Em entrevista à agência Lusa, a propósito do lançamento do seu novo disco e do concerto que vai dar no próximo dia 27, no Teatro Tivoli, em Lisboa, Bonga comentou a atualidade política do seu país de origem. No passado dia 2, a rádio pública angolana anunciou que o chefe de Estado e presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), José Eduardo dos Santos, tinha indicado o vice-presidente do partido e atual ministro da Defesa, João Lourenço, como o candidato do partido às eleições presidenciais de 2017. O MPLA não confirmou a informação oficialmente, mas já toda a gente dá como certa a saída de cena de José Eduardo dos Santos, no poder há 37 anos. “Hum, hum, vai ser um vira o disco e toca o mesmo. E quando a música não é boa…”, atira Bonga, mal ouviu a pergunta sobre a sucessão.
“Os angolanos têm de decidir. Temos de ter a coragem de olhar nos olhos uns dos outros”, recorda o músico angolano. “Os africanos sempre dialogaram. Quando é que deixaram de dialogar? Quando entraram as seitas religiosas, quando entraram as ideologias políticas e quando entraram os armamentos comprados do jeito que a gente sabe”, diz. Hoje, em Angola, “há muita gente a apregoar a paz, mas que contribui para a discórdia, para os conflitos”, observa.
“Não estou nada de acordo que haja divisões, no seio da família, no seio do povo, e que uns sejam mais do que os outros, e que as coisas mais importantes do momento sejam a Sonangol [petrolífera angolana] e o petróleo”, critica, referindo as "grandes obras” - edifícios, bancos, hotéis - "para inglês ver".
"Não é bem isso que me impressiona. Seria principalmente a creche para os kandengues [garotos], a escolarização, a comida para toda a gente e a maneira de se diminuir a pobreza, que aumenta muito complicadamente”, realça. Bonga rejeita "aquela imagem do tá-se bem". "É um termo que eu passei a desgostar. Tá-se bem? Tá-se bem não, tá-se bem mal e às vezes muito mal mesmo”, distingue.
Já sobre os 17 ativistas que estiveram detidos mais de um ano – entre os quais o músico Luaty Beirão, conhecido como Ikonoklasta –, o “kota” Bonga, como carinhosamente o tratam os mais novos, põe a questão no plano da consciência. “Dou todo o meu apoio”, diz.
O que observa sobre Angola é válido para África em geral. “Há africanos (…) que preferem morrer no oceano (…) do que viverem no país de origem, por causa das guerras, dos conflitos. Isso é muito triste, no século XXI”, comenta.
A escolha do nome para o novo disco, “Recados de fora”, tem uma explicação. “Desde 1972 que ando a mandar recados, derivado da minha vivência em países onde a gente desfruta das democracias, como França e Portugal”, conta.
“Ainda estamos a lutar com grandes preconceitos, de indivíduos que pensam ser raça superior, culturas superiores (…). Há uma forma de dizer não, cantando também. E mandando recados para aqueles que, infelizmente, ainda são complexados, que são pessoas das nossas terras, das nossas áfricas, imensas”, frisa.
Bonga viveu os primeiros 23 anos em Angola, “nos musseques desgraçados” que foram um “ponto de resistência” e evitaram que o semba levasse "uma machadada”.
Rejeita fechar-se "num gueto”, mas “o fio da meada” é o semba, “a referência” de toda a música angolana, do kizomba ao kuduro.
Bonga diz que “quase todos” os músicos jovens lhe pedem conselhos e às vezes até “para corrigir” trabalhos. “As letras de música não podem ser sistematicamente a dar porrada nas mulheres. É a toda a hora… você me traiu, você roubou o meu dinheiro, você não presta mais. O que é isso”, critica.
Bonga gostava de poder atuar mais em Angola. “Todas as grandes vedetas africanas estão no exterior”, lamenta, defendendo que é preciso resolver “o problema da atividade profissional dos africanos em África” e culpando a “falta de interesse das autoridades”.
Septuagenário, Bonga promete “abandonar o barco” só quando sentir que “já se esqueceram” dele, mas confessa que a idade pesa e já o levou a tirar “a barrigaça de cerveja” e ser “mais comedido nas comezainas”.
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