"Depois de profunda análise e ponderação, decidimos não reabrir ontem [sábado]. Esta decisão é motivada sobretudo por respeito à sensibilização dos agentes da PSP. Estudámos energicamente todas as vias disponíveis e muito brevemente partilharemos mais informações sobre as ações que iremos desenvolver. (...) Reabriremos em breve, em força".
É esta a promessa deixada, em comunicado, pelos sócios-gerentes do Lapo, restaurante de Lisboa que foi notícia por se recusar a fechar portas e por ter servido jantares na sexta-feira, 15 de janeiro, primeiro dia do novo confinamento geral.
De recordar que no âmbito do Estado de Emergência em vigor, prevê-se que os estabelecimentos de restauração e similares funcionem exclusivamente para entrega ao domicílio ou em regime de take-away.
No entanto, num manifesto publicado à porta do restaurante, e em que justificavam a decisão de continuarem a trabalhar, os sócios-gerentes do espaço lisboeta defendiam que "a defesa da saúde pública não deve nem pode tornar-se um álibi para um atentado contra a vida e a liberdade do povo português".
"Entendemos que os Direitos Humanos têm sido amplamente violados e que a Constituição da República Portuguesa tem sido espezinhada. (...) o Estado não tem legitimidade, em circunstância alguma, para desprezar os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos", argumentavam.
"Quando a autoridade, que tem o dever de nos defender e governar, leva as nossas empresas e as nossas famílias à ruína financeira, privando-nos do direito à subsistência, depois de uma vida de sangue, suor e lágrimas, é um sinal de que é urgente refletir e agir", afirmavam.
O ato de "resistência" foi notícia e justificou uma visita da polícia ao local logo na sexta-feira à noite.
Contactada pelo SAPO24 a PSP confirma que "no decorrer da fiscalização do estabelecimento de restauração e bebidas 'LAPO' foi registado um auto de contraordenação por incumprimento da restrição de atividades, cujo valor da coima pode variar entre os €1000 e os €10 000". Todavia, acrescenta, "por nos encontrarmos em estado de emergência, o valor das coimas duplica, logo varia entre os €2000 e os €20 000".
Um auto de contraordenação é essencialmente o início de um processo administrativo que pode resultar a aplicação de uma multa que, no presente caso, pode ir até aos 20 mil euros. Uma vez definida a coima, os donos do Lapo terão oportunidade de impugnar a decisão e avançar para um processo judicial — o que António Guerreio garantiu que iria fazer, em declarações à Sábado.
Cerca de 30 jantares, muitas notícias e um auto de contraordenação depois, os sócios-gerentes do Lapo decidiram encerrar, pelo menos para já, prometendo reabrir em breve e disponibilizar "a todos os interessados as ferramentas para que também o possam fazer".
Os sócios-gerentes do Lapo, em comunicado, contestam o fundamento científico para as decisões que estão a ser tomadas pelo Executivo de António Costa para travar a pandemia.
"São anos de sacrifício e de investimentos avultados postos em causa de um momento para o outro. Centenas de milhares de famílias inteiras que laboram neste setor deixadas à deriva num mar de incongruências científicas e total ausência de respostas a questões legítimas", dizem em comunicado.
No entanto, no passado dia 12 de janeiro, no âmbito da última reunião que juntou no infarmed políticos e especialistas em saúde pública, sobre a evolução da incidência e da transmissibilidade do vírus covid-19 no país, o epidemiologista Baltazar Nunes, do Instituto Ricardo Jorge (INSA), alertou para as consequências de não se tomarem de imediato medidas para travar o ritmo de transmissão.
“Se não fizermos nada, mantendo-se o Rt atual [de 1,22 à data da reunião. Este indicador define o grau de transmissibilidade de infeção, ou seja, por cada pessoa infetada há pelo menos mais uma que contrai o vírus], o número de casos e hospitalizações vai continuar a aumentar de forma exponencial. (...) Quanto maior for o confinamento, maior será a redução da transmissão”, sublinhou.
À data, e mesmo com a aplicação de medidas de confinamento, Manuel do Carmo Gomes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, antecipava que Portugal atingisse os "14 mil casos por dia dentro de duas semanas", acrescentando que "seria difícil evitar as 140-150 mortes por dia", previsão que, aliás, já se verifica, uma vez que Portugal contabilizou hoje 167 mortes, um novo máximo de óbitos em 24 horas relacionados com a covid-19.
Depois da ministra da Saúde admitir que todo o sistema de Saúde — incluindo Serviço Nacional de Saúde (SNS), setor social e privado e estruturas de retaguarda — está próximo do limite e depois de apelos, incluindo do Presidente da República, para que este confinamento seja levado mais a sério, o Governo decidiu avançar hoje com medidas mais restritivas.
"O que importa neste confinamento é muito simples, é achatar a curva, inverter a tendência e fazê-lo o mais rapidamente possível", reiterou Marcelo Rebelo de Sousa antes de serem conhecidas as novas medidas, admitindo desde já a possibilidade de o confinamento durar até março.
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