Além das marcas físicas, nas mãos, pés e nariz, a pior expedição da sua vida, que em 18 de maio de 1999 o levou aos 8.848 metros da mais alta montanha do mundo, deixou-lhe “dúvidas na cabeça”, que, depois de superadas, se tornaram numa lição.
“Depois do Evereste tive momentos bastante incertos, sem saber o que iria fazer da minha vida”, contou, em entrevista à agência Lusa, admitindo que, depois de perceber que tinha perdido parte dos dedos dos pés e das mãos e o nariz, deu uma hipótese a si próprio.
“Apenas escutei o meu coração. Dei uma chance a mim próprio de voltar ao terreno, de perceber quais eram as minhas novas limitações, a nível de mão útil. Tive de perceber que tinha tido muita sorte. Eu sobrevivi!”, referiu.
A duas décadas de distância, assumiu que essa expedição foi uma sucessão de erros: “20 anos depois, olho para trás e vejo que foi uma sucessão de erros (…). Às vezes, há uma série de erros que todos juntos potenciam consequências que, no meu caso, e no do Pascal, foram catastróficas”.
Depois da fotografia no topo, que os fez permanecer tempo demais a uma altitude em que a sobrevivência fica em risco, o mau tempo e a noite obrigaram-nos a uma paragem, que se revelou fatal para o belga Pascal Debrouwer.
Durante algumas horas, não sabe quantas porque ‘apagou’, João Garcia viveu momentos de sofrimento mental e físico. Partes do seu corpo congelaram, obrigando-o a um internamento de três meses em Saragoça, em Espanha.
Em 16 anos, subiu ao topo das 14 montanhas com mais de 8.000 metros e entrou para o restrito grupo de 15 escaladores que o fizeram sem recurso a oxigénio artificial.
A pior expedição da sua vida acabou por ser a que mais fama lhe deu. Durante anos, foi patrocinado por uma instituição bancária, era identificado na rua e as solicitações surgiam de vários quadrantes. Hoje, acredita que 10% da população portuguesa o reconhece na rua.
Com a falta de patrocínios, ditada sobretudo pela crise, aprendeu que “não é preciso ganhar muito, é preciso é saber gastar menos” e voltou a ser o que era antes: “um guia de montanha, um professor de alpinismo e um autor de livros”.
A ‘máxima’ de “fazer mais com menos” levou-o por estes dias ao Nepal. Em 18 de maio, vai estar a trabalhar como guia de um grupo no vale do Khumbu, no Evereste, ao cerca de 12 quilómetros do local do acidente de 1999.
“Depois dos clientes regressarem a Portugal, fico mais duas ou três semanas. Já estou aclimatado. Combino atempadamente com outros escaladores e vamos explorar as ‘nossas’ montanhas, sem qualquer pressão e apenas porque queremos”, contou.
Aos 51 anos, orgulha-se de ter feito “muito alpinismo”, de ser “um bom especialista aos 8.000 metros” e de fazer “parte de uma geração que inovou a forma de subir a grandes montanhas”.
É feliz porque faz o que gosta, mas admite que pode ser um incompreendido: “Escalo montanhas porque quero, é essa a minha paixão. As pessoas, se calhar, não me compreendem, se eu disser que me sinto mais alpinista do que antes. Estou a fazer coisas mais técnicas, tenho mais liberdade para o fazer o que quero”.
Reconhece já se ter “reformado das montanhas de 8.000 metros”, e diz estar numa fase em que quer partilhar conhecimentos e fazer como o agricultor: “Semear para ver crescer”.
“Estou a descer a montanha da minha vida, já me reformei das montanhas de 8.000 metros, sinto-me forte para subir até aos sete mil sem recurso a oxigénio, os oito mil metros por mim estão feitos, são um capítulo fechado”, assegurou.
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