Pelas 08:30 de hoje dezenas de alunos juntavam-se já na porta da escola D. Filipa de Lencastre, em Lisboa, para o primeiro dia de aulas no agrupamento, indiferentes a uma grande faixa afixada próxima da entrada da escola, onde se lia ‘Basta de moradas falsas’.
A frase é o mote de um movimento criado por cerca de 40 encarregados de educação, residentes na zona do Areeiro, área de influência deste agrupamento escolar, que contestam o recurso a moradas falsas para matricular na escola crianças que não moram na zona de um dos estabelecimentos públicos mais bem classificados nos ‘rankings’ dos exames nacionais.
Marta Valente, uma das fundadoras deste movimento, disse hoje à Lusa que, apesar do mediatismo que a causa que defendem conquistou nos últimos meses, o ano letivo arranca com poucos progressos na resolução do problema, tendo apenas conseguido que a Inspeção-Geral de Educação e Ciência (IGEC) abrisse um inquérito, em junho, à denúncia feita pelos pais, mas lamentando que as conclusões tenham sido remetidas para o final deste ano.
“Disseram-nos que poderá demorar até seis meses. O ano letivo começa hoje. Seis meses é muito tempo. Seis meses será já um facto consumado, estas crianças ficaram de fora, crianças que residem aqui mesmo ao lado ficaram de fora e crianças que não têm direito de frequentar esta escola, porque não há vagas suficientes para elas, estão a entrar hoje para iniciar o ano letivo. É absolutamente injusto”, lamentou a encarregada de educação e fundadora do movimento de pais.
Marta Valente diz que em relação a este ano resta apenas aos encarregados de educação esperar por conclusões da IGEC e por respostas, que ainda não conseguiram obter, apesar das muitas perguntas enviadas, do Ministério da Educação e da Direção-Geral de Estabelecimentos Escolares (DGESTE).
“Para além disto entregámos uma queixa-crime no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), para que o Ministério Público (MP) investigue a fundo as matrículas dos últimos três anos e nos responda a uma dúvida muito simples: quantos encarregados de educação não são pais das crianças que frequentam esta escola? Faz sentido que em situações excecionais isso aconteça, mas não faz sentido que esse esquema seja usado de forma massiva para conseguirem uma prioridade a que não têm direito”, disse Marta Valente.
De capacete vermelho na cabeça, e entretido com o seu ‘skate’, o filho de seis anos de Ana Sardoeira, também fundadora do movimento, brincava esta manhã à porta da sede do agrupamento onde não conseguiu vaga no 1.º ano de escolaridade, apesar de “morar mesmo ali ao lado da escola”.
“Não conseguiu vaga apesar de cumprir os critérios. É de facto residente, completou os seis anos a 30 de julho. A única informação que tivemos da DGETSE foi a colocação a três quilómetros daqui. Disse que ficava a aguardar a conclusão do inquérito, que não aceitava de momento a colocação e queria saber o que acontecia quando o inquérito terminasse”, disse à Lusa Ana Sardoeira.
A encarregada de educação espera respostas a algumas questões: “Se as crianças que entraram indevidamente – nós sabemos que entraram, conhecemos algumas – vão sair; se não vão sair, o que vai acontecer aos nossos filhos, se vão continuar injustamente excluídos da escola a que pertencem; o que lhes acontece? Perdem todas as prioridades nas escolas à volta, porque não são residentes na área de influência”.
Teresa Durão tenta colocação na D. Filipa de Lencastre desde o 1.º ano para o seu filho que, só este ano, em que já vai para o 9.º ano, talvez venha a conseguir vaga, conseguida com um pouco de sorte.
Numa ida à escola para reclamar a falta de vaga e pedir acesso à lista de alunos admitidos, Teresa Durão soube que uma aluna tinha desistido da sua vaga, que correspondia à turma que o seu filho deveria integrar, tendo em conta as disciplinas escolhidas.
“Neste momento há vaga para o meu filho. Estou há dois dias à espera, ainda não me disseram se o meu filho entrou ou não”, criticou a encarregada de educação, que espera que este seja o primeiro ano em que o filho tenha oportunidade de estudar e fazer amigos na sua área de residência.
Anúncios em plataformas ‘online’ de classificados, ofertas de residentes, por vezes a troco de um pagamento, para serem encarregados de educação de crianças com as quais não têm relação, alterações de contratos de serviços como água e eletricidade para conseguir um comprovativo de morada falso, entre outros estratagemas são do conhecimento público e o motivo de indignação que levou um grupo de pais a criar o movimento ‘Basta de moradas falsas’.
O movimento entregou na Assembleia da República uma petição com 1.600 assinaturas a contestar as matrículas falsas e pede que a partir do próximo ano sejam feitas algumas alterações.
“Para o próximo ano é urgente alterar a lei, fazer com que seja a morada da criança que prevalece no processo de inscrição. Para isso já entregámos uma petição pública na Assembleia da República com cerca de 1.600 assinaturas. Pedimos às pessoas para indicarem as escolas onde tinham problemas. Estamos a falar de 80 escolas no país todo do Minho ao Algarve. Este é um problema transversal, embora com maior incidência nas grandes cidades”, explicou Marta Valente.
A Lusa tentou esta manhã obter um comentário da diretora do agrupamento de escolas D. Filipa de Lencastre, Laura Medeiros, que remeteu qualquer esclarecimento para o Ministério da Educação, que por seu lado, contactado pela Lusa, não deu qualquer resposta até ao momento.
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