O antigo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa Edmundo Martinho acusa a atual administração da instituição de estar apostada em desacreditar e denegrir a anterior gestão, além de construir falsas narrativas sobre o projeto de internacionalização.
Numa carta enviada hoje à agência Lusa, Edmundo Martinho começa por dizer que tem “mantido a contenção que a boa educação exige”, para de seguida afirmar que chega uma altura em que “a verdade tem de vir ao de cima”.
“A afirmação desde esse momento inicial, de ‘irregularidades’ no projeto de internacionalização, é reveladora de profunda má-fé e vontade de diminuir. Seria no mínimo exigível respeito por quem dedicou parte significativa da sua vida à causa pública”, diz o antigo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), criticando não ter recebido qualquer contacto pessoal fosse para dar conta da intenção de realizar a auditoria, fosse para pedir esclarecimentos.
Acrescenta que a “diferença de opiniões, legítima, não confere o direito a ninguém de achincalhar o cargo de provedor (…), de desacreditar grande parte da equipa” que trabalhou na anterior administração ou de “colocar em perigo as contas da Santa Casa para o futuro, arrasando projetos sem que se fizesse uma avaliação dos mesmos, sem que se avaliassem as consequências dessas decisões”.
Na opinião de Edmundo Martinho, desde que tomou posse em maio de 2023, a administração de Ana Jorge, atual provedora, mostrou-se incapaz de definir estratégias, optando por “atacar decisões anteriores” e “focando-se apenas em denegrir o trabalho realizado pela anterior administração”.
Concretamente em relação ao projeto de internacionalização dos jogos sociais, e por causa do qual o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) exigiu a realização de uma auditoria, o antigo provedor diz que tem vindo a ser construída uma “falsa narrativa”.
Recorda que começou a ser falado ainda no tempo de Pedro Santana Lopes à frente da SCML – em que Edmundo Martinho era vice-provedor – como solução para um problema que era preciso “resolver no curto prazo”, o aumento das despesas, enquanto as receitas do jogo se mantinham estáveis.
Segundo Edmundo Martinho, o Governo foi informado da decisão e mesmo a atual ministra, Ana Mendes Godinho, teve “informação detalhada sobre o projeto”, ao qual deu “total concordância”, tendo sido “em permanência, e por escrito, informada dos investimentos concretizados e das aquisições realizadas”.
A Lusa contactou a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mas a instituição recusou fazer qualquer comentário.
“Foi por isso com enorme estupefação que ouvi, em junho de 2023, a Ministra Ana Mendes Godinho falar do projeto de Internacionalização como se o desconhecesse por completo, falar das contas da Santa Casa, de 2021 e de 2022 por homologar, falar da internacionalização e do suposto buraco financeiro que representava como se fosse o culpado pela situação de asfixia financeira da Santa Casa”, apontou.
“E foi também com grande estupefação que vi este projeto ser achincalhado em praça pública pela nova Provedora, tendo sido terminado de forma abrupta pela atual administração, sem qualquer avaliação e análise do impacto que uma interrupção total e inesperada das necessárias transferências financeiras iria provocar, pelo não assumir dos compromissos assinados pela anterior Mesa”, acrescenta.
Refere, por outro lado, que foi “sem surpresa” que viu uma anterior administradora, que tinha o pelouro da internacionalização, ser promovida a vice-provedora, “não importando, aqui, o nível de responsabilidade e de envolvimento no projeto”.
Por outro lado, chama a atenção para a atual “asfixia financeira provocada pela espera dos resultados” da auditoria, apontando que tem “graves consequências para a Santa Casa, quer imediatas, quer no futuro”, dando como exemplo uma perda potencial de 10 milhões de euros pela recusa de investir 100 mil euros no grupo AINIGMA, “reduzindo a participação societária da SCML de 26% para 4%”.
Edmundo Martinho afirma que a narrativa que a atual administração da SCML “construiu e divulgou sobre a internacionalização é falsa”, não só em relação ao facto de a tutela ter sabido “sempre de tudo”, como por ter-se provado como falso que a anterior administração não tivesse respeitado o despacho da ministra Ana Mendes Godinho.
“Varreu-se tudo, destruiu-se tudo, hipotecou-se tudo, sem fundamento, sem avaliação, sem análise prévia das consequências, mas com juízos de valor e achincalhamento em praça pública, com a demissão dos administradores sem sequer terem sido ouvidos. (…) Ficam por perceber as verdadeiras intenções de todo este comportamento. O tempo ajudar-nos-á a perceber o que realmente motivou esta atitude indigna e longe de critérios mínimos de decência”, diz.
Relativamente à receita do jogo social em Portugal, Edmundo Martinho diz ainda que “há um claro cinismo” ao promoverem-se campanhas a alertar para o vicio do jogo, ao mesmo tempo que se cria um novo jogo social e “projeta-se e deseja-se que as famílias gastem mais em jogo”.
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