À semelhança do que acontecera no Porto, a Polícia Política prendia um conjunto de elementos que integravam o Socorro Vermelho Internacional [SVI] e o PCP [renovado ou reorganizado]. Ciente de que estava em condições desfavoráveis, António Rodrigues da Mata apresentou-se voluntariamente na PSP daquela cidade, que o entregou à PVDE [Polícia de Vigilância e Defesa do Estado]. Nas instalações desta Polícia, ele desatou a contar, do pé para a mão, o que sabia e a indicar os nomes que conhecia.

No dia 4 de abril de 1941 era preso Eliseu Francisco Ferreira, que a Polícia conhecia de há muito, e depois muitos outros, a maior parte presa entre aquela data e o dia 20 desse mês. Graças ao que foram contando, a Polícia Política efetuou sessenta prisões. Vários dos que foram presos, como Joaquim Aurélio de Oliveira Barros e Francisco Lázaro Barata, tinham participado no atentado, ocorrido no dia 15 de maio de 1940, contra o capitalista Américo Freitas Gonçalves, residente na Rua do Bonjardim, que morreu atingido por dois tiros.

Todos angariavam fundos para o SVI, recolhidos através de sorteios semanais de objetos de arte e de géneros alimentícios, pelo sistema de rifas que vendiam a colegas e amigos. Todas as semanas imprimiam dois mil bilhetes, em séries de cem, que sorteavam tendo em atenção os números que saíam na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Pelo que os detidos ainda contaram à PVDE, também se veio a saber que esses bilhetes eram vendidos a favor de um pretenso grupo excursionista Os Fidalguinhos do Porto, a $20 a unidade, e que a mola real de toda essa atividade eram os conhecidos comunistas Dr. António Carlos Ferreira Soares e Rodrigo da Silveira Pinto, o Pinto da Carris, que encarregaram Manuel André Fernandes Fontainhas de constituir o Comité Regional do Douro do SVI e Manuel Rodrigues Prime o Comité Local do Porto do PCP.

Fernandes Fontainhas, conhecido por Matula, foi preso no dia 20 de abril, e fugiu seis meses depois, integrado num grupo que incluía, entre outros, António Sá Meneses e José Salvador, numa ação que provavelmente nunca saberemos como se desenrolou. O certo é que quando a Polícia Política deu conta eles já iam longe. Usufruindo de estar em liberdade, o Fontainhas foi julgado à revelia pelo TME de Lisboa, no dia 28 de julho de 1943, tendo sido condenado a 15 anos de degredo por este tribunal. Por fim, a Polícia lá o recapturou, a 17 de maio de 1944, mas para o fazerem tiveram os agentes encarregados dessa diligência de disparar alguns tiros, um dos quais atingiu-o numa perna.

Livro: Salazar e a II Guerra Mundial

Editora: Clube do Autor

Data de lançamento: 12 de maio

Preço: 16,65 €

Esse golpe do destino levou a que a Polícia Política soubesse que o SVI, com os seus comités próprios, era controlado pelos escalões superiores do PCP, e que a propaganda que os seus militantes distribuíam nas ruas provinha de copiógrafos que possuíam ou que chegavam de Lisboa.

Na posse dos arquivos, os agentes daquela Polícia Política tiveram ocasião de verificar que o médico António Carlos Soares e o Silveira Pinto haviam integrado o Comité Regional do Douro do PCP, em 1937, tendo o primeiro sido julgado e condenado a quatro anos de prisão correcional, que nunca cumpriu por a PVDE não o ter conseguido capturar. Quanto ao segundo, que sofreu igual punição, evadiu-se daquela delegação em 1939, só sendo de novo agarrado no citado dia 20 de abril.

Em risco de poder ser preso a qualquer momento, António Carlos Soares foi morto em Nogueira da Regedoura, Espinho, no dia 4 de julho de 1942, no decorrer de uma ação policial. Ao que parece, depois de consultar um doente mandou entrar outro, que era o agente da PVDE Manuel Laranjeira. Ao dar-lhe voz de prisão, Soares reagiu. Da luta resultou a morte do médico a tiro.

Aconteceu que a Polícia Política chegara a ele pelos testemunhos dos arguidos Manuel Ferreira Pinto e de Henrique Domingos de Sousa Loureiro, que, «voluntária ou involuntariamente, colaboraram na tentativa de captura do Dr. Carlos Soares, e conduziram a outras diligências».

Todos os que estavam na oposição ao regime aceitaram que a PVDE assassinara Ferreira Soares a tiros de metralhadora. Numa Carta Aberta ao Povo Português, datada de julho de 1942, o SVI erguia-se para testemunhar que o médico fora vítima de uma ação sem perdão da Polícia Política. Da autoria de Joaquim Pires Jorge, como alguns meses depois aquela polícia veio a saber, a carta dizia a dado passo:

«Portugueses!

Exigi a prisão, julgamento e condenação dos assassinos do Dr. António Ferreira Soares.

Usai de todos os meios ao vosso alcance para a punição dos criminosos. Escrevei cartas a todas as autoridades, inclusive ao Presidente da República, para que este crime não fique sem castigo.

Divulgai por todas as formas que poderdes, em Portugal e no estrangeiro, este bárbaro crime que acaba de ser praticado com os requintes da maior crueldade e desprezo pela vida humana, pela Polícia de Informações.»

Diferente foi a versão que a Polícia Política passou. O médico reagiu à ordem de prisão, tendo procurado alvejar o agente que o queria prender. «O falecimento do médico António Carlos Soares ou António Carlos Ferreira Soares, geralmente designado por Dr. António Carlos Soares, morto em legítima defesa pelo agente que o foi capturar, deve ter provocado a fuga imediata dos indivíduos que o rodeavam e colaboravam com ele nas atividades do PCP.»

"É Desta Que Leio Isto"

"É Desta Que Leio Isto" é um grupo de leitura promovido pela MadreMedia e por Elisa Baltazar, co-fundadora do projeto de escrita "O Primeiro Capítulo”.

Lançado em maio de 2020, foi criado com o propósito de incentivar à leitura e à discussão à volta dos livros. Já folheámos as páginas de livros de autores como Luís Sepúlveda, George Orwell, José Saramago, Dulce Maria Cardoso, Harper Lee, Valter Hugo Mãe, Gabriel García Marquez, Vladimir Nabokov, Afonso Reis Cabral, Philip Roth, Chimamanda Ngozi Adichie, Jonathan Franzen, Isabel Lucas, Milan Kundera, Joan Didion, Eça de Queiroz e Patricia Highsmith, sempre com a presença de convidados especiais que nos ajudam à discussão, interpretação, troca de ideias e, sobretudo, proporcionam boas conversas.

Ao longo da história do nosso clube, já tivemos o privilégio de contar nomes como Teolinda Gersão, Afonso Cruz, Tânia Ganho, Filipe Melo e Juan Cavia, Kalaf Epalanga, Maria do Rosário Pedreira, Inês Maria Meneses, José Luís Peixoto, João Tordo e Álvaro Laborinho Lúcio, que falaram sobre as suas ou outras obras.

Para além dos encontros mensais para discussão de obras literárias, o clube conta com um grupo no Facebook, com mais de 2500 membros, que visa fomentar a troca de ideias à volta dos livros, dos seus autores e da escrita e histórias que nos apaixonam.

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A imprensa nada pôde contar. Ao Diário de Notícias, do dia 5 de julho, foi cortada a notícia «Morte dum Médico», descrita desta forma:

«Cerca das 9h30 parou junto do consultório do médico António Carlos Pereira Soares, em Grijó, Gaia, um automóvel, do qual se apearam vários agentes da Polícia. Momentos depois dos representantes das autoridades terem entrado ouviram-se algumas detonações. Daí a momentos aquele clínico foi transportado, no mesmo carro, para a Casa de Saúde de Espinho, onde chegou morto.»

Algum tempo depois o agente da PVDE foi absolvido. Ao tribunal não chegaram provas que contrariassem a versão do Manuel Laranjeira de que não queria matar o médico e se o fez foi para salvar a sua vida. Na ausência de outras informações nunca saberemos quem falou verdade ou quem distorceu os factos.

Por essa altura, já a PVDE detivera Francisco António Rato, que no distrito de Beja trabalhava intensamente na reconstrução das novas bases do Partido.

No dia 29 de abril, a Polícia Política acrescentava no seu livro de registos o nome de José Soares, o Malatesta, que regressara, em julho de 1940, da Colónia Penal do Tarrafal, por integrar o PCP. A sua atividade iniciara-se em 1923, a ser verdade o que constava no cadastro que a PVDE fizera a seu respeito. Quando foi capturado, na Rua Fernandes da Fonseca, em Lisboa, gritou de tal modo de que estava a ser vítima de uma perseguição política, que os captores tiveram de usar métodos violentos para o calarem. Provavelmente na sede daquela Polícia foi-lhe prescrita doses de cavalo, com o recurso a chicotes.

Salazar e a II Guerra Mundial
créditos: Clube do Autor

Contou que integrava o grupo reorganizador, pertencendo à direção do SVI, que, com regularidade, se deslocava à província para estabelecer ligações com os aparelhos locais. Referiu o papel importante que assumiam no novo PCP, Militão Bessa Ribeiro, Joaquim Pires Jorge e Júlio de Melo Fogaça, e falou também de Dalila Duque da Fonseca. Tudo gente com largo cadastro policial.

Menos difícil lhe foi por certo falar da atividade dos enfrentistas, que em luta com os reorganizadores, no seu Avante, exploraram o facto de o Malatesta ter vendido volfrâmio aos alemães, adquirido não se sabe bem como nem onde. As suas declarações atingiram o apogeu quando referiu que por causa do volfrâmio tivera uma conversa pouco amigável com o médico Vítor Hugo Velez Grilo, um dos dirigentes do velho PCP frentista ou grilista, facto que era do domínio público e que a Polícia Política há muito sabia.

Com algum tato, a Polícia Política conseguiu chegar ao topo do PCP Renovado ou Reestruturado, quando prendeu, no início de agosto de 1942, na Estrada das Amoreiras n.º 295, 2.º, Joaquim Pires Jorge, Júlio de Melo Fogaça, Pedro dos Santos Soares, Dalila Duque da Fonseca e Cecília dos Santos, arrendatária da habitação, que foi libertada por desconhecer a atividade das pessoas a quem subalugara parte da casa.

O Pires Jorge usava os pseudónimos de Vicente, Alberto, Guilherme e Fonseca, e Melo Fogaça o de António.

Naquela casa a PVDE encontrou 217 exemplares do jornal Militante, cinco exemplares do Boletim do Secretariado do Comité Central do PCP, 110 exemplares do Boletim do Secretariado Central do SVI, 271 Avantes, 89 Cadernos de Cultura Marxista e outra documentação.

Era longa a militância do Pedro Soares dos Santos. Por tal motivo fora condenado pelo TME e enviado para a colónia penal do Tarrafal, de onde regressou por ter sido abrangido pela amnistia que o Governo concedera, pelo decreto n.º 30.484, de 1 de junho de 1940. Sem escancarar as portas da intimidade referiu que no PCP reorganizado lhe cabia dirigir a Comissão de Quadros, organismo que se destinava a preparar ideologicamente os novos militantes.

Revelou também que, preocupado com a prisão de Francisco Rato, voltou a Beja, para montar com José de Oliveira Soares um Comité Local ali, e, com José Marujo, outro em Beringel. Nessa altura, não estava a ser fácil a penetração do PCP reorganizado ou renovado em várias regiões do país. No Minho só se infiltrou bem no segundo semestre de 1944.

Cerca de dois meses depois da prisão do José Soares, a PVDE assaltava uma tipografia clandestina na Rua Capitão Roby n.º 39, 1.º Esq., e prendia Militão Bessa Ribeiro, outra figura grada da nova organização.

Não lhe dando descanso, no dia 24 de novembro de 1942, a PVDE enviava alguns dos agentes à vivenda Zeferina, no lugar do Algueirão, concelho de Sintra, por ter recebido a informação de que ali existia uma tipografia clandestina do PCP reorganizado. Assaltada a casa, nela foram encontrados documentos e outro tipo de propaganda que ali tinham sido impressos.

O discurso renovador foi bem acolhido por muitos jovens universitários de Lisboa e de Coimbra e teve alguma aceitação nas escolas do Porto. Numa época de paixões, correram para aqueles braços, entre outros, Lino de Carvalho Lima, Fernando Pinto Loureiro, Joaquim Namorado, João Cochofel, Armando Filipe Cerejeira e Pereira Bacelar, que vieram a ocupar posições de relevo naquele PCP.

A credibilidade dos reorganizadores ou renovadores também foi bem aceite nos clubes populares, onde entravam para chegarem ao operariado. Para darem mais estabilidade, segurança e aceitação à sua organização criavam bibliotecas, promoviam conferências e colóquios, levavam à cena peças de teatro, realizavam bailes e outros tipos de diversão. Na zona oriental de Lisboa, os comunistas fizeram sentir a sua ação no Marvilense Futebol Clube, no Chelas Futebol Clube, na Sociedade do Beato, no Sport Lisboa e Olivais, no União e Capricho Olivalense. O Marvilense, o Chelas e o Grupo Desportivo Os Fósforos fundiram-se, em 1946, para darem origem ao Clube Oriental de Lisboa.

O interesse pelo povo trabalhador também o levou a estar presente na extensa faixa que ia do Poço do Bispo ao Cais do Sodré. Em toda esta área existiam fábricas e muitas oficinas, armazéns e casas de fabrico e preparação de vinhos. No Poço do Bispo as mais importantes eram as de Domingos Barreiros e Abel Pereira da Fonseca, que através do que se convencionou chamar as esquadras do vinho recebiam quase diariamente grandes quantidades vindas do Ribatejo. Segundo todos os relatos, essas esquadras eram constituídas por fragatas.

Acossado igualmente pela atenção da PVDE, o PCP frentista ou grilista sofreu um rude golpe no dia 27 de fevereiro de 1942, quando aquela Polícia prendeu o seu principal dirigente, Vasco de Carvalho, o Vasconcelos, Rodrigues ou Filipe, pseudónimos que usou no SVI e no PCP. Como até essa altura nunca fora preso, o PCP reestruturado acusava-o de trabalhar para a Polícia Política, o que não era de todo verdade. Na altura da sua detenção também foi capturada a prima e companheira Deolinda da Silva Machado Santos, que desde 1935 o acompanhava na clandestinidade.

Como um mal nunca vem só, cerca de dois meses depois, aquela polícia assaltava uma tipografia que o Partido frentista possuía na Travessa da Cruz de Soure, e detinha três outros dirigentes: José Coelho Fernandes Colaço e Casimiro da Silva Rodrigues, ambos compositores da Imprensa Nacional, e Agostinho Fernandes Palma, alfaiate, no momento em que imprimiam o seu Avante. No dia seguinte, 30 de abril, foi capturado Fernando Pereira Serrano, maquinista da Companhia dos Caminhos de Ferro de Lisboa. A casa onde estava instalada a tipografia era a residência de Fernandes Palma.

A partir daqui, aquele partido passou a viver um momento diferente, dado que com estas baixas a organização deixou de ter capacidade para enfrentar os reorganizadores. Nem a prisão os protegeu das calúnias que sobre eles lançaram os franguistas ou cunhalistas, nomeadamente de serem provocadores ao serviço da Polícia Política. Como temos hoje um conhecimento maior da realidade do que tinham muitos dos que andavam envolvidos nessa luta, podemos dizer que nessa altura valeu tudo.

Ao mesmo tempo que alguns dos acontecimentos descritos ocorriam, no dia 14 de abril, quarta-feira, as emoções vieram para as ruas de Lisboa a fim de homenagear Óscar Carmona, que pela quarta vez tomava posse como Presidente da República [1926, 1928, 1935 e 1942]. A atividade comercial e industrial fechou na parte da tarde daquele dia, incluindo cafés e pastelarias, para que todos pudessem assistir à grande festa.

Segundo a imprensa da época, milhares de pessoas presenciaram o cortejo presidencial, que levou Carmona de Belém ao Palácio de São Bento. Sem terem de pagar qualquer preço viram a escolta de honra, constituída pela 2.ª brigada de cavalaria e uma companhia de motociclistas, e unidades do Governo Militar de Lisboa, da GNR, da Marinha, da GF e da Legião Portuguesa formarem desde a Calçada da Ajuda à Avenida Presidente Wilson.

Em São Bento, Óscar Carmona jurou cumprir a Constituição, observar a lei, promover o bem geral, sustentar e defender a integridade e a independência da Pátria portuguesa, perante o Governo, deputados e procuradores à Câmara Corporativa, antigos ministros, comandantes de todas as regiões militares, presidentes das câmaras municipais, juntas de freguesia e outras individualidades.

Também deve ter ficado nos ouvidos de quem assistiu ao ato, o discurso que, doze dias depois, na inauguração do edifício dos Correios e Telégrafos em Aveiro, o ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco, pronunciou, sobretudo a comparação que estabeleceu entre o velho e o novo, ou seja, entre os serviços prestados pelos Correios, Telégrafos e Telefones em 1942 e os dispensados anteriormente a 1926.

Com o fim de manter acesa a chama da militância nas ruas, a Câmara Municipal de Lisboa, no dia 1 de maio, voltou a oferecer aos habitantes da cidade, sobretudo aos operários, espetáculos nos teatros Avenida e Maria Vitória; no Coliseu dos Recreios; nos cinemas Bélgica, Campolide, Cinearte, Esplanada Vitória, Europa, Imperial, Jardim-Cinema, Oriente, Paris, Pátria Popular, Portugal, Promotora, S.L.B. e Voz do Operário.

Para que as crianças vivessem momentos de felicidade ofereceu-lhes matinés no ginásio do Instituto Superior Técnico, livros e brinquedos, e a FNAT, a outras tantas, um lanche. Deve-se ainda recordar que, nesse dia, em colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa, se realizaram festas na Junta de Freguesia do Beato, com a colaboração da Tuna Recreativa Juventude Chelense e da Academia Recreativa Operário Beatense; nas Escolas Gerais, com a participação da Sociedade Boa União, que apresentou a peça Boa Recompensa, da autoria de Ramada Curto; no Grupo Sempre Unidos (Monte Pedral) uma sessão cultural; organizado pela União e Capricho Olivalense decorreu um concerto musical no coreto da Praça da Viscondessa; o Marvilense Futebol Clube realizou um sarau e palestras; o Clube Familiar Moscavidense uma sessão cultural; na Academia Recreativa Musical de Santo Estevão um espetáculo dramático; etc.

Com outra pompa e circunstância realizou-se no Teatro Nacional uma festa popular, com a presença do subsecretário de Estado das Corporações. E três dias depois, a velha pedagogia de conquistar corações levou a Orquestra Filarmónica de Berlim a dar um concerto no Coliseu dos Recreios, com a receita a reverter para os pobres de Lisboa.

Salazar
créditos: AFP

Momentos de felicidade realmente libertadora devem ter sentido, no dia 10 de maio de 1942, os diplomatas que foram trocados em Lisboa. Contava a imprensa do dia seguinte que tinham chegado à estação do Rossio quatro comboios especiais, precedentes da Itália, trazendo pessoal diplomático e consular de nações americanas, que estiveram em serviço naquele país e na Grécia, num total de setecentas pessoas. À sua espera estavam os ministros do México, de Cuba e da Guatemala, o secretário da Legação dos Estados Unidos em Lisboa, João de Mendonça, do protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Pinheiro Torres, agente de ligação entre o consulado norte-americano e as autoridades portuguesas, e funcionários das legações da Itália e da Suécia. Outro comboio procedente do Reich chegava no dia seguinte.

Prazer igual devem ter sentido, no dia 16 de maio, os diplomatas alemães e de outros países que, trazidos no navio Drotnigholm, iam ser trocados em Lisboa por representantes oficiais dos países americanos. Ao todo eram 609 alemães, 291 italianos, 39 húngaros e nove búlgaros. No dia seguinte, seria a vez do Cabo de Buena Esperanza trazer 105 alemães e 15 italianos, e os paquetes brasileiros Siqueira de Campos e Bangé deixarem igualmente individualidades do Eixo.

No dia 20 de maio chegavam à estação do Rossio mais três comboios, com 342 cidadãos americanos. Para o Executivo português, a realidade longínqua tornava-se próxima. Quatro dias passados, a bordo do navio português Serpa Pinto, entravam na capital portuguesa 685 alemães, que na Argentina e no Uruguai haviam representado o Eixo em funções diplomáticas e consulares.

Não podia haver dúvidas de que «entre as vantagens para as potências em conflito de Portugal se encontrar fora da guerra estava o facto de o porto aberto de Lisboa oferecer um terreno de encontro mutuamente aceitável para programas de trocas formais, com chegadas e partidas cuidadosamente calendarizadas para manter o ato de equilíbrio nacional de tratamento igual.»

Algo de novo chegou quando, no âmbito do Ministério da Guerra, o Executivo criou a Defesa Civil do Território [DCT], para garantir, em situação de guerra, o regular funcionamento das atividades que interessavam «a toda a população e à conservação da riqueza pública». Competia-lhe ainda a defesa contra ataques aéreos de qualquer natureza, a guarda dos centros vitais e das comunicações, das obras de arte [leia-se as pontes e os viadutos], e da retaguarda e do interior.

Dizia-se no decreto-lei n.º 31.950, de 2 de abril de 1942, que a criou, que a DVT tinha por fim preparar moralmente a Nação para a guerra, fortalecendo «o espírito de vitalidade e de resistência da população e a coesão nacional em face do perigo».

Já a Legião Portuguesa foi encarregada de orientar a defesa civil do território. A exemplo de exercícios realizados no estrangeiro, no dia 18 de maio, aviões militares lançavam sobre Lisboa panfletos, nos quais era pedido à população que participasse em simulações de defesa contra ataques aéreos, que se realizariam dentro de dias. Como estava previsto, no dia seguinte, a Legião Portuguesa, pelo mesmo processo, dava indicações à população de como se devia comportar durante essas manobras. Assim, ao escurecer, em hora a determinar, fechava as janelas e postigos, e adotava medidas que não permitissem que do exterior se visse luz. Além disso, para evitar que os vidros pudessem estilhaçar deviam colar-lhes, interiormente, fitas de pano ou de papel, em diagonal ou formando rede. Etc.

As fábricas e oficinas receberam a indicação para abandonarem o trabalho após o sinal de alerta da iminência do bombardeamento, tendo cada uma a sua brigada de Defesa Civil, comandada por um engenheiro ou mestre, com a seguinte constituição: equipas de vigia no topo, equipas de socorros a feridos e equipas para atuar em situações de desobstruções, demolições, escoramentos, cortes de eletricidade, etc.

Tal como todo o país, os hotéis, pensões, restaurantes, as viaturas em trânsito e as redes e as instalações ferroviárias receberam indicações quanto ao modo como deviam atuar no decorrer dos exercícios de defesa contra ataques aéreos.

Os exercícios iniciaram-se nas áreas de Lisboa, Porto e Coimbra nos dias 21, 22 e 23 de junho, respetivamente. Na área da capital, a cargo do governador militar de Lisboa, sob a orientação do comando da Defesa Terrestre contra Aeronaves, as manobras realizaram-se na margem direita do Tejo, da zona urbana de Sacavém a Cascais, e na margem esquerda, cobrindo os núcleos populacionais da Trafaria ao Montijo. Aparentemente desprovidos de nervosismo, no último dia, o chefe do Governo e alguns ministros assistiram à simulação de um bombardeamento a Lisboa, no decorrer do qual foram evacuadas as escolas, os colégios e os asilos.

É chegada a altura de referir que, dada a punição dos crimes de açambarcamento, especulação e contra a economia nacional não estar a produzir os efeitos desejados, o Governo decidiu alterar a legislação saída a 10 de outubro de 1939. E a melhor forma de o fazer, assim pensou, era endurecer as penas estabelecidas. Assim, pelo decreto-lei n.º 32.086, de 15 de junho de 1942, alterou o regime de cumprimento da pena, que deixava de poder ser remida ou suspensa, elevou o limite máximo da multa para 300 contos, uma importância elevadíssima na época, e determinou que as empresas cujo trabalho fosse suspenso por sanção, ficassem obrigadas a pagar os salários do pessoal, enquanto se mantivesse a interrupção.

Por outros motivos, uns dias antes, a 11 de junho, o Executivo fizera sair as portarias n.º 10.111 e 10.112. Na primeira fixava os preços do algodão colonial, no sentido de estabelecer os preços dos tecidos, e organizava em novas bases a compra da lã, a sua distribuição para a indústria e a sujeição às regras da apertada disciplina da produção e da venda dos tecidos. Pela segunda portaria, as lãs na posse dos produtores ou dos intermediários eram requisitadas, e os industriais de lanifícios obrigados a entregar o manifesto à Junta Nacional dos Produtos Pecuários, até ao dia 15 de junho. Nele teriam de indicar as existências de lãs em rama, sujas e lavadas, penteadas, fios, mungos e desperdícios, referidos ao dia 10 desse mês, as entradas, as que foram adquiridas e os lugares onde se encontravam. Qualquer das portarias obedecia ao disposto no decreto-lei n.º 31.564, de 10 de outubro de 1941.

Como a vida não parava e tudo mexia, nomeadamente a agitação social e as complexas relações entre partidários do Estado Novo, sob o fogo de pressões amigas, no dia 25 de junho, Oliveira Salazar leu aos microfones da Emissora Nacional a comunicação «Defesa Económica, Defesa Moral, Defesa Política». Faltavam no título as palavras Defesa da Nação.

De forma clara e ordenada, o presidente do Conselho lembrou como fora necessário manter equilíbrios e agir com prudência, para garantir, na medida do possível, a neutralidade, de forma a não comprometer a vida económica, o emprego, a estabilização da produção e dos serviços, da moeda e do crédito, dos preços, vencimentos e salários.

Sem alguma hesitação, afirmou a seguir que, para evitar que o caos se instalasse na economia, com consequências previsíveis na própria sociedade, o Governo controlara os preços e impusera as senhas de racionamento. Recorreu ainda à orgânica corporativa e lançou a campanha de impulsionar, ao máximo, a capacidade de produzir, poupar, organizar e distribuir.

Ninguém estava à espera que Oliveira Salazar referisse o papel da Censura na eliminação de notícias cuja saída podia provocar ruturas, nem que dissesse que os órgãos corporativos não estavam a corresponder ao que o Poder deles esperava.

Lançadas aquelas palavras, Oliveira Salazar chamou a atenção para os perigos que podiam dividir, extraviar e despersonalizar os portugueses: «A propaganda excita as paixões, ao que somos atreitos em Portugal, e simplifica de tal modo as coisas, que há aí muitos com ideias assentes sobre a grande estratégia e os problemas mundiais; muitos se admiram porventura de não serem ouvidos nos quartéis-generais, nem seus modos de ver escutados pelos grandes chefes; sentimentos exaltados criaram os partidos – os partidos do estrangeiro – tantas vezes esquecidos do interesse nacional.»

E como sabia que havia uma certa tensão no ar, que o país aguardava o desenrolar dos combates para ver como ia ficar a sua vida, colocou as seguintes questões: «Porquê e para quê dividir-nos à volta de interesses estranhos? Já é algum destes um interesse nacional? Quando o seja, não havemos de estar divididos mas solidários e fortes na nossa unidade?»

Era evidente que os fatores de turbulência e de agitação que percorriam o mundo e a nossa sociedade não eram favoráveis à harmonia dos portugueses. Assim como era claro que as agências e os jornais estrangeiros fariam, desta parte, do discurso a leitura que mais lhes interessava. E como nem toda a Europa era favorável a Portugal ou ao seu líder, aos telegramas vindos de Berlim e de Roma, pela DNB [Deutsches Nachrichtenbüro – Agência de Notícias Alemã], ao Diário de Notícias, de 28 de junho, foram eliminadas as passagens em que se afirmava que o discurso de Salazar constituíra uma resposta ao pacto anglo-russo.

O instinto de conservação e organização da Censura levou a que eliminasse, no mesmo jornal, um telegrama enviado de Madrid por aquela agência, a parte onde referia que o Arriba escrevera o mesmo. Ou seja: fora a inquietação causada pelo pacto anglo-russo-americano que levara Salazar a convidar os portugueses a manterem-se unidos e vigilantes, sem prejuízo das suas ideias e convicções.

Diga-se que o conselho final do presidente do Conselho aos portugueses foi o de não se deixarem levar pela proliferação dos discursos e pelas movimentações políticas:

«Espero que tenhamos reservas de forças suficientes para não deixar perder na paz o que a guerra poupou, pois não se trata de salvar posições pessoais ou políticas, mas condições essenciais à salvaguarda da nossa independência e ao engrandecimento da nossa Pátria.»