“Sem margem para dúvidas, o artigo científico acabado de publicar na conceituada 'Nature Communications', do grupo Nature, prova que a teoria desenvolvida em 1956 por Rudolph Arthur Marcus”, que lhe valeu a atribuição do Nobel da Química em 1992, “está errada”, afirma a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), numa nota enviada hoje à agência Lusa.
Em causa está “a reorganização de moléculas necessária para a transferência de eletrões”, afirma a FCTUC, referindo que, para ocorrer este tipo de reações químicas, “a teoria de Marcus prevê que essa reorganização tem de ser principalmente efetuada nos solventes”.
Mas o estudo agora publicado concluiu que “não é assim”, evidenciando que “a chave para a transferência de eletrões está nos reagentes”.
Esta descoberta culmina “duas décadas e meia de estudos desenvolvidos no Departamento de Química da FCTUC, que geraram muita controvérsia dentro da comunidade científica ao longo do percurso”.
“O grande impulsionador de toda esta investigação foi o químico Formosinho Simões (catedrático da FCTUC, falecido em dezembro de 2016), que sempre questionou a teoria de Marcus”.
Formosinho Simões defendia que a chave para transferência de eletrões estava nos reagentes, mas “faltava uma evidência experimental decisiva para refutar a teoria de Marcus, pois Marcus era um cientista muito credível e a sua teoria foi premiada com o prémio Nobel da Química 1992”, conta Luís Arnaut.
Confrontado com duas visões radicalmente opostas em relação a esta reação química, Arnaut reuniu “em 1993 os químicos mais eminentes do mundo num NATO Workshop em Portugal para discutir o problema”.
O professor catedrático da FCTUC destaca que nesse encontro, “à exceção de Formosinho Simões, ninguém ousou questionar o prémio Nobel. Foi uma discussão muito intensa”.
Mas “o grupo de Coimbra não esmoreceu e avançou sozinho na conceção de experiências” que permitissem determinar qual das duas teorias estava correta.
Foram necessários 25 anos: “Foi uma tarefa extremamente difícil. Tivemos de desenhar, conceber e executar um vasto conjunto de estudos e experiências. Há múltiplas razões que justificam tantos anos de estudo, entre as quais a exigência de equipamento altamente sofisticado que nós não possuíamos, a necessidade de sintetizar moléculas que não existiam e a contratação de pessoal altamente qualificado para desenvolver o trabalho”, acrescenta Luís Arnaut, citado pela FCTUC.
Além de todas estas dificuldades, os cientistas da Universidade de Coimbra tiveram de enfrentar a crítica da comunidade científica, que “teimava em não aceitar que um Nobel da Química pudesse estar errado”, salienta a FCTUC, na mesma nota.
Após “um longo e sinuoso caminho, finalmente, em 2014”, a equipa de Formosinho Simões e de Luís Arnaut reuniu as condições adequadas para realizar “a experiência decisiva” – os resultados ficaram completos no final de 2017. O artigo científico foi submetido ao grupo Nature e, “mais uma vez, a polémica foi inevitável”, relata o coordenador do estudo.
No entanto, a argumentação dos cientistas da FCTUC “convenceu os ‘reviewers’ da revista e o artigo foi publicado” na quarta-feira.
Luís Arnaut acredita que a reação da comunidade científica “talvez vá ficar perplexa porque o que está escrito no artigo vai contra a corrente. Expõe claramente que a teoria de Marcus não funciona”.
Quanto a implicações práticas desta nova teoria – denominada ‘modelo de intersecção de estados’ –, o catedrático da FCTUC não crê que, “de repente, a teoria desenvolvida em Coimbra permita originar um produto que chegue ao mercado com vantagens relativamente aos existentes”.
“Demorámos 25 anos a realizar esta experiência, por isso é expectável que demore muitos anos para se desenvolver sistemas de uma forma diferente. Porém, o nosso modelo pode inspirar melhores soluções em áreas onde a transferência de eletrões é importante”, admite Luís Arnaut.
As reações de transferência de eletrão são a base das reações de oxidação-redução e “ocorrem em sistemas biológicos como a fotossíntese e a respiração, bem como em sistemas artificiais, por exemplo, painéis solares, polímeros condutores utilizados em televisões e computadores, optoeletrónica”, entre outros, conclui a FCTUC.
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