos.

Parece intrincado? Podemos resumir ao essencial: Xi Jinping nomeou-se Secretário Geral do PCC, Presidente da República da China e Chefe das Forças Armadas, pela terceira vez, para um período de cinco anos — que se imagina poderá ser prolongado indefinidamente.

As outras escolhas do aparelho partidário estavam decididas de antemão pelo Presidente e, na minúcia dos nomes afastados e dos novos escolhidos, consagraram o estatuto de Xi como o novo Imperador do Império do Meio — que está mais império do que nunca e passou do meio para o quase topo. (O que acontecerá ainda este século, prevê-se.)

É impressionante ver as imagens do congresso. Numa sala faraónica bordada de vermelho e dourados, os quase três mil funcionários apresentam uma uniformidade notável. Entre as pessoas — todas de fato escuro, camisa branca, gravata igual, crachá da reunião, cabelo com o mesmo corte —, apenas se destacam alguns militares fardados e uma mulher vestida de vermelho. À frente de cada um a mesma chávena de chá à direita e os mesmos papeis à esquerda. Aplausos sincronizados, gestos codificados. O cerimonial é significativo, como todos os cerimoniais: não há uma vírgula fora de sítio, uma expressão individual. O único incidente, decerto previsto mas não esperado, foi a expulsão altamente simbólica de Hu Jintao, o anterior dono daquilo tudo. Sentado ao lado esquerdo de Xi, foi levado à força por dois seguranças, perante a expressão impassível do imperador. Uma vergonha pública cheia de significado: "quem manda aqui sou eu, e tu representas um passado a apagar da História".

Hu Jintao mandou antes de Xi por um período de dois mandatos, 10 anos, com outras orientações políticas e económicas, que assim são taxativamente atiradas para o lixo, juntamente com ele e os seus colaboradores — que não desapareceram durante o congresso, mas não foram reeleitos.

Durante o governo de Mao Zedong, que durou da vitória de 1946 até à sua morte, em 1976, quem mandava na China era ele, e só ele. Dirigiu várias reformas económicas desastrosas e a campanha política mais famosa, a Revolução Cultural, que começou em 1966 e levou a uma década perdida para o país. À morte de Mao sucederam-se várias lideranças (a começar pelo famigerado Gang dos Quatro, chefiado pela viúva), com vários títulos e funções, até 1982. 

Nesse ano, tudo mudou: foi eleito Deng Xiaoping, o pai da China moderna. Tinha sido preso e reabilitado por Mao, porque tinha ideias próprias, que imediatamente pôs em marcha: um país moderno, com uma economia de mercado, mas dirigido com mão de ferro pelo Partido. Dentro do PCC, optou por uma direcção mais colectiva, em que os comités disto e daquilo eram ouvidos, e limitou o seu cargo a dois mandatos de cinco anos; tudo para impedir uma ditadura unipessoal, que ele achava — e com razão — que leva a decisões erradas e, em última análise, estagnação. Durante o seu tempo, a China deu de facto o grande salto em frente que Mao não tinha conseguido.

Seguindo as suas regras, saiu em 2002, seguido por Hu Jintao, que manteve o rumo, melhor ou pior.

Em 2012 é a altura do Partido escolher novo líder. Quem consegue, porque andava há décadas a trabalhar para isso, é Xi Jinping.

A ascensão de Xi é um caso interessante e por isso comentado em todo o mundo. Pode ser lido neste texto de Evan Osnos na “The New Yorker” e avaliado nesta opinião de Yuen Yuen Ang no “The New York Times”, mas para não queira perder tempo com minúcias, resumimos nós aqui.

Xi era filho de um alto funcionário do partido na época da Revolução Cultural e, como tal, toda a família foi saneada e humilhada. Uma irmã dele suicidou-se. Mas Xi resolveu, em vez de se tornar um revoltado contra o sistema, entrar nele. Foi enviado para um campo de trabalho nos confins do país, rebaixado, sujeito à fome e ao opróbio. A tudo resistiu e foi subindo lentamente na hierarquia do partido, assim que a morte de Mao permitiu a sua reintegração.

Ao contrário do pensamento mais convencional (pelo menos para nós, democratas e capitalistas), de que a China precisava de se democratizar e aderir ao capitalismo para progredir, Xi seguiu exactamente a filosofia contrária: era preciso fortalecer a autoridade, criar uma direcção única e prosseguir os objectivos sociais — a prosperidade económica dos cidadãos — através de um planeamento centralizado e indiscutível. Ou seja, o partido primeiro, a economia depois, supondo que era possível coordenar essa contradição, que a Xi chamou “comunismo ao estilo chinês”.

Se conseguiu, ou não, ainda está para se ver, e falaremos nisso a seguir. O facto é que, purgando os inimigos e afastando (diga-se, fazendo desaparecer) os desafectos, conseguiu o seu primeiro objectivo de dominar completamente o aparelho partidário. Ao ponto, como agora se viu, de quebrar a regra dos dois mandatos instituída por Deng Xiaoping e levar a sua autoridade a um nível que não se via desde Mao. 

Na frente económica, foi alterando o rumo conforme as circunstâncias; ora favoreceu o nascimento de grandes empresas e poderosos empresários privados, ou travou o seu crescimento e esmagou os “capitalistas” mais empreendedores.

Neste congresso, segundo a análise de Chris Buckley no “The New York Times”, a sua visão para o futuro está tanto no que disse como no que não disse. E o que não disse foi o princípio que orientou o país nas duas últimas décadas: paz e desenvolvimento como objectivos, possíveis pela ausência de conflitos externos. Esse princípio não foi enunciado uma única vez, nem no discurso que fez no Congresso, nem no resumo escrito, publicado posteriormente.

Em vez disso, falou das “tempestades” que se aproximam, referindo-se à competição tecnológica com os Estados Unidos, a oposição internacional à conquista de Taiwan (que é um ponto indiscutível da política chinesa) e a presença ocidental (australiana, japonesa e sul-coreana) numa área que considera esfera de influência natural da China.

Sob as ordens de Xi, o país tem mostrado uma agressividade desproporcionada contra tudo o que considera anti-chinês — como a limitação das suas empresas fazerem negócios no ocidente — ao mesmo tempo que alarga a sua actividade tanto bélica — com um aumento exponencial da capacidade da frota de guerra — como comercial — “comprando”, é o termo, as economias mais frágeis da África e da Ásia, com empréstimos exorbitantes que colocam esses países na dependência dos interesses chineses.

Por toda a parte, a China luta agressivamente por dominar, se não militarmente, pelo menos economicamente, e até socialmente.

Um exemplo da luta económica é a implantação da tecnológica Huawei nas comunicações internacionais, onde é o maior fornecedor dos repetidores que fazem funcionar a internet. Ainda este mês, o Ministério da Justiça norte-americano levantou processos a 13 chineses que estavam a tentar interferir no processo contra a companhia.

No campo “social”, chamemos-lhe assim, o caso descoberto agora ainda é mais preocupante: as autoridades dos Países Baixos descobriram que há “esquadras” ilegais chinesas a controlar os seus imigrantes.

Por outro lado, Xi enfrenta os problemas típicos das ditaduras onde a crítica, ou mesmo o comentário, são proibidos. Como ninguém contraria o líder, os erros são persistentes e não caminham para uma solução. O caso mais evidente é a famigerada “política covid zero”, que tem provocado baixas de produção consideráveis e resistência (pacífica, a única possível) por parte da população. É uma política que não funciona e causa estragos imensos. Mas há também a crise do mercado imobiliário, cuja bolha explodiu há dois anos, causou a falência de grandes construtoras, e chegou ao ponto em que bairros inteiros são dinamitados por falta de compradores. (Um bairro na China é do tamanho duma cidade média na Europa). Há também a repressão às grandes tecnológicas, cujos donos foram presos ou desapareceram e cujo “crime” é que se estavam a tornar grandes demais.

Ou seja, quando é um só homem a decidir e ninguém se atreve a contradizê-lo, os erros reproduzem-se em cascata. Que o diga Putin. (Já nem falamos na Coreia do Norte, que é um caso sui-generis.)

Ninguém parece por em causa que a China vá ser a primeira potência mundial ainda este século. A decadência industrial e a degradação do sistema político da actual, os Estados Unidos, estão à vista. Os chineses sabem que vão lá chegar, mas a maneira como acontecerá ainda se está para ver.

Xi acha, pensa, imagina, que sabe a fórmula.

Para já conseguiu ser o Imperador, o que não acontecia desde Mao e, antes de Mao, nos tempos pré-modernos. Temos de prestar muita atenção ao que vai fazer a seguir. O tempo joga a seu favor.