A atual pandemia obriga-nos, mais que nunca, a ter presente as regras que orientam o jornalismo, e coloca-nos novas questões para as quais precisamos ter respostas, que ajudem num dia a dia particularmente intenso no que respeita à informação e com situações únicas, inesperadas e sem precedentes.

Este documento visa compilar um conjunto de orientações que regem o nosso trabalho no SAPO24 e, face à situação que vivemos, é um documento aberto e que poderá ser complementado caso novas situações o justifiquem.

Mais do que nunca, é importante não nos esquecermos do que diferencia o jornalismo do comentário que qualquer um como cidadão pode fazer, bem como do relato de entidades ou pessoas não comprometidas com o dever de informar, como é o caso dos jornalistas.

Este é, por excelência, um tempo para fazermos perguntas, procurarmos respostas e termos sempre presente o impacto do que publicamos na vida de quem nos lê e na sociedade em geral. Mais do que nunca, é preciso pensar antes de publicar, exercer o sentido crítico e ter como valor primordial o respeito pelo outro e pelos outros.

Quais são as fontes que usamos para noticiar número de infetados e eventuais mortes?

Sendo esta a primeira pandemia de um mundo ligado pela tecnologia, a informação chega às redações – como ao cidadão comum, aliás – pelas mais diferentes vias. Fontes oficiais, páginas de redes sociais, grupos de WhatsApp e, no caso dos media, fontes próprias e também o que outros media dizem.

A informação sobre número de infetados e de eventuais mortes é um tema crucial de informação e o público precisa de poder confiar no que os jornalistas lhe dizem.

Estas são as indicações pelas quais nos guiamos no SAPO24:

  • a informação sobre o número de infetados e de eventuais mortes só é dada segundo fontes oficiais, seja a Direção Geral de Saúde, o Ministério da Saúde ou entidade equivalente (Ex.: um hospital que assume publicamente uma informação)
  • não citamos outros meios como fontes de informação neste domínio, precisamente porque não podemos confirmar as suas fontes; a exceção será nos casos em que a fonte desses meios seja pública (Ex.: diretora geral de saúde faz declarações a um determinado meio)
  • não podendo estimar todas as situações futuras, é de considerar que possam existir exceções a esta regra, devidamente avaliadas e ponderadas pela redação do SAPO24

As redes sociais são “fontes”?

As informações que cheguem via redes sociais, grupos de WhatsApp ou e-mail devem ser tratadas como qualquer outra informação no processo de trabalho em jornalismo e isso começa na sua seleção: nem tudo é matéria noticiosa e, na multiplicidade de conteúdos que atualmente são partilhados, é preciso ter espírito crítico e saber selecionar.

Nas informações que são consideradas para avaliação noticiosa, estas são as indicações que seguimos no SAPO24:

  • Avaliar a legitimidade e autenticidade da informação
  • Procurar confirmar a informação com outras fontes
  • Fazer print screens nos casos em que o tema possa vir a ser matéria de notícia, atendendo que muitas vezes as publicações são retiradas
  • Pedir validação a especialistas
  • Desmontar informações que sejam expostas como falsas ao longo do processo

Quando devemos tornar público o nome de pessoas infetadas pelo Covid-19?

Os casos têm se sucedido e vão continuar a acontecer.

Tom Hanks, Idris Elba, a mulher do primeiro-ministro do Canadá, a mulher do primeiro-ministro de Espanha.

Além dos confirmados, há os suspeitos. Em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa foi um desses casos, também Jorge Jesus, ou, pelo mundo, Donald Trump e Jair Bolsonaro, para dar dois exemplos.

Estas são as indicações pelas quais nos guiamos no SAPO24:

  • não noticiamos rumores, o que significa que estas notícias só serão dadas quando os próprios ou seus representantes o tornarem público (caso de todos os que foram referidos no exemplo);
  • se uma figura pública puder estar infetada num contexto em que esteve exposta a muitas outras pessoas (Ex.: um concerto), a notícia dessa possibilidade será avaliada à luz do impacto na saúde pública, mas requer sempre confirmação de fonte de saúde pública ou equiparável;
  • face às previsões sobre a evolução do surto, é possível que muitas outras figuras públicas fiquem infetadas com Covid-19; a avaliação de relevância deverá ser ponderada pela redação do SAPO24 à luz deste contexto evolutivo e atendendo às características próprias de cada situação;
  • na fase atual (17 de março), as recomendações de figuras públicas deverão ser avaliadas pelo seu impacto na formação de opinião e mudança de comportamentos

Quando devemos tornar público o nome de pessoas que tenham morrido devido a infeção por Covid-19?

A reserva da privacidade é um valor que o jornalismo de referência respeita e cuja exceção deve ser determinada em função de situações específicas.

Estas são as indicações pelas quais nos guiamos no SAPO24:

  • o nome das pessoas que sejam vítimas da doença não deverá ser tornado público;
  • a informação sobre o contexto do doente e da morte deverá ser avaliada, sendo que o seu relato, sempre que se conclua pelo valor informativo, não carece de divulgação do nome da pessoa envolvida;
  • a divulgação do nome poderá acontecer em contextos específicos, caso se trate de figuras públicas ou em situações em que a família ou as autoridades assim o entendem.

Imagens de supermercados com prateleiras vazias ou de corrida às compras: devemos ou não partilhar?

O medo, a ansiedade pela incerteza e, no limite, o pânico são consequências da pandemia que vivemos e o papel da informação responsável é não os ampliar e, ao invés, procurar suportar comportamentos que nos ajudem a ultrapassar os dias que vivemos.

O papel higiénico que esgota ao mesmo tempo que vemos imagens de pessoas na caixa de supermercado com 10 packs de rolos ou as prateleiras vazias de carne ou de iogurtes são temas que entram no alinhamento das notícias e que exigem especial atenção para que a sua ampliação não promova ainda mais corrida às compras com as consequentes faltas de produtos.

Estas são as indicações pelas quais nos guiamos no SAPO24:

  • as imagens que nos cheguem via redes sociais exigem confirmação como qualquer outra informação, não são valores absolutos em si;
  • se foram partilhadas por alguém que conhecemos diretamente ou por uma figura pública, devemos sempre verificar com essa pessoa o contexto e autenticidade das mesmas;
  • independentemente das fontes, as imagens precisam contexto: as prateleiras estão vazias porque as equipas de reposição ainda não tiveram tempo de repor ou porque não há produto disponível? Se não há produto disponível, quando se prevê que exista?
  • em cada situação documentada, é importante ter mais que uma imagem, nomeadamente nos casos em que uma área está sem produtos, mas outras não; ter uma visão global ajuda a não provocar corrida às compras;
  • as imagens que sirvam para ilustrar este tipo de situações devem sempre ser colocadas em contexto (texto ou reportagem, no limite com legenda explicativa, que as enquadram) não podendo ser usadas fora do contexto;
  • um supermercado vazio não é, por si mesmo, notícia, sobretudo se nas imediações outros têm produtos; contexto sempre;
  • é importante dar informação sobre a forma como os supermercados e cadeias de distribuição estão a assegurar a reposição de produtos e, em caso de falhas específicas, explicar porquê e quando se espera a normalização.

Como falamos das pessoas que têm ou tiveram a infeção e recuperaram (e que são/serão a esmagadora maioria)

A notícia é muitas vezes entendida como o que foge à regra ou “ao que deveria ser”, o que faz também com que muitas vezes se confunda com o que é dramático. Alguém que morre ou que está em estado crítico é, neste contexto, visto como notícia, ao invés da pessoa ao lado que simplesmente recuperou.

O atual contexto exige que olhemos para a normalidade como fonte de notícias, precisamente porque as histórias de quem recupera e de como foi esse processo são, por um lado, decisivas para aplacar o medo irracional, mas também para preparar todos os que podem contrair o vírus, o que será mais comum à luz das previsões.

Estas são as indicações pelas quais nos guiamos no SAPO24:

  • tentativamente, procurar histórias de quem ficou infetado e contar o processo de recuperação e o que pode ser partilhado sobre o que aconteceu enquanto esteve doente;
  • questionar as autoridades de saúde ou cientistas sobre o tema da recuperação sempre que abordamos o Covid-19;
  • nos dados estatísticos, incluir, sempre que existam, o número de recuperações versus número de infetados e de mortes;

Como fazer reportagem “no terreno” em tempo de isolamento social?

A pandemia está em curso desde o final de 2019 e não deixámos de ver imagens dos locais afetados ou de ouvir e ver o que por lá se passa. Isso significa que, um pouco por todo o lado, há jornalistas que estão no terreno a fazer cobertura direta dos acontecimentos – como estão médicos, equipas de apoio social, forças de segurança, no fundo, todas as profissões cujo desempenho tem impacto público.

No atual contexto, a alocação de jornalistas a reportagens deve obedecer a regras próprias, próximas das que são usadas para situações de cobertura de conflitos ou de catástrofes naturais.

Estas são as indicações pelas quais nos guiamos no SAPO24:

  • nenhum jornalista será obrigado a realizar trabalho no terreno que comprometa a sua a saúde e integridade física;
  • se algum jornalista pretender fazer reportagem no terreno, só o fará quando o SAPO24 conseguir garantir todas as medidas de proteção pessoal, forem discutidas todas as opções e mediante monitorização e recomendações de entidades de saúde pública;
  • em caso de entrevistas presenciais, as regras definidas para evitar o contágio são as que se aplicam: distância mínima de dois metros, ausência de cumprimento físico, proteção de microfones ou outros meios usados;
  • independentemente de estar “na rua” ou ao computador em casa, é importante ouvir histórias no relato direto, procurar histórias que não sejam meras réplicas de partilhas em redes sociais e dar voz a quem tem mais dificuldade em ser ouvido (Ex.: sem-abrigo, pessoas isoladas em aldeias, comunidade chinesa estigmatizada).

Como usamos as imagens no contexto de ilustrar a pandemia?

A informação visual desempenha um papel central na edição do SAPO24. As indicações neste campo são, no atual contexto, idênticas ao que já fazemos na rotina diária em matéria de seleção, acrescendo indicações específicas para casos de captação de imagem em reportagem.

Estas são as indicações pelas quais nos guiamos no SAPO24:

  • a escolha de imagens no banco de imagens ou em agências para ilustrar uma notícia ou reportagem deve ser fidedigna ou o mais fidedigna possível ao contexto a que se refere (Ex.: não ilustramos situações concretas em Itália com imagens da China ou não ilustramos uma situação no Hospital São João no Porto com imagens do Hospital de Santa Maria em Lisboa;
  • em temas transversais associados à atual pandemia, há um conjunto de imagens que, independentemente do contexto, podem ser usadas. (Ex.: camas de hospital, imagens de laboratório, imagens de máscaras);
  • quando a informação se refere a doentes, é necessária particular atenção para não ilustrar com fotos de pessoas específicas ou pessoas em contextos específicos;
  • quando a informação se refere a crianças e jovens no contexto da doença (Ex.: suspensão das aulas) é necessária particular atenção para não ilustrar com imagens de crianças e jovens específicos
  • em contexto de reportagem, garantir que: as pessoas retratadas sabem e autorizam que o estejam a ser, e que os doentes e familiares são fotografados de forma a não revelar a sua identidade, salvo situações específicas que devem ser previamente validadas;
  • devem também ser procurada formas alternativas de imagem, nomeadamente ilustrações ou infografias.

Como trabalhar dados e informação científica?

O desafio de informar no contexto de uma pandemia exige que os jornalistas dominem conceitos e terminologia essenciais sobre a doença, a investigação e os dados que são divulgados ou projetados.

Estas são as indicações pelas quais nos guiamos no SAPO24:

  • os conceitos e terminologia usados nos artigos têm de ser clarificados, temos de entender o que estamos a falar de forma a podermos transmitir essa informação de forma clara aos leitores;
  • sendo um tema científico, deve ser feita validação com especialistas sempre que surjam dúvidas ou seja necessária mais informação;
  • os números, tabelas e gráficos não são valores absolutos em si mesmos, exigem o mesmo espírito crítico que qualquer outra informação;
  • há centenas de estudos já publicados sobre o novo coronavírus. Muitos não são conclusivos, muitos são contraditórios entre si. Há mais incertezas do que certezas neste momento, porque essa é a forma de a ciência avançar. Há coisas que já sabemos, outras que não sabemos. E isso é preciso ficar claro nos textos que escrevemos.

Qual o papel do jornalista?

No atual contexto, é previsível que várias histórias sejam especialmente sensíveis e o jornalista não é naturalmente imune ao que está a relatar. O tom da escrita deve estar adequado ao formato em que é publicada e este deve ser discutido previamente de forma a melhor servir o propósito de informar.

Estas são as indicações pelas quais nos guiamos no SAPO24:

  • O jornalista, salvo raras exceções, não é o centro da notícia, da reportagem, da entrevista, o que significa que a primazia tem de ser dada ao tema / aos factos / aos protagonistas;
  • No formato ‘notícia’, não devem existir considerações emocionais e/ou opinativas;
  • A reportagem e a entrevista pode – e até deverá – ter um tom, esse tom é ajustado a cada jornalista, mas deverá estar alinhado com as coordenadas do SAPO 24 (respeitar os factos e não os deturpar em função do estilo do texto, não recorrer a adjetivações excessivas, não ser “moralista” na avaliação dos factos);
  • Nos casos em que manifestamente o pendor do texto seja opinativo deve ser usado o formato crónica / análise / opinião.

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