O Papa Francisco referiu hoje pela primeira vez que os casais homossexuais devem ser protegidos pelas leis da união civil, durante uma entrevista para o documentário "Francesco", que se estreou no Festival de Cinema de Roma.
“Os homossexuais têm o direito a ter uma família. Eles são filhos de Deus", disse Francisco numa das suas entrevistas para o filme.
“O que temos de ter é uma lei da união civil. Dessa forma, eles estão legalmente cobertos", frisou.
O filme, no âmbito do qual foi entrevistado, aborda questões com as quais o Papa Francisco mais se preocupa, incluindo ambiente, pobreza, migração, desigualdade racial e discriminação.
Enquanto servia como arcebispo de Buenos Aires, Francisco mostrou concordar com a união civil para casais homossexuais, no entanto nunca até hoje se tinha manifestado sobre o assunto na qualidade de Papa.
"Não o vejo como um documentário sobre o Papa, é um documentário sobre todos nós"
O diretor do documentário destacou, em entrevista à agência espanhola Efe, a evolução de Francisco em relação ao flagelo dos abusos e a sua capacidade de “aprender com os erros”.
Um desses erros, que o Papa mais tarde reconheceu, aconteceu em 2018 quando não acreditou nas vítimas de abuso sexual por padres no Chile e pediu provas, indignado, mas, logo depois de pedir perdão, recebeu as vítimas em Roma e desencadeou a renuncia dos bispos chilenos.
“Apenas dois meses após a 'cimeira dos abusos' em fevereiro de 2019, surgiram os primeiros frutos, a nova lei do Vaticano que exige a sua denúncia, e logo após a abolição do segredo pontifício”, enfatiza Evgeny Afineevsky.
Um dos personagens principais do documentário é Juan Carlos Cruz, o sobrevivente chileno de abuso sexual pelo clero que Francisco inicialmente desacreditou durante uma visita de 2018 ao Chile.
Cruz, que é homossexual, conta a sua própria história em fragmentos ao longo do filme, narrando a evolução de Francisco na compreensão do abuso sexual e documentando as opiniões do Papa sobre os homossexuais.
A imagem de uma Praça de São Pedro chuvosa e vazia devido à pandemia do coronavírus e de um Francisco solitário no seu centro é a poderosa metáfora com a qual o diretor do documentário, Evgeny Afineevsky, inicia o seu mais recente trabalho, um olhar cinematográfico sobre a personalidade e as ações do Papa argentino.
“Francesco”, que estreou hoje no Festival de Cinema de Roma, é um documentário dedicado a “uma Humanidade que cria dramas e desastres, e a Ele, que com humildade e sabedoria, tenta guiar-nos para construir um futuro melhor”, disse Afineevsky em entrevista à Efe.
“Não o vejo como um documentário sobre o Papa, é um documentário sobre todos nós, toda a Humanidade que cria desastres, ataca o meio ambiente, monta todas essas guerras que fazem os migrantes fugirem, cria abusos sexuais, que não há só na Igreja, mas também em Hollywood”, garante o diretor.
“Ele tenta ajudar-nos a navegar, a mudar, mostrando-nos que estamos diante de uma linha vermelha” e que devemos escolher entre “ser vítimas do nosso passado ou heróis do nosso futuro”, acrescenta.
O diretor residente nos Estados Unidos, indicado para o Oscar de melhor documentário em 2016 com "Inverno em chamas: A Luta pela Liberdade da Ucrânia" sobre a revolução Maidan e três Emmy por "Gritos da Síria" em 2017, levou quase três anos para concluir este projeto que durante duas horas traça o pensamento e as experiências de Bergoglio, através das suas viagens e depoimentos de personalidades e amigos.
O seu documentário, explicou, pretende mostrar ao mundo que “estamos num certo ponto onde temos de reavaliar as nossas ações, recordar que o que pode acontecer é o Armagedom”, insiste, porque como diz Francisco “a humanidade vive uma crise que não é apenas económica e financeira, mas também ecológica, educacional, moral, humana”.
Afineevsky garante que não pretende retratar Francisco como uma celebridade.
"Ao contrário do filme Win Wenders de alguns anos atrás, é importante para mim não mostrá-lo nem como um Papa nem como o rei do universo, mas como uma pessoa humilde”.
No documentário, o diretor de 48 anos, nascido em Kazan (antiga União Soviética), que cresceu em Israel e depois emigrou para os Estados Unidos, não aborda questões religiosas, mas as ideias do Papa sobre os grandes desafios do nosso tempo.
“Para mim que não sou católico, que sou judeu e nasci ateu na Rússia, foi importante mostrar ao mundo que eu, com a minha perspetiva não religiosa, posso ver o que esse homem faz e como ele nos inspira”, afirmou.
Por isso optou por um filme que possa ser visto por jovens e velhos, por diferentes grupos sociais, crentes e não crentes.
“Procurei criar uma história cinematográfica que pudesse ser entendida por pessoas simples e altamente cultas, algo que possa ficar depois de nós e pode educar as pessoas", frisou.
O filme tem ainda entrevistas com o Papa Emérito Bento XVI, o cardeal filipino Tagle e o Presidente Sarkissian da Arménia - onde Francisco falou do genocídio que causou a ira da Turquia - entre outros.
O realizador recebe na quinta-feira, no Vaticano, o prémio Kineo Film for Humanity das mãos de Rosetta Sannelli, a sua criadora, tradicionalmente premiado no festival de Veneza e que é atribuído aos promotores das questões sociais e humanitárias.
A atribuição do prémio foi decidida por considerar o júri que "Francesco" ilustra o pensamento e a obra deste papa "vulcânico e imparável, uma personalidade de grande profundidade em todo o mundo, independentemente de suas crenças ou julgamentos pessoais ".
(Notícia atualizada às 16h57)
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