O elevado índice da doença provocada pelo novo coronavírus neste concelho alentejano levou mesmo o Governo a decretar uma cerca sanitária em duas freguesias – São Teotónio e Longueira/Almograve, em 29 de abril, para tentar travar os contágios.
Na altura, o primeiro-ministro, António Costa, alertou para as “situações de insalubridade habitacional inadmissível, com hipersobrelotação das habitações” no território, que considerou tratar-se de “uma violação gritante dos direitos humanos”.
Em vigor no pico da campanha agrícola, a cerca sanitária implicou a transferência de centenas de trabalhadores para o complexo turístico Zmar, Pousada da Juventude de Almograve e Residência de Estudantes em Odemira, devido a sobrelotação e falta de salubridade das habitações, assim como posteriores realojamentos.
A decisão implicou a requisição civil do empreendimento turístico para alojar pessoas em confinamento obrigatório ou permitir o seu “isolamento profilático”, tendo os moradores apresentado uma providência cautelar que foi aceite pelo tribunal.
No entanto, o Governo avançou mesmo com a transferência de trabalhadores migrantes para o Zmar, apesar da contestação dos moradores, tendo chegado depois a acordo com a Massa Insolvente da Multiparques a Céu Aberto - Campismo e Caravanismo em Parques, S.A, dona do Zmar, para a cedência temporária de 34 alojamentos.
No início deste mês, permaneciam sete trabalhadores agrícolas na Pousada da Juventude de Almograve, de acordo com dados fornecidos à agência Lusa pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC).
A cerca sanitária terminou em 12 de maio, um dia depois do anúncio feito pelo primeiro-ministro, numa cerimónia na vila de Odemira, onde assinou dois memorandos com o município e as empresas agrícolas para dar resposta aos problemas identificados.
Os trabalhadores temporários, a maioria de países como o Nepal, Índia e Paquistão, procuram naquele local, “onde abundam as estufas de pequenos frutos”, o seu meio de subsistência, sendo esta a atividade “que mais imigrantes emprega”, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Em maio, o então presidente da Câmara de Odemira, José Alberto Guerreiro, estimava que, “no mínimo, seis mil” dos 13 mil trabalhadores agrícolas do concelho, permanentes e temporários, não tinham “condições de habitabilidade”.
O então autarca revelou, na altura, já ter apresentado uma denúncia na Polícia Judiciária sobre situações que considerou suspeitas e que estariam na base da existência “de muitos trabalhadores migrantes” no concelho.
Em outubro, o SEF revelou estarem a decorrer, relacionados com Odemira, oito inquéritos por suspeitas de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas para exploração laboral e falsificação de documentos e que “um total de oito entidades patronais e oito cidadãos” estavam a ser investigados “na qualidade de suspeitos”.
As autoridades de saúde pública realizaram 73 ações de fiscalização a alojamentos de trabalhadores naquele concelho, desde o decretar da cerca, tendo elaborado 14 autos por falta de condições de habitabilidade, falta de salubridade ou sobrelotação.
No mesmo período, a Autoridade Tributária tinha identificado “11 senhorios e subarrendatários”, resultando na instrução de 11 processos, dos quais oito estavam concluídos e três em curso.
Estes processos permitiram identificar “113 irregularidades não especificadas, sendo que 74 foram voluntariamente regularizadas e 39 [estavam] por regularizar”.
A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) tinha levantado 1.220 autos de notícia, em resultado de inspeções realizadas a mais de 200 empresas, entre agricultores, prestadores de serviços e outras de trabalho temporário.
De acordo com a Câmara de Odemira, a entrega de pedidos para legalização e autorização de contentores nas explorações agrícolas de Odemira está a decorrer, desde setembro, com vista a melhorar as condições de habitação dos trabalhadores sazonais na campanha do próximo ano.
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