"Vemos um renascimento da atenção do mundo literário sobre a África", declarou à AFP Xavier Garnier, professor de Literatura Africana francófona e suaíli na universidade Sorbonne Nouvelle. Um fenômeno que considera ser "singular".

Historicamente, os escritores africanos são sub-representados no cenário internacional. Todavia, neste ano o senegalês Mohamed Mbougar Sarr destacou-se, aos 31 anos, como o primeiro escritor da África Subsaariana a levar o Prêmio Goncourt, o Graal da literatura francesa, pelo seu livro "La plus secrète mémoire des hommes" ("A mais secreta memória dos homens", em tradução livre — tem edição portuguesa planeada para 2022 pela Quetzal).

No mesmo dia, o sul-africano Damon Galgut ganhou o Booker Prize, o prémio máximo para a literatura escrita em inglês, por "The Promise" ("A Promessa", com edição em Portugal planeada para dezembro pela Relógio d'Água) — e a coroação aconteceu com o Nobel de Literatura concedido ao tanzaniano Abdulrazak Gurnah (cuja parte da obra será publicada por cá pela Cavalo de Ferro entre 2022 e 2023).

Mas a lista não acaba aqui: o Booker Prize International coroou o franco-senegalês David Diop (cujo "De Noite Todo o Sangue é Negro" já por cá foi publicado pela Relógio d'Água), o renomeado Prêmio Neustadt, nos Estados Unidos, foi atribuído ao senegalês Boubacar Boris Diop e o Prémio Camões (que premia um autor de língua portuguesa) foi vencido pela moçambicana Paulina Chiziane.

Estes prémios chegam após o "renascimento da literatura africana nos últimos dez anos", explica à AFP Boniface Mongo-Mboussa, doutor em Literatura Comparada no Sarah Lawrence College, nos EUA. A literatura africana está a ser cada vez mais dominada por "escritores profissionais, o que não aconteceu com os nossos antecessores", explica este especialista.

Outro fenómeno coincidente: "a entrada em cena das mulheres", como Tsitsi Dangarembga (Zimbábue), Paulina Chiziane (Moçambique) ou a já premiada várias vezes Chimamanda Ngozi Adichi (Nigéria).

Os temas também mudaram, explica Mongo-Mboussa, escritor e crítico literário. Mohamed Mbougar Sarr, premiado com o Goncourt, por exemplo, "escolheu falar de literatura" no seu livro, o que significa "tomar distância" dos temas mais comuns das histórias africanas "que falam, por exemplo, de violência, guerra, das crianças soldados".

O feminismo, a homossexualidade, a ecologia, o afrofuturismo (corrente da ficção científica) também aparecem na produção literária do continente.

No entanto, no mundo francófono persiste a distinção entre literatura francófona e francesa, destaca Boniface Mongo-Mboussa.

Vários escritores africanos já receberam o prémio Renaudot, outro grande prêmio literário francês, e o franco-congolês Alain Mabanckou deu aulas no prestigiado Collège de France.

Todavia, os escritores francófonos africanos continuam a ser vistos como "produtos do antigo Império" e não realmente como atores no mesmo patamar, acrescenta este doutor em letras.