Quem quiser fazer uma pausa nos super-heróis ou thrillers e está a fim de um slow burner com drama familiar - com uma fotografia de fazer cair o queixo -, "Gotas Divinas" é uma opção séria a considerar. Mais: se essa predisposição por conteúdos em torno de relações complexas juntar um gosto especial pelo mundo do vinho refinado e gastronomia, então aí é mesmo carregar no play e dar uma oportunidade a esta série.

O Acho Que Vais Gostar Disto (uma newsletter e podcast com recomendações incríveischegou ao Substack!

  • O que é o Substack: é uma plataforma que nos permite continuar a chegar ao vosso e-mail de forma simples, mas também passar a funcionar um pouco numa lógica de blog/site e interagir mais convosco. Podes espreitar a nossa página neste link.
  • Ou seja, na prática: podem continuar a ler-nos (via e-mail às sexta-feiras ou no novo site quando bem entenderem) e a ouvir o podcast como sempre o fizeram. Mas como sabemos que há muita gente que nos lê e ouve todas as semanas, queremos que quem tenha vontade de partilhar ideias e opiniões o possa fazer através da nossa página do Substack.

O trailer e sinopse, verdade seja dita, não deixam antever que esteja aqui uma boa e agradável surpresa, qual descoberta inesperada de uma prova cega. Neste caso, o rótulo não diz tudo e mesmo com os seus clichés e não tendo a qualidade de "Sideways" e outros do género, este não é só mais um drama para degustar ao desbarato. Não só surpreende em vários momentos, como é muito visual e criativo (através da edição e montagem) na maneira como mostra como os enólogos e escanções vivem no seu mundinho e apelam aos seus sentidos no ofício.

Na sua génese, é uma minissérie estilo "Pachinko". É baseada num bestsellerdo New York Times (numa manga, curiosamente), é uma coprodução internacional (neste caso entre Japão e França), percorre várias linhas temporais (entre passado e presente) e é falada em três línguas diferentes (inglês, francês e japonês). Protagonizada pela atriz Fleur Geffrier (da série "Das Boot") e o ator Tomohisa Yamashita ("Tokyo Vice", "Alice in Borderland"), "Gotas Divinas" centra-se numa elaborada competição entre duas pessoas pelas rédeas da garrafeira privada mais valiosa do planeta.

Mais concretamente, o mundo do vinho está a chorar a morte do francês Alexandre Léger, criador do famoso Guia de Vinhos Léger e figura emblemática da enologia, que faleceu na sua casa em Tóquio, cidade que adotou há décadas. E Camille (Geffrier), a filha de Léger que vive em Paris e não vê o pai desde que era uma criança, está prestes a mergulhar neste luto vinícola. Porque apesar do afastamento, Camille não consegue ignorar uma chamada inesperada e viaja até ao Japão — para descobrir que vai herdar uma extraordinária coleção de vinhos e uma casa de milhões. Há, todavia, um senão para meter as mãos na herança: tem de competir por ela com um enólogo-prodígio, Issei Tomine (Yamashita).

Ou seja, a lenda do vinho mundial colocou frente-a-frente a filha biológica contra o filho espiritual, numa competição pouco ortodoxa com provas e puzzles, que engendrou para descobrir quem vai herdar o seu império. No entanto, há um pequeno detalhe nesta charada que não favorece uma das partes: Camille não percebe nada de vinho, nem tampouco consegue bebe-lo porque sofre uma aversão física ao álcool (no sentido lato, uma vez que cai literalmente para o lado quando entra em contacto com a substância). Ainda assim, depois de descobrir a verdade de uma mentira, vai a jogo.

O criador Quoc Dang Tran (autor da série francesa "Paralelos Desconhecidos", por cá no Disney+, e que um artigo da IndieWire diz fazer saltar adolescentes entre dimensões muito melhor do que "Stranger Things") adaptou uma popular manga japonesa e transformou-a numa série intimista sobre o mundo da enologia que nos permite atravessar continentes e culturas enquanto aprendemos que há muito no vinho além do álcool. Como explica um dos melhores amigos do pai a Camille, o vinho "é a terra, é o céu, é as pessoas. É a natureza".

E esta série, apesar de arrastar a história mais ao jeito das papilas de entendido com paladar afinado e retronasal treinado (creio não estar a dizer nenhum disparate se disser que "Gotas Divinas" está para o vinho como "The Queen’s Gambit" está para o xadrez), serve-nos algo que, sem ser incrivelmente transcendente, escorrega bem e deixa um final de boca longo e agradável.